Quando apanhei este vídeo na net os olhos ensoparam-se-me de saudade, de uma humidade que não chega a ser choro, não derrama, mas deixa nos olhos uma película aquosa onde a luz reflete com mais brilho. Senti um aperto no peito e algures na barriga, a bem dizer não sei onde, uma coisa assim de querer voltar atrás no tempo, voltar à casa dos vinte aninhos, à cena mirabolante de desmanchar a rir que agora me veio à tona da memória. Sim, embargou-se-me a voz, apertaram-se-me as vísceras e humedeceram-se-me os olhos quando me lembrei do dia em que, num saudoso jogo de futebol de onze entre ubianos, me estendi ao comprido com estrondo, de ventas no chão, e arranquei mais gargalhadas aos presentes do que uma tirada irresistível de stand-up-comedy. Lembrar-me desse tempo dá-me sempre um abafo de nostalgia, não há como evitá-lo, e eu nunca deixei de ser aquele sentimentalão que se deixa agarrar pela emoção. Arranquei com a bola em velocidade, eu que nunca joguei porra nenhuma, e ás duas por três corri mais depressa do que ela, deixei-a para trás, pisando-a, e entrei num desequilíbrio sem retorno – ou seja, a cinemática e a dinâmica desentenderam-se com a estática, e quem levou a melhor foi a estática: estatelei-me no chão como um pinheiro.
Ao contrário do incrível herói do vídeo anexo, não fiz magia, apenas alegria. Alegria nos outros, claro, que só pararam de rir quando as pilhas acabaram. Eu, porém, fiquei ali a contas com o sofrimento agudo do trambolhão, e, deixem-me confessar, ainda tive a falsidade de rir para não dar parte de fraco. Se eu me tivesse desequilibrado por causa de uma porrada, de uma rasteira, ou coisa que o valha, caía no chão mas não caía no ridículo. Mas assim, levar a bola em corrida e meter o carro à frente dos bois, pisar o esférico cheio de ar, que deforma e reage numa lógica de mecânica de fluidos, que dá tipo um safanão quando se sente apertado…, ui, nem vos digo nem vos conto a sensação de impotência contra as leis da física e do imprevisto (naquele ínfimo instante da pisadela nem eu nem ninguém sabia onde e como é que o movimento desaguaria na inércia). Foi caricato, hilariante, tal qual aquelas modelos que atacam a passerelle em grande estilo, saltos altos tipo duas andas de saltimbanco, e que, de repente, começam aos ss, aos ss, tentando em vão repor o equilíbrio em cima daqueles arranha-céus de sapateiro, e que, depois de um esforço inglório e tristemente mediático, se esbardalham todas no chão como um castelo de cartas, doridas no corpo mas mais doridas ainda no amor próprio. Comigo foi igual, não tão grave como no caso dessas desafortunadas top models, mas ainda assim nada agradável.
Imaginem agora que aqui o je, em vez do insucesso risível por que passou, se tem saído com uma obra de arte como a deste bacano do vídeo. O que não diriam?!... O bacano do vídeo também deixou a bola ficar para trás e tinha tudo para ser infeliz, mas quis a fortuna que em plena queda lhe surgisse a bola nos calcanhares, que tivesse os reflexos súbitos de dar um coice para cima, em jeito de catapulta, e de papar o guarda redes com uma pinta dos diabos. Imaginem agora que me acontecia o mesmo, que eu marcava deste modo o golo da minha vida, o que diria o eu cronista do eu jogador? Certamente qualquer coisa como isto: “Pélé, Maradona, Messi, Ronaldo…, qual deles teria talento e arte para, em plena corrida, rodar noventa graus até à horizontal, e, sempre em movimento, já paralelo ao chão, em levitação baixa, tocar a bola com os pés num retro-gesto de catapulta medieval, de costas para o céu, num dilúvio de genialidade, arquitectando um chapelão ao guarda-redes sem que este sequer perceba que foi papado por uma obra-prima...”. A realidade foi no entanto bem diferente, e, ao contrário do bacano do vídeo, eu não tive a bem aventurança de marcar um golo assim. Foi pena, porque o meu nome ficaria indelevelmente gravado na história comico-desportiva da UBI como o autor do golo mais hilariante, exótico e irrepetível de todos os tempos…
Gondri
Gondri
1 comentário:
Jogada de uma vida, e a maioria não tem essa benesse.
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