Gosto da gente da Beira Baixa, é gente mais transparente, mais pura. Vai-se para Lisboa, Cascais à vista, e é só finesse e ostentação, gente muito fina e cheia de manhas e manias. As gentes da aldeia ainda estão cruas, sem a cozedura da hipocrisia e da falsidade, não têm a mesma competição e não dão nem um décimo da importância ao corpo, à maneira de vestir, à forma do sorriso, ao melhor ângulo do olhar, estão-se pouco importando com a pose. Dão-se com as vacas e com as ovelhas, com os campos floridos e o sol nascente, respiram a natureza com os pulmões limpos e agradecidos. São simples, e muito bem-educadas. Quando oiço, nesta Beira profunda, agradecer com “bem-haja”, fico deliciado. “Bem-haja” é bonito, soa-me a um coração de oiro, a boa pessoa. Há uma delicadeza nesta gente que me cativa, não é aquela simpatia de plástico dos vendedores cheios de treta que mostram a cremalheira toda num sorriso estudado, é uma simpatia natural, sem estratégia.
O mundo urbano é feio por dentro, tem dinheiro e tem poder, mas não tem o céu límpido e estrelado das aldeias da Beira Interior, à noite. Muito tijolo e muito betão, motores e buzinas, fumo de poluir as ruas e as vísceras humanas, muita economia e muita finança. Os urbanos, de convencimento e sobranceria, chamam grunhos e matarruanos aos do país profundo. Falta-lhes em casa espelhos. É muita gravata e muita peneira, tudo para um dia se esfumar no último suspiro…
Ouvir um “obrigado” cai sempre bem, mas um “bem-haja” tem outro alcance, é de uma delicadeza floral, tem o cheirinho da rosa e o coaxar da rã em cima dos limos dos poços. E tem o chilreio do passarinho, e o gri-gri do grilo, o vento no feno e a sombra fresca do carvalho,…, um bem-haja tem um sabor a campo e a coisas belas, e, principalmente, a coisas simples que se mostram como são, transparentes como a água limpa.
Quando mais envelheço mais me sinto unido à terra e à alma das coisas, mais poético. A poesia é uma espécie de fusão com a profundidade. Num tempo de Big Brothers, e outras superficialidades de consumo imediato, a poesia é uma fuga para dentro, um desinteresse pela futilidade em detrimento da importância. O que um bem-haja tem de diferente é a poesia. Dizer obrigado é banal, ainda que louvável e educado. Mas “bem-haja” é beirão, é do coração.
Dir-me-ão que também há gente educada, simpática e de bom coração na cidade grande. Obviamente que sim, tal como também haverá nas aldeias do país profundo gente polida e cheia de salamaleques, armada aos cucos, que não presta para nada. Como em tudo na vida é tudo uma questão de probabilidades e improbabilidades, é mais fácil encontrar um chinês na China do que em Alhos Vedros.
Na aldeia ninguém passa uma vida sem conhecer o vizinho do lado, o mesmo não se pode dizer das grandes urbes. Na aldeia são poucos, é verdade, quanto mais não seja cruzam-se na missa ou no café, não há como não se conhecerem. Mas, caramba, o vizinho do lado é o vizinho do lado, seja na aldeia mais remota, seja na cidade mais cosmopolita. A azáfama e o stress da cidade não justificam tudo. A razão maior é a impessoalidade e o egoísmo de uma sociedade que só tens olhos para o seu umbigo. A sofisticação tecnológica está a desumanizar as pessoas, quanto mais artificial e evoluído é o lugar mais longe fica da pureza de uma terra do interior.
A nossa universidade está plantada na Beira Interior, num lugar de bem. Não é uma terra rica mas é honrada. De gente respeitadora e educada. Diz-se que há um tempo atrás chegou à Covilhã um empresário de cafetaria. A sua filosofia de negócio assentava na ideia de que a simpatia dava desconto, ou seja, quando mais simpático fosse o cliente, menos pagava. Basicamente, as regras eram as seguintes (de acordo com a figura anexa):
se entrar na cafetaria e disser assim a seco, sem a mínima gentileza, "um café", são 2€;
Mas se evoluir para "um café, por favor", já só lhe fica por 1,5€;
Se no entanto se esmerar com "bom dia, dá-me um café por favor?" então a conta encolhe para uns simpáticos 0,80€;
Mas se quiser ser um verdadeiro "ás" da simpatia e engrenar uma frase tipo "bem haja pelo excelente atendimento, trazia-me por obséquio um cafezinho, vós que sois a alma desta ilustre cafetaria? " então tem direito a café de borla e ainda um bagacinho a acompanhar, tudo rigorosamente grátis!...
Escusado será dizer que a cafetaria não durou seis meses. Dava prejuízo. Ele devia ter feito um estudo de mercado em condições antes de se estabelecer numa terra de gente tão simpática e educada. Não cuidou convenientemente do negócio, e, quando deu por ele, estava a servir cafés e bagaços de borla, a torto e a direito. Agora já diz que não volta a cometer o mesmo erro, e já anda à procura de uma terra de broncos e matarruanos para dar continuidade ao negócio. “Aqui são educados demais para a minha bolsa, nem ganhava para os impostos…”, disse, lamentando o sucedido.
Gondri
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