O Leonardo, carioca de gema, desde petiz que ia de carona do Rio para São Paulo, e vice-versa. E chegou a uma altura que já ia de carona p’ra todo o lado, correu o Brasil de lés a lés, um infindável “caronista”, como ele se próprio se intitulava.
Era um génio a pedir carona. Um aspeto limpo e cordial, braço estendido de polegar virado ao céu, e aquilo era matemático, à primeira cavadela minhoca, o primeiro carro que passasse parava. Ele próprio estranhava aquela mestria a pedir carona…
Um dia não foi só ele a estranhar. Com base nos seus relatos, o Prof Neymar, um cientista de nomeada, resolveu tomar conta da ocorrência e lançou a bomba na comunidade científica. Numa primeira fase confirmou com os seus próprios olhos a incrível veracidade dos factos: o Leonardo, mal estendia o braço, era tiro e queda, o primeiro carro que passasse parava, era carona certa, não falhava. Começou a pôr hipóteses em direção a uma teoria que tardava muito mais do que as caronas do Leonardo. À falta de melhor hipótese chegou ao absurdo de pensar que seria sorte, mas depressa abandonou esse disparate que colidia frontalmente com a teoria das probabilidades. A sorte tinha-se uma vez ou outra, pensou, a sorte, a felicidade, ou aquilo que se lhe quisesse chamar, mas jogar cem vezes na sorte grande e ganhar as cem não era uma coisa deste mundo. Milagre também não seria, a mente científica do Prof Neymar era impermeável ao sobrenatural, tudo tinha que ter uma explicação racional e de acordo com a experiência. Colocando a magia e o esotérico de parte não era fácil engendrar teorias, mas o prof Neymar não desistia, andou à procura de respostas nas mais variadas disciplinas da ciência, desde a psicologia á mecânica quântica, passando pela medicina, pelo eletromagnetismo, por imensos ramos do saber científico, nem a teoria da relatividade escapou à sua curiosidade..., mas nada. Até que um belo dia, quando analisava o sangue do Leonardo ao microscópico, lhe surgiu triunfantemente a resposta que há tanto ansiava: o Leonardo tinha o caronavírus. (Mais tarde diria que aquele foi o momento mais intenso de toda a sua vida, e não era para menos…).
Hoje sabe-se que o caronavírus ainda é da família do coronavírus, um primo afastado, digamos assim. Trata-se de uma variante que resulta de uma mutação na primeira vogal, a que os cientistas chamaram “substituição o-a”. Ao contrário do coronavírus, que se transmite por via aérea, não há registos de transmissão do caronavírus nos aviões, apenas em veículos automóveis, ou seja, por via terrestre. Estudos posteriores à sua descoberta permitiram concluir que é um vírus benigno, ou seja, só traz benefícios a quem o transporta dentro de si. Atua edificando uma aura telepática no córtex do feliz infectado, de modo que, sempre que pede carona, cria em seu redor um campo telepático que compele os condutores a parar e a dar carona, mesmo os mais avessos a isso. De facto é caso virgem na ciência que as vítimas de um vírus sejam pessoas que não o contraíram e não estão infetadas, mas é isso mesmo que acontece com os condutores que são contra dar carona e se vêm “obrigados” a agir contra a sua própria vontade. Mas as dificuldades não se ficam por aqui, como é que se vai criar uma vacina para proteger esses condutores “não-carona”, como é que o sistema imunitário vai reagir contra um vírus que não existe no organismo?! De facto, criar uma vacina para proteger quem não está infetado parece-me uma impossibilidade, e é o que pareceu também à equipa de investigadores da UBI que entretanto assumiu a liderança da investigação a nível mundial. Segundo os investigadores ubianos a solução passa, não por uma vacina, mas por desenvolver uma espécie de "escudo defensivo" no cérebro dos condutores que os imunize contra os ataque telepáticos dos infetados pelo caronavírus. Os estudos estão muito avançados e prevê-se que, no prazo de seis meses, a UBI brilhe mais uma vez a ouro no pódio científico. Concretizando, trata-se do lançamento de um medicamento, o "Caronaprazol", em forma de comprimidos, que protege dos efeitos nefastos induzidos pelo caronavírus alheio. É muito bom ser ubiano. Uma vez ubiano, para sempre ubiano. Orgulho!
Gondri
Gondri
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