Assim que soube que Jorge Jesus deixava o Flamengo e vinha para o Benfica, Leonel Tó, estudante do último ano do curso de Ciências do Desporto da UBI (e benfiquista como eu), ficou eufórico. Se até aí não imaginava qual seria o tema da sua tese final de curso, depressa se decidiu pela análise da época demolidora do Sport Lisboa e Benfica, com Jorge Jesus ao leme.
Por azar Leonel Tó apanhou covid e ficou de quarentena, com tempo para tudo. Diz ele que um dos sintomas do vírus foi acometê-lo de uma onda camiliana de inspiração. Aliás, sendo fiel à matemática, esmerou-se na exatidão e disse que foi uma onda dois terços de camiliana, porque, se o Camilo precisou de quinze dias para escrever Amor de Perdição, ele só precisou de dez para escrever a tese. Aproveitou a estranha sintomatologia que o vírus lhe provocou e escreveu, em velocidade de foguetão, capítulo após capítulo, e só no fim é que decidiu o título: “A jogar o triplo”. A tese, que era uma abordagem técnico-tática dos métodos de treino, da psicologia motivacional, de todas as componentes da estratégia do mestre Jesus, era para entregar no fim do ano. No entanto, aproveitando o tempo livre e a oportunidade única que era aquela vertigem criativa, escreveu-a com grande antecedência. Usando métodos estatísticos - nada de premonições, tudo científico -, Leonel Tó, além das vitórias certas na final da supertaça, na taça da liga e na taça de Portugal, tinha já uma estimativa da diferença pontual que o Benfica cavaria relativamente ao segundo quando o campeonato terminasse. E no fim era só fazer os ajustes, porque, em boa verdade, só bruxo é que sabia números exatos. As competições internas eram um passeio, a sério só mesmo a Champions. Contra os tubarões da Europa era outra loiça. Aliás, esse capítulo da tese ficou apenas alinhavado, previu a chegada aos quartos de final e deixou grande parte por escrever. Não se aventurou além dos quartos porque, contra plantéis ultramilionários, as chances eram poucas ou pelo menos imprevisíveis. Os cem milhões que o Benfica gastou este ano em contratações garantiam sucesso nas lides domésticas, mas lá fora cem milhões eram uma bagatela, era lá que estavam os melhores e simultaneamente os jogadores mais caros do planeta. Por isso, ou a sorte do jogo se compadecia do glorioso ou não passava dos quartos. Apesar de tudo, a esperança de chegar mais longe era a última a morrer…
A primeira diarreia mental de Leonel Tó, e até intestinal (sim, porque os nervos metem-se em tudo…), foi quando o Benfica caiu prematuramente na Champions aos pés dos coxos do PAOK da Grécia. Vergonhosamente, nem à fase de grupos conseguiu chegar. Nem o prestígio nem o dinheiro da Champions, foi tudo à vida. Isto depois de um monumental investimento pensado para ser amortizado em grandes noites europeias. Leonel Tó passou dois dias com as nalgas sentadas na sanita, numa soltura medonha. Deprimido, percebeu logo que o capítulo sobre a Champions, apenas alinhavado a pensar na hipótese de o Benfica superar a meta dos quartos, ia afinal ser a vergonha da tese. Chorou lágrimas de águia ferida e engoliu em seco as piadas do costume vindas da concorrência verde e azul e branca, “chupa lampião”, “em que grupo é que vais jogar na fase de grupos, no grupo I da tabela periódica?!... atenção que o sódio e o potássio são fortíssimos!”. E outras piadolas para tirar o ânimo. Leonel Tó não teve outro remédio senão conformar-se. Escreveu na tese que a eliminação da Champions foi apenas um percalço, que a culpa tinha sido da aleatoriedade do futebol que permitia que nem sempre ganhasse o melhor. Nem a genialidade de Jorge Jesus conseguia sobrepor-se às vicissitudes do futebol, concluiu.
Mas chegou Dezembro e outra disenteria, para não dizer caganeira. A fé que Leonel Tó tinha em Jesus levava outro rombo com a derrota do Benfica na supertaça, e ainda por cima aos pés do Porto. Mudava o ano, e, logo em Janeiro, meias finais da taça da liga e outro descalabro, o Benfica via Braga por um canudo. Já era o terceiro desastre, Leonel Tó teve finalmente um baque muito sério de desesperança. Como se isso não bastasse, estamos em Fevereiro e o campeonato parece um filme de terror, o glorioso vai em quarto, a uns impensáveis onze pontos do Sporting, e, da maneira como param as modas, a tendência é para aumentar o fosso. Leonel Tó tem cólicas e enjoos e só a sua grande consciência de género é que o impede de acreditar que está grávido. A tese já era. Vai ter que pensar noutro assunto ou então fazer uma errata geral e alterar o título cento e oitenta graus para “A jogar um terço”. Mal empregado tempo que passou a redigir o milagre benfiquista, lamenta-se. A indignação é tanta que até já se vira para Meca cinco vezes por dia, e pouco falta para se converter ao Islão. Mesmo com Jesus a treinador e Deus a adjunto não há cristianismo que resista. Mais valera ter lá o Maomé e o Alá. “Há lá paciência para tanta incompetência, há lá, há lá…”, grita o Leonel, qual muçulmano em oração. E não se cansa de rogar pragas ao Jesus, “aquele bandido arrasou-me a tese!”.
Leonel Tó não está bem, dizem os amigos mais próximos que está à beira de ser internado. Maldiz Jesus e os apóstolos, o apóstolo Pizzi, o apóstolo Otamendi, o apóstolo Rafa, o apóstolo Drawin Nuñez, enfim, todos, não escapa um. Cansado de ser gozado até já pensou fazer uma plástica para mudar de cara e ninguém o conhecer. E diz amiúde que quer ir para a ilha. O futebol é fértil em reviravoltas, dizem-lhe os psicólogos que o querem animar. Mas a onze pontos dos leões, e ainda por cima a jogar mal que fede, Leonel Tó já não acredita no Pai Natal. O campeonato já foi ao charco e Jesus já passou de bestial a besta. E esta crónica fica por aqui, porque, benfiquista como sou, estou farto de escrever tristezas…
Gondri
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