quarta-feira, 21 de abril de 2021

Trinados à moda da serra

 


Nunca fiz grande questão de usar o traje académico por muitas razões mas uma delas era meramente ambiental: assim que equacionava adquirir um, ficava a pensar na trabalheira que o alfaiate iria ter para moldar quase quatro metros de pano. Imaginava-o a fazer sessões forçadas de "step" nos bancos de prova só para me tirar as medidas (e todos sabemos que os alfaiates, por norma, são baixinhos), mais o problema de ter de matar não sei quantos animais para me fazerem o dito traje, ainda por cima tinham de ser todos pretos por causa da cor, e que, como se sabe, nos tempos que correm, seria motivo mais que suficiente para termos o PAN à perna, mais a malta politicamente correcta que acha que dizer-se preto é racismo e que colocaria em causa as razões do traje ser escuro e não amarelo às riscas com nuances de fucsia - ou o diabo que carregue lá o nome da cor. 

Bem... na altura a malta não tinha tendência para complicar. Não tínhamos tempo para pensar em mariquices dessas (bolas... lá estou eu a ser uma besta! - sem desprimor para com as bestas) mas eu já achava mau ter de matar uma vaca para me fazer uns cento e cinquenta moldes para os sapatos até que um par me servisse, quanto mais andar a jogar paintball com balas a sério com a carneirada. E tudo por um traje académico? Ná... passo!

Posso afirmar com algum grau de erro... (superior a 50% de certeza) que nos primeiros dois anos de UBI não se ouvia falar em Tunas. Na Covilhã. A Jab'UBI só ouvi falar dela no último ano que lá estive e muito por causa de um sucesso que passou fronteiras que era o "Don't wanna a short dick man" (ou se calhar estou a confundir com outra cantilena qualquer). 

A malta era pouco dada a trinados. Qualquer cântico tirado do mais recôndito do nosso ser, de goela bem aberta, provocava uma algazarra canina entre o Tinhoso  e o Carcanhoso (ou lá como se chamavam) além de coalhar o leite "in úbere" a qualquer membro respeitável daquele aglomerado animalesco chamado gado. A mole académica era mais gregária. Gregava muito. Se houvesse alguma tuna de Trash Metal, qualquer um era candidato. A caloirada, era dada portanto, ao canto gregoriano e ao gargarejo. Até ver...

Mas a malta cantava. Lá isso cantava. Havia a malta mais atinada que preferia puxar pelas cordas vocais nos corais polifónicos e/ou no coro da missa das onze. Mas estes, não contam porque cantavam movidos a fé. As tunas normalmente são movidas a álcool e outros aditivos. Há coisas que devem ser separadas, cada macaco no seu galho e tanto não faria sentido ter-se alguma primadonna numa tuna, de peitaça espetada para a lua, permanente imaculada e a boca em formato de "O" maiúsculo no meio de uma turba de estudantes desgrenhados e de calças pelas canelas a cantarem como se não houvesse amanhã, da mesma forma que seria motivo de falatório no Centro Cívico e outros poisos geriátricos, aparecer um gandim, com uma jarda descomunal cantar o "Hossana nas Alturas" em pleno púlpito da Igreja da Misericórdia.

Mas o que é certo é que a Jáb'UBI foi a primeira que ouvi falar e cantar. E era uma moca ouvir aquilo. E a malta curtia e curtia... e curtia.

Os anos foram passando e foram aparecendo mais tunas dentro de cada academia, porque lá está! Há que complicar as coisas e "se é porque há uma de gajos, tem de haver uma de gajas" e é natural que hoje haja para aí umas vinte ou lá quantas são, devido à infinidade de géneros que pululam por aí. Mas, a nível patrimonial, acho que sim, que cada Universidade deve primar pela diversidade e como tal, há que dar à goela e cantar.

Acho que o que ninguém poderá pôr em causa é o espírito de abnegação a que todos se propõem por se ter a honra de se pertencer a uma Tuna. 

Abnegação por parte dos alunos, pois, a par de outras figuras de renome, como professores e doutores que representam uma academia, estes têm o condão de elevar o nível cultural da instituição que representam, demonstrando que uma universidade não pode ser estanque a marranço puro e duro. Culturalmente falando, uma instituição universitária sai mais engrandecida quando demonstra que até o mais boémio dos alunos a pode representar dignamente lá fora, levando o seu nome bem alto e mais longe. É uma forma de dizer que não se formam só doutores. É uma forma de dizer que até o mais calhau dos alunos tem uma palavra a dizer. Ou neste caso, dotes vocais para questionar a própria vocação.

Abnegação por parte dos encarregados de educação, pois apercebem-se que o dinheiro gasto em propinas é bem empregue pois o seu educando dá mostras que aquele investimento é bem aplicado. "Antes isso que para a droga!" ou "Já que o gajo não dá para a bola, ao menos que se aplique em algo que o possa trazer para outros vôos, como o "The Voice".

Abnegação por parte das próprias instituições académicas, que invariavelmente patrocinam estes grupos polifónicos pois sabem que "a mal ou a bem" há sempre retorno e projecção.

Portanto, pelo exposto, uma Tuna Académica foi, é e sempre será uma mais-valia de peso num meio universitário. Em última análise, é à conta destas que se engrandece uma cidade ou região. É o estandarte cultural do meio onde está instalada. É quem mais dá a cara pelo bom nome e distinção do meio académico, social, cultural e até económico da área que lhe pertence. 

Daí que, por mais contras que consigamos encontrar e enumerar descaradamente, às tunas devemos não só aqueles momentos insanes de loucura como da mesma forma vamos às lágrimas com as baladas e trovas que tão atenta e calmamente apreciamos. E que nos marcam para a vida. Ou que ainda trauteamos de quando em vez, quando a saudade académica bate à porta.  



Uma vez Ubiano, Ubiano sempre!