quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Cinema Paraíso



A Clockwork Orange (1971) - IMDb 

 

Frequentei a UBI nos anos 80, na altura ainda Instituto Universitário da Beira Interior, nos dois primeiros anos do meu curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores. O curso teria de ser concluído  no Instituto Superior Técnico em Lisboa, por convénio dos dois estabelecimentos de ensino, pois o IUBI só estava em condições de leccionar os dois primeiros anos. Como já referi em crónica anterior, foram dois anos bem passados. Muita diversão, muitos copos e afins. Sendo na altura algo tímido com as mulheres, não posso dizer muitas miúdas, mas as suficientes, e cada uma no seu tempo.

Como todas as cidades do interior, e sem querer estar aqui a afirmar a supremacia do litoral, a cena cultural na Covilhã, mesmo nos dias de hoje, está em escala logarítmica uns degraus abaixo do que se passa em Lisboa ou no Porto. Na mesma escala logarítmica, Porto e Lisboa estão uns níveis abaixo do que se passa em Nova Iorque, Londres ou Paris, ou outras cidades populosas. É um facto. Agora imaginem a Covilhã nos anos 80: não se passava de todo lá grande coisa em termos culturais.

No meio deste deserto cultural havia uma sala de cinema na zona alta da cidade, já não sei precisar bem a localização mas estando no mercado municipal e subindo umas ruas chegava-se lá. Durante os fins-de-semana passava filmes comerciais e de massas. No entanto, precisamente todas as quartas-feiras a coisa mudava de figura. Enquanto fui estudante no IUBI, enchi a vista de excelentes filmes, fruto de uma selecção criteriosa, e que ainda hoje relembro com prazer.

Depois de um dia de aulas, rumava invariavelmente para a Residência Universitária perto do Jardim de Nossa Senhora da Conceição, onde não só almoçava e jantava todos os dias, como também mandava lavar a minha roupa. Isso era possível mesmo aos não residentes. Era preciso escrever nas peças de roupa o nome com um marcador, e ficou gravado na minha memória a cor verde das minhas iniciais sobre as meias brancas de desporto, que usava na altura com sapatilhas igualmente brancas. Nas quartas feiras o ritmo das passadas para o jantar era mais acelerado: o filme começaria lá para as 10 da noite e muita coisa havia a fazer antes.

Os jantares na residência eram divertidos. Havia lá pessoal que eram verdadeiras peças de artesanato, e podiam ocorrer cenas insólitas e hilariantes. Bem, adiante que é dia de cinema e há que despachar. Com aquela idade quase toda a comida parecia-me boa. Era económico comer sempre na cantina e guardar a massa para a farra. Nessa altura, com 19 anos, descobri que era um bom gestor. Ao contrário de amigos mais abastados, nunca chegava ao fim do mês sem dinheiro. De tal modo que me foi aplicado o epíteto de judeu. Não de forma permanente pois já havia o caro Cohen, que esse sim era mesmo o judeu. Das raras vezes que não comia na residência ia à taberna do Sr. Matos, personagem incontornável do universo UBI durante várias décadas.

A maior parte dos amigos no círculo mais próximo não comiam na residência. Era demasiado rasca para eles e muitos viviam em apartamentos. O punhado de cinéfilos reunia-se precisamente num desses apartamentos para um pré serão marroquino, em que não faltava o cházinho (de cevada) e o cachimbo.

Já bem aviados encetava-se a subida em direcção ao cineteatro em passada animada e gargalhadas. O vulto de sobretudos e gabardinas negras a la Joy Division destacava-se dos demais e acercava-se da bilheteira. O preço era baixo. Os filmes absolutamente fantásticos. O hall de entrada do cinema estava apinhado, repito, 4ª feira, Covilhã, 1984/5. As restrições tabágicas na altura não existiam, estava tudo na expectativa do filme, conversando animadamente no denso nevoeiro do fumo dos cigarros. Nem notávamos, fumávamos também. 

Os filmes não eram os mais actuais. Por aquele preço nem podiam. Eram filmes de grande qualidade, que por não serem recentes se conseguia quiçá um melhor preço na distribuidora. Também não sei se haveria um desconto académico e lembro-me que havia membros do corpo docente do IUBI envolvidos na selecção dos filmes. Tentei confirmar esta informação mas não me foi possível antes de escrever esta crónica.

O grande momento ia começar. Sala cheia, luzes apagadas. Após aqueles preliminares habituais do cinema, anúncios de outros filmes, etc., as luzes apagavam-se mais uma vez e começa a ouvir-se a banda sonora do filme da noite. 

Imaginem, com o sangue que nos corre nas veias aos 20 anos, ver o Malcolm McDowell ao longe todo vestido de branco e chapéu de coco preto, a câmara a aproximar-se lentamente, com a música sinfónica de Walter Carlos a soar inimaginavelmente imponente, até ao grande plano que se vê em cima. A pura emoção destas imagens e destes sons ainda hoje, e felizmente, me dá arrepios e pele de galinha. Estamos a ver Laranja Mecânica, a obra-prima de Stanley Kubrick, filmado em 1971, 13 anos mais tarde num pequeno cinema da Covilhã.

A lista de filmes que vimos é longa. Quase todos os filmes de Ingmar Bergman, assalto à 13ª esquadra de John Carpenter, o aterrador Alien o 8º passageiro, Carrie de Brian de Palma, Chinatown de Roman Polanski, O Padrinho de Francis Ford Coppola, Lua de Papel de Peter Bogdanovich, etc, etc, etc. Às vezes havia filmes recentes. Por exemplo, vi lá o formidável Brasil o Outro Lado do Sonho de Terry Gillian, filmado em 1985. 

Para quem dirigia o cineteatro naquele tempo, que tenho pena de não saber ao certo quem foi e apenas tenho suspeitas, fica aqui o meu muitíssimo obrigado. Agradeço-lhe o facto de ter tornado esses dois anos ainda mais incríveis do que seriam sempre de qualquer maneira.










terça-feira, 29 de setembro de 2020

A minha autobiografia...

 



Enquanto ubiano disse todas as burrices a que tive direito nos testes e afins, e muitos professores se devem ter fartado de rir dos meus fails. Mas a burrice já vinha de trás, e, pelo que me lembro, a saga começou logo a seguir à escola primária, quando fui para o primeiro ano do ciclo. Foi possivelmente a primeira vez que um professor se desmanchou a rir a ler uma calinada minha.
Quando andava na quarta classe fazíamos redações, e eu tinha tipo uma frase modelo com que fechava sempre o texto: “e assim acaba a minha redação”. Eu gosto muito do cão, o cão é um animal doméstico, o meu primo tem um cão, etc., e assim acaba a minha redação. Era sempre isto.
Quando fui para a escola preparatória levei na bagagem os tiques de escrita da primária, e, à conta disso, já vos digo como se riram todos à minha custa:
A professora, depois de explicar o que era a "autobiografia", mandou cada um de nós escrever a sua. Explicou-nos que a autobiografia era a nossa vida: - dizem o dia em que nasceram, o dia em que foram batizados, em que dia fizeram a primeira comunhão, ou seja, todas as coisas importantes que tenham acontecido na vossa vida. E deitámos todos mãos à obra.
Aquilo para mim era apenas mais uma redação, só que agora o tema era, justamente, a minha vida. E lá comecei a escrever: "nasci no dia tal, fui batizado no dia tal, fiz a 1ª comunhão no dia tal, e pouco mais terei escrito até que, mantendo-me fiel ao meu estilo, rematei: "e assim acaba a minha vida".
(escusado será dizer que a professora, no dia seguinte, alertou a turma, entre gargalhadas, para o estranho facto de haver um fantasma na sala. Claro que o falecido era aqui o je, falecido e burro, convenhamos…).

Se porventura aquela frase derradeira se tivesse cumprido eu entraria tristemente na estatística dos imberbes sepultados, e nunca teria sido ubiano. E, pior ainda, não seria elegível para este grupo singular onde as conversas profundas e interessantes se misturam com as malucas e apalhaçadas (não confundir com “apalaçadas” porque os palácios ficam para a realeza, coisa que nós não somos). Isto é que é um grupo viciante de divertido, e os que partiram sob o signo da outra UBI - Universidade da Birra Infantil (um deles até foi transferido para Coimbra de acordo com a sábia constatação do Álvaro Lino), que passem muito bem.

Gondri



sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A levitação eletrolítica do Dr. Mendonça.

O Dr Mendonça, distinto professor de filosofia da UBI, homem de pensamentos extravagantes e práticas orientais de controlo da mente, já era mestre em telepatia mas ainda estava muito cru no que dizia respeito aos segredos da levitação. Há muito que estava dedicado a esse assunto e, por tudo o que tinha lido e estudado, tinha a fundada convicção que só os monges tibetanos o poderiam ajudar nesse desígnio. Por isso resolveu ir ao Tibete para conseguir levitar.
Seis meses antes de partir iniciou uma dieta rigorosa, convencido de que quanto mais leve estivesse melhor levitaria. Passou noites fitado na lua, conheceu os luares todos daquelas noites, porque, acreditava, se na lua todas as coisas eram mais leves do que na terra, também ele ficaria mais leve de a mirar e namorar. 
Focado cegamente no objetivo nunca parou de porfiar, perseverou incessantemente, e por várias vezes acabou estendido no chão depois de mais uma tentativa infrutífera de levitar pela força da mente. Era escusado tentar sozinho porque fracassava sempre, e, por muito que procurasse, ninguém ao seu redor o podia ajudar. Tinha mesmo que ir ao Tibete.
Assim andou nos meses que antecederam a partida, concentrado ferreamente no seu propósito, sem descarrilar um segundo que fosse do caminho que traçara. E chegou o dia de partir. 
Foi sozinho, recomendado por um monge tibetano com quem se cruzara num evento espiritual nos Andes, e de quem se tornara amigo. Por ser da UBI, universidade cuja nomeada não tinha fronteiras e já chegara aos Himalaias, foi recebido com grande pompa e circunstância. Sentiu-se imediatamente integrado no espírito daquele lugar, onde, ao contrário do ocidente, os homens crescem para dentro desapegados do mundo exterior e material.
Os primeiros meses foram de meditação e encontro com as almas que não têm peso e vagueiam na linha do tempo. A cada dia que passava menos sentia o peso impuro e perecível do corpo, e tudo o levava a crer que não faltava muito para que as leis da física começassem finalmente a ceder à sua vontade.
Um dia foi com vários monges para o cimo de uma das montanhas dos Himalaias, num retiro espiritual de cinco dias e cinco noites. Naquele silêncio montanhoso e introspetivo viveu os momentos mais intensos do seu ser, mais perto do firmamento, dos astros e dos deuses, com uma fogueira de esplendor acesa dentro de si. Ao nascer do sol do terceiro dia, num ritual de agradecimento, um dos monges abriu os braços tipo Cristo Rei, para agradecer à natureza, e quando os fechou a alta velocidade encontrou a cara do Dr. Mendonça, impreparada para o embate, como uma fatia de fiambre entre duas fatias de pão. Logo aí o Dr. Mendonça começou a querer levitar…
Aquele estaladão a duas mãos do monge gerou também uma corrente elétrica (e consequente eletrólise) entre a sola dos pés e o alto da cabeça do Dr. Mendonça - ou seja, além de espiritual, o estaladão foi electrolítico: dissociou-lhe a água do corpo em duas partes de hidrogénio e apenas uma de oxigénio (H2O-->2H+O). Como se sabe, o hidrogénio é o elemento mais leve da natureza, e levita sobre todos os outros. Ora o Dr. Mendonça, que já estava a querer levitar por via do pão com fiambre, com tanto hidrogénio levitou mesmo. E foi um momento apoteótico, “Uáaaau!”, gritou, num perfeito estado de euforia.
E foi assim que o Dr. Mendonça conseguiu levitar.

Gondri


sábado, 19 de setembro de 2020

Volúpia Lascívia, a personal trainer ubiana especializada em “mamal coaching”.

 


Esta da imagem é uma ubiana fogosa e libidinosa que se chama Maria Alice mas que adotou o pseudónimo de Volúpia Lascívia porque tinha mais a ver com a sua personalidade voluptuosa e lasciva. Licenciada em psicologia pela UBI, com média de 19 valores, foi doutorar-se para Harvard que é para onde vai a fina flor da academia mundial, e defendeu a tese “como amamentar um pelotão de marines”, tendo obtido a classificação máxima de 20 valores.
Na sua tese protagonizou uma experiência radical inédita, sob o escrutínio do seu orientador de doutoramento e de um grupo de filmagem da CNN, autorizado por Harvard, que se preparava para dar palco planetário ao evento. O objetivo da experiência era mostrar que as suas mamas eram tão perfeitas e tão maternalmente cheias de inocência, que até os homens mais viris, mulherengos e necessitados de sexo, se comportariam como bebés e a procurariam para mamar e não para sexo. 
A experiência consistiu em colocar-se à mercê de um grupo de vinte marines numa ilha deserta. Ela completamente nua como veio ao mundo, sozinha na ilha. Um barco da marinha lançou âncora á frente da praia e os marines, que não imaginavam que estavam a ser vigiados e filmados nem o que se estava a passar, embarcados há meses sem ver mulher e prestes a explodir de desejo, saltaram para um bote e foram na direção dela como uma flecha, sequiosos de sexo e de luxúria, e ela ali indefesa e a desejar mais do que nunca que a sua teoria estivesse certa. E qual não foi o espanto de toda a gente quando os marines se lhe atracaram aos mamilos, dois a dois, e mamaram como bebés, fazendo duas filas, uma para cada mama, quando dois acabavam começavam os dois seguintes, tudo muito bem organizado como se aquilo fosse um ritual deveras costumeiro. E foi assim, em dez mamadas duplas, que Volúpia Lascívia deu de mamar aos vinte marines.  
Foi um sucesso estrondoso, Volúpia Lascívia dissera e provara, e fora tudo tão claro e transparente que não deixou espaço para dúvidas ou críticas. Foi fantástico. A comunidade académica de Harvard estava estupefacta com tão inacreditável desfecho, e quando a CNN transmitiu as filmagens o mundo ficou de boca aberta. O vídeo tornou-se viral na internet enquanto o diabo esfregou um olho, e num ápice Volúpia Lascívia entrava a cem à hora no “top ten” dos famosos. O professor Marcelo, como não podia deixar de ser, agradeceu-lhe publicamente, disse que ela era o orgulho da nação, chamou-a a Belém e agraciou-a com a Ordem do Infante D. Henrique numa cerimónia amplamente transmitida pelas televisões.
Não tardou a ser entrevistada em direto na CNN em horário nobre, com a maior audiência dos últimos vinte anos. As suas primeiras palavras foram para agradecer à Universidade da Beira Interior a excelente formação que lhe tinha dado, afirmando perentoriamente que se tratava de uma das melhores universidades do mundo e seguramente a melhor de Portugal. (A UBI felicitou-a comovidamente, e, devolvendo os elogios, disse em comunicado oficial que tinha sido uma honra formar tão distinto e elevado ser humano. Todas as outras universidades nacionais, roídas de inveja, optaram por ignorar ou diminuir o sucesso da ubiana). A entrevista continuou e Volúpia Lascívia falou demoradamente sobre as suas descobertas enquanto investigadora na área da psicologia, da tese de doutoramento em Harvard, dos livros que já tinha na forja, e sempre que as deixas lhe permitiam aproveitava para elogiar a UBI.
Estava no pico da fama. Completou o doutoramento e foi convidada para lecionar e investigar em Harvard. Mas recusou porque a vida académica já começava a saturá-la e porque preferiu alimentar o ego andando de revista em revista, a fazer capas. E assim foi enquanto todas as luzes incidiram sobre si.
O tempo foi passando e o desgaste natural da sua imagem foi-lhe tirando alguma visibilidade. Agora, já menos figura de primeira página mas ainda assim muito conhecida, Volúpia Lascívia dedica-se ao coaching mamal de atletas de topo, além de dar conferências um pouco por todo o mundo. Por um lado tem competências motivacionais que lhe advêm da formação em psicologia, por outro tem um corpo escultural onde sobressaem as mamas. Depois das suas bem sucedidas investigações no âmbito da regressão à fase de bebé lactente, quer agora pôr em prática a motivação pela líbido. “Já dizia Sigmund Freud que o homem tem o centro motivacional dentro das calças, e nada melhor para lhe estimular a libido do que dois voluptuosos airbags peitorais, não importa se 100% biológicos ou enchumaçados com silicone”, disse numa das suas recentes conferências. Com airbags firmes e arrebitados, e um sutiã afrodisíaco, Volúpia Lascívia motiva de uma forma superior os atletas que recorrem aos seus serviços de coaching, leva-os ao delírio, acelera-lhes o batimento cardíaco, o metabolismo em geral, e desinquieta-lhe as partes impúdicas. Ora, é exatamente na desinquietação das partes impúdicas que Volúpia Lascívia foca a sua ação, pondo em prática importantes descobertas que mencionou no seu livro “A motivação centrada na inquietude do membro fálico”. A sua extraordinária competência já valeu aos seus atletas várias medalhas em competições internacionais, e há uma grande expetativa em saber quantos ouros ajudará a conquistar nos próximos jogos olímpicos. 
Esta é Volúpia Lascívia, uma ubiana especial que elevou a UBI a patamares nunca imaginados, e que disse um dia que não se arrepende de nada exceto de não ter dado um par de chapadas ao André Ventura quando, certa vez, ele se cruzou com ela e lhe disse “e asfixiar um cigano no meio das mamas, não?!...”.

Gondri

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Cá gandá pancada...



A minha primeira preocupação, quando vi esta entrevista, foi a de saber se estas libelinhas eram alunas da UBI. Fiquei descansado quando tive a confirmação de que não, não eram. Sempre achei que na UBI só entrava gente com pelo menos dois dedos de testa e com os fusíveis intactos, e pelo menos desta vez não me enganei.
Estas alices no país das maravilhas até o preto e branco vêm a cores. No mundo angélico e amoroso em que vivem não há dor nem carnificina, os leões e as gazelas andam de mão dada e aos beijos, os crocodilos têm um cuidado imenso quando fecham as mandíbulas, as águias e os passarinhos são amigos do coração, os linces e os coelhos idem, os louva-a-deus nunca param de louvar o Altíssimo pela bondade que tem com todos, as piranhas e os tubarões brancos são uns doces, não são nada do que dizem, nem os peixes se comem uns aos outros como disse o padre António Vieira no seu sermão, nem os papa-formigas papam formigas, nem os papa-moscas papam moscas… como é que é então possível que os malvados dos galos maltratem as galinhas?!... não, não é possível, é preciso intervir e pôr imediatamente um fim a tamanho sacrilégio, as galinhas têm que ser postas a salvo desses facínoras…
A minha única objeção, confesso, é que eu não sei se as próprias galinhas aprovam que as separem dos galos, há sempre um lado masoquista no amor, para elas levar uma bicada pode ser como para uma senhora em pleno ato levar uma palmada no rabo, pode ser um procedimento altamente erótico e excitante de que não queiram abdicar. Além disso, estas santinhas já perguntaram alguma vez a uma galinha o que é que ela prefere, se um galo vigoroso ou uma raposa?  Ainda me lembro de as raposas irem ao galinheiro do meu avô encher a barriguinha e fazer contas de subtração. Não eram só bicadas, doía muito mais e acabava da pior maneira. E quem diz uma raposa diz um lobo, que também os havia, se bem que esses gostavam mais de borrego do que de frango. 
Quem sabe se com uma ensaboadela de realidade estas queridas não abriam os olhos?! Bastava que fossem como eu ao Google tentar perceber se a violência conjugal de um galo contra uma galinha é uma coisa assim tão dramática comparada com as atrocidades que se passam na natureza. Entrei e assustei-me logo, à primeira cavadela minhoca, as coisas que eu fiquei a saber do devoto e aparentemente insuspeito louva-a-deus: é canibal, a fêmea come a cabeça do macho. Ui que maldade, então minhas queridas, e que tal separar também o macho louva-a-Deus da fêmea, não acham que comer a cabeça do cônjuge é afinal muito mais grave do que o que se passa na capoeira? Não me quero alargar muito, mas parece que aqui o Google está cheio de más notícias, a natureza parece mesmo que não tem asinhas de anjo. É que eu estou mesmo a ver o filme, não tarda nada está a animalada toda a perguntar a estas libelinhas “ai a galinha sofre com o galo, e cadê os outros?... e as presas que são despedaçadas sem dó nem piedade pelos predadores, comidas vivas (que alguns predadores não têm sequer a preocupação de matar antes de comer), sem compaixão e muito menos anestesia, e aqueles que sucumbem nas lutas fratricidas pelo território e pelo estatuto de líder, e todos os que sofrem um destino sanguinário e cruel? ”.
Estas sonhadoras com cara de quem fuma uma ganzas valentes vivem no mundo para onde as ganzas as levam. Ainda bem que não as levam para a nossa UBI que é uma universidade em condições, não é cá um antro de alucinação e paranoia. Nós, os ubianos, não metemos a foice em seara alheia, assunto de galo e galinha é assunto de galo e galinha. É certo que preferíamos que os galos, em vez de bicadas oferecessem flores, mas não metemos o bedelho nisso nem nas outras contendas da natureza, a vida animal é o que é, não podemos alterar a obra de milhões de anos de evolução. Os princípios que governam a interação entre os seres vivos não se regem pela compaixão, a dor e o sofrimento existem em abundância na natureza. Os homens não fogem à regra, a maldade é um mal genético, cometem-se crimes hediondos, guerras que aniquilam a esperança, não há como esperar outra coisa deste mundo cruel. Mas estas queridas acham que o mundo só é cruel na cabeça dos outros. Oiçam cá, ó meus anjinhos travestidos de ativistas dos direitos das galinhas, não acham que há milhões de coisas mais importantes para a humanidade se preocupar do que com as desavenças conjugais entre galos e galinhas? Já que acreditais num mundo indolor e paradisíaco porque é que não pegais nas pernas e não ides à Coreia do Norte convencer o ditador sanguinário Kim Jong-un a transformar-se num padre franciscano, cheio de paz, amor e santidade?! Bastaria que lhe tocásseis no coração com esse vosso estilo ganzo-angélico-paranoico. 
Não há hipótese, o mundo idílico destas santinhas só cabe mesmo nos desenhos animados do Walt Disney…

Gondri


terça-feira, 1 de setembro de 2020

CANTO AO ESCRIBA

(Canto I dos  ” Gondríadas”) 

 

Escrevo este épico Canto 

Relato dos feitos do grande escritor 

Dos escritos com apurado encanto 

Cheios de emoção,carinho e fervor 

 

De seu nome Gondri Balsa 

De raiz, humilde Beirão 

Não relata história falsa 

Nem acontecimentos em vão 

 

Nessa grande humildade 

Adoptou um pseudónimo 

Para evitar que os escritos 

Se assinem como ‘anónimo’  

 

Nunca leu Crónicas do Reino 

Nem precisou de o fazer 

Foi futebolista com muito treino 

E acutilante no escrever 

 

Escreve incisivas narrativas 

Mesmo se já lhe falta memória 

Fabulosas, intrigantes e atractivas, 

Vai assim contando História 

 

Da realidade á ficção, 

Piada seca ou saudável crónica 

Bem combinado ele escreve 

Como o gin com água tónica 

 

Os seus feitos são famosos 

Os seus escritos ainda mais, 

Tanto escreveu em papel, 

Em guardanapos ou jornais 

 

Poucos desses ele guardou 

Nunca quis o monopólio 

Um amigo conservou 

O seu grande e vasto espólio 

 

Noutros tempos noutra vivência 

Foi marcante e conhecido 

Como o terror da Residência 

Por ser chato e divertido 

 

Nesse contexto escolar 

Do peru imitou o grito 

Pôs uma sala a gargalhar 

E o professor algo aflito 

 

Um dos ilustres Ubianos 

Onde deixou marca indelével 

Nesses tão magníficos anos 

E uma admiração venerável! 

  

Hoje mais calmo e sagaz 

Com a idade amadurecido 

Dessas loucuras de rapaz 

Anda mais comedido 

 

Trouxe as memórias de então 

Para as novas tecnologias 

Em constante superação, 

Lá vai recordando as tropelias 

 

Engenheiro de profissão 

Continua a escrever 

Essas crónicas de então  

Que todos gostamos de ler 

 

De livros prá posteridade 

Nunca o consegui convencer 

Deve ser já da idade 

E de não ter tempo para os ler 

 

Outros agradecem a História 

Da UBI assim contada 

Que mesmo com falhas de memória 

Merece ser partilhada 

 

Quando amigos o picamos  

Esperamos que ele reaja 

Pois todos pedimos e esperamos 

Que continue a escrever por um “bem-haja” 

 

E quando pensei em escrever  

Uma ode ou apenas uma estrofe 

Nunca pensei eu dizer 

Acabou! Já chega deste regabofe!!…. 

 

 

 

Dedicado ao maior poeta,escritor e romancista que a Universidade da Beira Interior viu frequentar os seus bancos, o famoso e único Gondri Balsa, AKA “Shakesgondrear”