Eu não sou muito de fundamentalismos no que diz respeito ao decoro na linguagem, mas reconheço que vir para o pé das crianças dizer que se gosta de panquecas, quecas quecas, ultrapassa os limites do razoável. Por muito que eu não queira tenho que dar razão ao bronco do diácono Remédios, de facto não havia nechechidade. Mas as panquecas e suas derivações não são caso único. Um murcão do Porto se quiser ser decente jamais poderá adaptar à sua realidade a máxima de que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher, sob pena de lhe sair, sem querer, que por trás de um grande murcão está sempre uma grande murcona. Embora seja uma alteração rebuscada e pouco natural, mandaria o bom senso, digo eu, que o murcão se referisse à sua donzela como sendo uma murcã, evitando assim a fonética vaginal de rima indecorosa que não fica bem a ninguém. Felizmente a língua portuguesa não é malcriada e reservou para a fêmea do falcão a designação de “falcão-fêmea” poupando-nos a todos a mais uma pouca vergonha. O furacão tem mais sorte porque vive solteiro, não se lhe conhece mulher, tal como o beliscão. Já o buracão tem que se preocupar com as senhoras da freguesia da Buraca porque há quem seja tentado a chamar-lhes buraconas sem medir as consequências. Um roubo por esticão é sempre por esticão, não está escrito em lado nenhum que se em vez de ser um ladrão for uma ladra o roubo passe a ser por esticona. Já relativamente ao macacão a coisa varia: se o macacão peça de vestuário se mantém macacão quando veste uma donzela, já o macacão de símio não se livra de passar a macacona quando se inverte o sexo. Aquelas duas sílabas de sufixo conspurcam a linguagem, caem mal no ouvido, aludem a uma conhecida asneira que é das piores e que à custa dela já muitos petizes foram castigados com pimenta na língua. A chaputa, peixe do mar, também não se livra do estigma, nem ela nem o aprendiz de computadores que já computa, ou o cirurgião que amputa. E muitos mais casos povoam a língua, casos que devem ser evitados a todo o custo, caso contrário cai-se na prevaricação oral. Claro que as ambiguidades tipo sexo horal, de hora a hora, também carregam o risco de confusão, isso e outros casos não tão óbvios como por exemplo o dos coelhos de tamanho XXL, a que se chama coelhões, e que beneficiam daquele "e" entalado entre o “o” e o “l” para acalmar os púdicos…. Outra coisa que não se pode ter é falta de um punho. Se for de uma perna ou de uma mão a coisa resolve-se com perneta e maneta, agora um punho é mais complicado. Palavras há, no entanto, que não sendo palavrões proibidos são pelo menos palavras feias, como por exemplo o símbolo que representa o cobre na tabela periódica. O próprio Mário Soares, que tinha umas bochechas assemelhadas a nádegas, era designado pelos seus detratores por “cara de cu”, apesar de não haver qualquer dúvida de que o cu era mais abaixo. Até o cuco no seu cu-cu se porta mal, o cu anda na boca de muita gente e não devia. Há também um problema com aqueles que não têm herdeiros, e que, não sabendo quem os herdará, não hesitam em proferir, onde calha e em voz alta, “afinal quem é que m’herda?! A lista de irregularidades é vasta mas não vale a pena sujar mais esta crónica com palavrões e afins. Nem tentar tirar o “n” de uma pinça com outra pinça porque sem “n” a coisa fica feia. Até o bacalhau que é bem comportado se inibe de querer alho, sem perceber que o esforço é em vão. Afinal, passar de “o bacalhau quer alho” para “o bacalhau não quer alho” não muda nada nos termos da indecência cacofónica. Os cidadãos mais respeitosos contornam a asneirice com recurso à semelhança fónica, e então lançam interjeições tipo “fosga-se!” em lugar das genuínas, que são imorais, ou mandam alguém para o carvalho aproveitando a presença do “v” para se purificarem. Em alternativa também se pode mandar para o Ramalho, desde que não seja o Eanes, óbvio, que esse é um dos homens mais íntegros deste país e com a grandeza não se brinca. Eh pah, há tanta coisa para dizer sobre isto que se me desse para ser exaustivo nunca mais daqui saía, e também não quero ser chato e sujeitar-me a que me mandem para o lugar dos chatos, se é que me entendem…
Muitos estarão a pensar, “mas o gajo ainda não falou da UBI”, e de facto não falei, mas vou falar. Na UBI dizem-se asneiras, cacofonias e sufixos indecentes como em qualquer outro lugar, é certo que sim. Mas não se debitam impropérios à frente de crianças. Quem cantasse essa indecorosa cantilena do “eu gosto de panquecas, quecas, quecas”, à frente de crianças, na nossa querida e impoluta UBI, seria liminarmente saneado da instituição e jamais voltaria a pisar solo ubiano. Ainda se fosse tipo “eu gosto muito de copular, lar, lar”, aí tudo bem. Ensinar crianças a gostar do seu lar, da sua casinha, da sua família, esse sim, é um ensinamento muito são e muito digno. Que é como quem diz, um ensinamento muito ubiano.
Gondri
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