segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Dietas Ubianas e seus Quid pro Quos

 

Longe vão os tempos em que as refeições na cantina de Sto. António não ofereciam grande margem de escolha nas refeições diárias. Ou era carne ou era peixe. Mais a sopa, a sobremesa, o sumo e o papo seco. Se quiséssemos refinar o palato, tínhamos que desembolsar mais uns cobres e ir para outras paragens que isto de comer sempre a mesma coisa, acabava por habituar a boca a ponto de se chegar àquela situação em que um Bacalhau à Brás sabia ao mesmo que uma Feijoada à Transmontana, mudando apenas a consistência e aspecto das mesmas. In ilo tempore, não havia cá mariquices millenials de vegetarianismos, veganismos e outras deficiências e modas que pululam na sociedade actual. 

Se era para apanharmos uma ténia, era para apanharmos a ténia e ponto final. Cagássemo-la depois! Há malta que ainda é do tempo em que se desconfiava quando víamos cogumelos no prato. A menos que fossem míscaros e aí ninguém se atrevia a olhar de soslaio para aquilo. Tudo marchava. Também havia outras iguarias que nos faziam pensar duas vezes antes de as levar à boca, mas tudo era deglutido com a mesma voracidade e apetites, que isto de se subir a Santo António, fizesse chuva ou fizesse sol, não dava espaço a esquisitices. 

Ora, sendo um menu diário parco em opções, seria natural que fossem igualmente parcos em variedade semanal. Menus havia em que diziam que em tal dia "era Bacalhau com batatas" e apenas víamos batatas a cheirar a bacalhau; noutros, a famosa "carne de porco à alentejana" em que - novamente - a batata fazia missa de corpo presente - bem como as omnipresentes conchas vazias das ameijoas - e a carne tinha um aspecto dúbio, polissaturada de lípidos, nervuras e rija como solas. Uma vez trouxe um desses nacos de "carne" lá para casa para dar ao cão e este olhou para mim de lado, com ar de quem estava a pôr em causa o meu bom nome e a mostrar-me os caninos.

Mas coisa que não escasseava naquelas cantinas (desconfio que havia viveiros algures no Jardim de Nª Sra da Conceição) era a Maruca. A Maruca estava para a UBI como o queijo está para a Serra. O que sempre me meteu muita confusão, pois ficávamos com a sensação que aquela coisa dos "gostos e pratos regionais" era apenas "areia para os olhos" da ingenuidade académica. Que sentido fazia, estarmos a estudar numa localidade onde havia queijo, ovelhas, carqueija, míscaros, trutas, tudo ao pontapé, e darem-nos maruca e outras coisas não autóctones para comermos? Era só para nos chatear! Sei que na UA, por exemplo, havia sempre um ovinho mole à sobremesa ou Enguias de escabeche como "amuse bouche". No Porto, a cantina abria ao lanche para servir uns mini pratos de tripas à moda local. Em Lisboa não te serviam nada. Eram uns agarrados e uns sem ideias porque não é região que se preze para definir um prato típico pois tudo o que comem é proveniente do resto do país. Nas primeiras aqui citadas, posteriormente, despejavam-te a lavagem que entendessem no prato e tu nem davas conta nem te queixavas! Mas nunca termos tido direito a um queijinho da serra às refeições ubianas, é coisa que não lembrava ao diabo. Ou uma chanfaninha. Ou trutas do Paúl, sequer!

Tínhamos uma dieta constantemente bombardeada com maruca e nem mais um pio! Era "maruca recheada com maruca", "maruca salteada com maruca", "filetes de maruca com batatas confitadas em óleo de maruca" e sabe-se lá mais o quê. "Estrogonoff de maruca", "Mousse de maruca" ou "baba de maruca" eram pratos mais raros e sinal que o cozinheiro tinha mudado e serviam apenas para desenjoar.

É sobejamente sabido que o peixe estimula a inteligência e que a carne embrutece o indivíduo. Mas tinha de ser mesmo carne e não os sucedâneos que nos davam, que com aquilo que tínhamos na frente não havia efeito placebo que resultasse. Certo dia houve um engano na redacção do menu do dia e em vez de "maruca" alguém escreveu "peixe espada" e quase provocou um motim.

Portanto, seria natural pensar que o mar estava sobrelotado de maruca, mas não. Quando vinha a casa, perguntava à minha mãe - meio a medo não estivesse a dar-lhe ideias tristes - se não havia maruca nas peixarias, ao que esta me dizia que era raro encontrar e quando aparecia era um peixe assim a modos que para o "carote". Isto deixava-me a pensar ainda um pouco mais. "Ora... um peixe assim a "modos que para o carote" não é peixe para dar-se aos índios que estudam na UBI! A menos que haja um mercado negro da maruca que eu desconheça.". E, a menos que alguém nos serviços adjudicadores da paparoca ubiana estivesse a ser enganado à força toda, julgando que estava a comprar maruca e afinal recebia toneladas de peixe-porco disfarçado, havia qualquer coisa que não batia certo.

Devo dizer que por manifesta falta de tempo, nunca me dei ao trabalho de aprofundar a questão como seria - quiçá - merecedora. Sei que ainda é cedo aferir se a quantidade de maruca ingerida provocou efeitos a longo prazo ou não. Sei é que o prazo já vai adiantado e tirando as maleitas próprias da idade, nada aponta para que a culpa seja imputada directamente ao consumo de tal bicheza nadadora. E igualmente o que sei é que, ainda hoje, quando me cruzo com maruca nos hipermercados, vêm-me à ideia aqueles pratos gourmet que nos eram dados na cantina de Sto. António. E como sou daqueles que acha que "Em Roma, sê romano", acho que a voltar a comer maruca na vida, será apenas na cantina da UBI. É como ir a Trás-os-Montes comer uma caldeirada de enguias: é estúpido porque lá não há enguias, quanto mais caldeiradas em condições...!

5 comentários:

Nuno Miguel Ramos disse...

De volta, neste início de ano e com desenvoltura na escrita igual a 2020.
É sempre com agrado que leio e me deleito com tais prosas.

Raquel disse...

Faço minhas as palavras do Nuno, é sempre um prazer ler os teus “desabafos”, visualizei a “dita” maruca ☺️!!!

Gondri disse...

bem vindo de novo a bordo, grande amigo grande.

Ruão disse...

Olá Gondri
A cantina de Santo António faz-me lembrar os teus desabafos / protestos quando a sopa era canja – lá estavas tu a meter numa só colher toda a massa e os “fiapos” de frango... e dizendo “isto é só água, não alimenta ninguém…”
Um abraço
Ruão

Gondri disse...

Oi Ruão,
essa da canja já caiu há muitou no esquecimento. Obrigado pela memória.
Um grande abraço para ti