Quem passou pela UBI nos anos 80 adquiriu entre outras coisas, grandes
referências da cultura Ubiana desse tempo, que grassavam em todas as actividades desenvolvidas então na Universidade,em particular aquelas que constituíam anualmente as festividades da semana académica.
Se durante o resto do ano as referências culturais de cada um se manifestavam
pontualmente, quer em conversas no Primor, em tom mais ou menos sóbrio ou no bar da Universidade,á volta do cafezinho tomado á chegada á Universidade depois da descida da Residência após o almoço, ou nas reuniões na Associação de Estudantes ou na sua papelaria, á volta de uma boa conversa com a sempre prestável D. Clotilde enquanto se esperava pelas fotocópias da sebenta ou dos apontamentos de algum colega, nessa semana inteiramente dedicada ao caloiro, era onde essa identidade cultural mais se manifestava. Como muitos se lembrarão,ou talvez tenham apenas e só uma vaga ideia, á volta das festas, das bebedeiras, dos bailes e dos jantares de curso, e dos torneios de desporto
universitário,adquiria-se todo um conjunto de informação das mais diversas
fontes e proveniências,que constituíam a cultura Ubiana á imagem da população universitária dessa época.
Entre testes e frequências, laboratórios e relatórios,íamos todos aprendendo
qualquer coisa com os colegas que indiciavam a sua cultura. Havia mesmo alguns bastante prendados em débito cultural, especialmente quando extravasavam impropérios sempre que um teste lhes corria mal, e ainda antes de mais impropérios, já de menor intensidade, quando olhavam as pautas com as notas da respectiva disciplina, em tom de desabafo,autoapelidando-se, frequentemente de alguns nomes de animais quadrúpedes sobejamente conhecidos de todos. Ouvia-se por isso alguns lamentos autoinfligidos, em conversas introspectivas com os botões, de “Burro, podias ter feito a cadeira neste exame” ou “ Foste um Camelo, devias ter estudado mais, que o teste até nem era difícil”, ou “Foste uma Besta”, só para referir os mais comuns. “Cavalgadura” era um termo mais utilizado também mas sempre com uma conotação nobre e por alguns mais letrados e com mais vasto léxico pré-universitário, consequentemente pelo desconhecimento da maioria de nós! A malta toda apesar de se considerar culta de uma maneira geral, tinha estes laivos de arrependimento, que punham em causa a sua confiança e auto-estima momentâneas.Nada que depois uma boa cerveja e uma noite de sono bem dormida não acalmasse, e recolocasse as prioridades no objectivo universitário: a conclusão do curso!
Outras fontes de inspiração e “input” cultural eram os jogos de futebol de cinco
e sete que se jogavam no polivalente da residência ou no pavilhão dos Penedos
Altos. Expressões como “Chuta,fdp!” “E passa a bola, porra, que eu estava
isolado, c…o!”, faziam enriquecer o léxico do vocabulário nativo de cada
estudante. Não eram portanto expressões que o berço desse!Mas que todavia
enriqueciam o vocabulário conotado com a cultura Ubiana, fora da sala de aula.
Também não era um choque de culturas, mas sim uma alegre convivência com outros estudantes de outras proveniências e experiências de vida. Era pois uma coisa positiva, e que fazia crer que existia cultura “a rodos” resultante da
convivência estudantil, para “dar e vender”! Sempre achei que éramos um grupo homogéneo a esse nível! Uns mais do que outros, todos sabíamos ou tínhamos qualquer expressão ou pensamento, que estávamos dispostos a dividir com os outros através de uma boa conversa ou um par de berros para dentro de um campo! Durante o primeiro ano tive claro que de alguma forma,éramos todos um pouco ‘iluminados’, cada um á sua maneira, e apesar das notas diferentes ás disciplinas e de uns beberem e se divertirem mais que outros, íamos todos adquirindo conhecimentos e cultura universitária resultante desse
convívio. Sempre achei que este pensamento era pacífico e natural que assim
fosse acontecendo…. e por isso inquestionável, quão grande era o impacto da
Universidade e da vida académica em cada um de nós!…
Bom pelo menos foi assim até ao ano seguinte, altura em que me desiludi um pouco pois amargamente verifiquei que afinal a cultura absorvida que existia não tinha chegado a todos da mesma forma.E a comprovação deste facto chegou com um outro evento que nesse ano começou a fazer parte das festividades da semana académica,o Rallye Paper, organizado nesse ano em complemento a outro evento icónico da cultura Ubiana que decorria anualmente na semana do caloiro: o famoso Rali das Tascas, disputado a pé, que percorria as tascas á volta do Centro da Covilhã!
O 1º Rallye-Paper for organizado por mim e um par de colegas, desde a definição do percurso até naturalmente á elaboração do questionário!Como é hábito, e sendo a primeira edição, como é suposto ser, o Rallye-Paper foi encarado como uma oportunidade de dar a conhecer algumas zonas mais típicas da Covilhã, descrevendo o percurso de modo a passar nessas zonas e a tornar o evento o mais abrangente e interessante possível. Ao longo do percurso, havia as habituais perguntas de contagem de árvores ou postes ou vidros numa janela e algumas provas de destreza física. Decidimos fazer o percurso bastante diverso e interessante! No entanto, achei que muitos concorrentes conseguiriam cumprir o percurso na totalidade e sem grandes problemas ou penalizações e haveria certamente empates no final, na hora de atribuir os prémios. Para evitar isto, no final de cada uma das quatro ou cinco etapas em que o rallye se dividia, decidimos testar a cultura das equipas com alguns “quebra-cabeças”, palavras cruzadas ou questionários que realçassem a cultura geral de cada equipa,distribuídas em envelopes surpresa e fazendo pesar as respostas a estes enigmas e questionários com uma ponderação igual ao do tempo utilizado para concluir o evento e das respostas no percurso. Assim havia uma ferramenta de
desempate, para assegurar que apenas haveria um vencedor! Fizemos os
quebra-cabeças, palavras cruzadas e enigmas, e parecia ainda assim que as
respostas estariam ao alcance de qualquer equipa. Por isso, depois de muito
pensar decidi fazer um questionário em que os concorrentes eram chamados a
completar provérbios e ditados populares, capaz de diferenciar as equipas que
evidenciassem maior cultura popular. Quinze provérbios ou ditados populares,
razoavelmente conhecidos, em que quem mais acertasse melhor pontuação teria. E
assim foi….
Preparado o questionário chegou-se á conclusão que muita gente acertaria nas
expressões e que eventualmente poderia ainda assim haver empates no final!
Finalmente depois de muito pensar e para não desaproveitar a ferramenta,
decidi-me pela inclusão, pelo meio, de outros provérbios derivados e assim
nasceu o questionário final bastante mais selectivo,que iria decidir o
vencedor. Expressões conhecidas de alguns que na altura viam programas
humorísticos e outros inventados, que assim se tornavam mais desafiantes. Quem acertasse era efectivamente possuidor de uma cultura Ubiana acima da média, pois alguns deles nasceram de conversas á volta do café, em ambiente de enorme galhofa e eram usados algumas vezes em conversas “a desconversar”: Eis alguns exemplos dos que foram incluídos:
“Réu,béu,beu! Pardais ao ninho!”
“Á menina e ao borracho, tira-se o tapete debaixo!”
“Candeia que vai á frente, alumia pouco os detrás!”
“Quem tem, tem, quem não tem já não lhe nasce!”
“Mais vale uma na mão, que duas no soutien!”
“A cantor não cantes e a ladrão não ladres!”
“Quem vai para o mar, não tem terra!”
“Quem detrás anda, nunca chega em primeiro!”
“Onde fores ter, faz melhor do que lá vires fazer!”
“Pecado é roubar e não conseguir carregar!”
“Ladrão que rouba ladrão, vai na mesma prá prisão!”
entre outros…….que levaram os concorrentes indignados a nos acusarem de serem muito difíceis e nunca terem ouvido falar!! Resta acrescentar que, um par de horas mais tarde alguns, a frio ou já “quentes”, durante a entrega de prémios, admitiam estoicamente a dúvida razoável de “já terem ouvido falar de alguns dos provérbios” e “que lhe eram mais familiares!”.Eh!eh!eh! E foi assim com o contributo de mais este grande marco indelével que se tornou possível avaliar o grau de aculturação Ubiana desses anos!Uma academia finalmente mais culta depois deste evento e certamente também, dos organizados em anos seguintes!!
João Leonardo
2 comentários:
Mais um excelente texto e contribuição do Leonardo embora, confesse, nada saber, nem têr tido a vêr com tão "vanguardista" realização.
Saudações Iubianas para o João Leonardo.
Esta organização foi feita a pedido de alguém da Direcção da Associação de Estudantes,que me pediu algumas ideias para a semana académica e após sugestão do rallye-paper me pediu que participasse activamente nessa organização!Não teve nada a ver contigo naturalmente e foram até alguns estudantes do primeiro ano de Comunicação Social que se envolveram nisso,a par de uns quantos do nosso curso!Foram navaltura até distribuídos três pequenos cheques em numerário e diversos brindes angariados nalgumas lojas da cidade.E foi o único evento em que participei activamente,que me recorde!
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