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A UBI anda zangada com os meios de comunicação social por falta de cobertura e, principalmente, por uma desconsideração em concreto que indignou a instituição. Quando Greta Thunberg chegou a Lisboa vinda dos Estados Unidos, a bordo de um veleiro, usando apenas a energia limpa do vento, em Dezembro de 2019, estava previsto que fizesse uma breve estadia em Lisboa e que depois seguisse para Madrid. Na capital espanhola seria uma das oradoras mais esperadas da COP25, a cimeira do clima, onde quase duzentos países e milhares de líderes mundiais iriam debater medidas para proteção do ambiente. Na altura especulou-se muito sobre que meio de transporte ela utilizaria de Lisboa a Madrid. Esperava-se que fosse, obviamente, consequente com aquilo que defendia, e que rejeitasse o uso de combustíveis fosseis na absoluta totalidade do percurso, sem um centímetro sequer de exceção. O comboio elétrico seria a solução óbvia de energia limpa, o pior é que não chegava a todo o lado, era sempre preciso cumprir pedaços de estrada de carro ou autocarro, antes e depois do comboio, e, além disso, havia um troço de cem quilómetros no percurso Lisboa-Madrid que ainda só estava disponível com locomotiva a gasóleo. Não estava nada fácil, não senhor. Houve quem sugerisse a bicicleta, mas, azar do caneco, a Greta sofre de ciclofobia (medo de andar de bicicleta), e nem pode ouvir falar em veículos de duas rodas. Ou seja, tinha que se encontrar urgentemente uma solução. A UBI foi a primeira a chegar-se à frente: anunciou que colocava um burro à disposição da Greta para a viagem. (Constou-me que o burro era descendente de um outro burro que, na latada do meu ano de caloiro, percorreu as ruas da Covilhã com um barril de vinho carrascão no dorso, deixando dezenas de ubianos estendidos nos corredores do hospital com uma valente cabra e alguns comentários depreciativos, tipo “se não sabe beber beba mer**”, a minar-lhes a reputação). “UM BURRO PARA GRETA” era o slogan com que a UBI esperava poder intervir com grande visibilidade, mas os meios de comunicação social ignoraram por completo a iniciativa, não deram uma única notícia sobre o assunto, e ficou mais uma vez claro que a beira interior continua a ser um lugar esquecido nos mapas que se fazem em Lisboa. Como se isso não bastasse, começaram a surgir noticias como, cito, “a associação de moradores de Fray Hernando de Talavera de la Reina (Toledo) pôs um burro à disposição da jovem ativista sueca Greta Thunberg para esta se deslocar de Lisboa até Madrid, onde irá participar na COP25, a cimeira do clima”, e outras a noticiar mais casos de pessoas e entidades que também disponibilizavam burros. Só a oferta pioneira da UBI é que foi incompreensivelmente ignorada. A indignação dos ubianos foi um ato reflexo inevitável, todos os meios de comunicação social passaram imediatamente à condição de “persona non grata” e, até agora, ainda não fizeram nada para se reabilitarem aos olhos da UBI.
A reboque deste episódio, abriu-se uma grande discussão sobre o assunto na universidade da Beira Interior. O eng. Rodrigues, um ubiano licenciado em matemática que andava a tirar doutoramento sobre a propriedade comutativa e que estava de tal modo absorvido pelo tema que passava a vida a imaginar como seriam as coisas se estivesse tudo ao contrário, perguntou logo: se em vez de se dar um burro à greta, porque é que não se dá antes uma greta ao burro. Ora, quando ele veio com essa de dar uma greta ao burro, os transexuais e defensores da transexualidade em geral ficaram radiantes com a ideia. Claro que se o burro fosse muito macho recusaria terminantemente a oferta da greta. Mas, se pelo contrário não se identificasse com o sexo com que nasceu e, no íntimo, se sentisse uma burra, então era óbvio que aceitaria a greta, emotiva e agradecidamente.
Sem dar por isso, o eng Rodrigues tinha reacendido a discussão da ideologia de género que naquela altura até estava muito apagada. O que valeu para que os desencontros de opinião não se agudizassem e não voltassem a desestabilizar a paz social que se vivia na UBI, foi que o Gonçalves, um ubiano vegan, destacado membro do PAN, veio logo desviar as atenções para a causa animal, muito preocupado com o burro. Na sua página do facebook disse, em tom irónico, que até apoiava a ideia do burro, desde que fosse a greta a acartar com ele às costas até Madrid. “Levar um burro às costas de Lisboa a Madrid sem recurso aos combustíveis fósseis seria uma iniciativa exemplar, tanto no plano do combate às alterações climáticas, como no âmbito da cruzada pelo bem estar animal”, afirmou. Claro que a ideia estapafúrdia de ser a Greta a montar o burro era completamente inaceitável, acrescentou, “os animais não são coisas e têm direitos, não podem ser usados, e muitos menos ser alvo de maus tratos”.
Os comentários e as sugestões sucediam-se a um ritmo alucinante, e cedo surgiram comentadores que defendiam que o fracasso da oferta do burro à Greta se devia ao facto de ter sido uma ideia sem originalidade. Teria sido muito mais interessante oferecer um dromedário, disse o ubiano António, aluno de História e Teoria da Música, que era um apaixonado pela bossa nova de João Gilberto. Não tardou a que alguém perguntasse porque é que em vez de um dromedário não era mas é logo um camelo, assim a Greta iria amparada por duas bossas, e seria muito mais confortável. O António não disse que não, achava bem que fosse um camelo. Mas não um camelo qualquer, tinha que ser um camelo originado a partir de um dromedário, acrescentando-lhe uma bossa nova. A bossa nova de João Gilberto, obviamente. “Ofereçam um camelo à Greta, mas um camelo que, antes do milagre da música, tenha sido um dromedário”, disse nas redes sociais.
Claro que a malta de engenharia genética veio logo dizer que a única maneira de alterar o dromedário era geneticamente, que a ideia de o alterar musicalmente era um perfeito disparate. Por isso rejeitou liminarmente a ideia do camelo feito a partir do dromedário com recurso à música, e defendeu a tese do camelo original. Quando muito podia aceitar que um dromedário fizesse de camelo aplicando-lhe uma nova bossa protésica. Não via no entanto qualquer necessidade de recorrer a dromedários e a dispendiosas próteses, quando, afinal, o que não faltavam era camelos por aí, a começar pelos da Assembleia da República.
O debate de ideias acerca da viagem da Greta, de Lisboa a Madrid, estava cada vez mais vivo, não se falava noutra coisa, era um autêntico monopólio temático que atingia todas as conversas. Como não podia deixar de ser, os ambientalistas e os ativistas animal começaram a destacar-se e, tirando uma ou outra fação de excêntricos paranóicos, como o ubiano António dos dromedários alterados musicalmente, tornaram-se as duas correntes de pensamento dominantes. No início ainda tinham algumas divergências que os afastavam, mas, com o tempo e com o diálogo, foram alisando arestas até que se fundiram numa frente única (a AAA, Associação Ambiente Animal) e reduziram todas as outras correntes de opinião a um nicho insignificante. A mensagem para a Greta era clara: nem combustíveis fósseis nem a utilização de animais, as duas condições em simultâneo. O percurso de ferrovia eletrificado era pacífico, aí tudo bem, o pior seria quando chegasse o tal troço de cem quilómetros ainda por eletrificar. Sem gasóleo na locomotiva e sem alternativa animal, a vida não estava fácil para a Greta. A AAA, Associação Ambiente Animal, desejou-lhe sorte e ofereceu-lhe a propósito um par de ténis top, com características especiais de conforto e amortecimento, e, principalmente, com um sistema “anti-bolha” especialmente adaptado a grandes caminhadas.
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