A Cindy é a aluna mais bela e sensual da UBI. A princípio, além de ser a mais bela, era também a mais chata. A sua chatice residia basicamente no facto de estar sempre a contar que, quando era pequenina, se tinha picado num cato e tinha ficado com “o cu a arder”, na expressão dela. Era impressionante a quantidade de vezes que ela vinha com essa ladainha, especialmente quando se juntava alguém novo ao grupo que não conhecia essa estória “tão picante”. Aliás era sempre assim que introduzia o tema, “vou contar uma picante”, e, quando toda a gente ficava à espera de uma cena porno, saía-se sempre com a do cato.
Não tardou a apanhar a alcunha de Cindy Cato, e há muito quem pense que esse é mesmo o nome dela. Por incrível coincidência, a Cindy é filha de um alto dirigente da CGTP, e, por isso, são também muitos os que pensam que ela se chama Sindicato, por afinidade, nome que agrada muito mais à esquerda do que à direita.
Cindy Cato é uma mulher vistosa e tem metade da população masculina da UBI de olhos vidrados nela, os chamados sindicalistas. No dicionário da UBI um sindicalista é alguém que anda perdido de amores pela Cindy Cato (ou Sindicato, conforme os gostos). E não são só alunos, também há professores a bater mal por causa dela.
O eng. Alcides, assistente de Resistência de Materiais, e um homem muito bem apessoado, entrou na corrida ao coração dela e ganhou, com o seu indiscutível charme. Mas cedo percebeu que a inveja dos derrotados lhe iria fazer a vida negra. Um dia, quando disse que chumbou o Zé Coelho, alguns sindicalistas, feridos de inveja, fizeram-se passar por ativistas dos animais e gritaram-lhe, a espumar de ira, “tu é que devias levar chumbo nessa cabeça, não era o coelho, seu grandessíssimo filho da ….!”. O eng. Alcides bem que tentou explicar que estava a ser mal interpretado, que o chumbo de que falava não tinha nada a ver com munições de caça, mas a gritaria e a indignação dos sindicalistas de coração despedaçado era tanta que tudo o que ele dissesse caía em saco roto.
Os invejosos não davam tréguas, se não era por causa dos alhos era por causa dos bugalhos, a implicação era permanente. E chegou a um ponto que o eng. Alcides não aguentou mais a pressão das invejas que se abatiam sobre si, e, numa decisão muito sofrida, acabou com o namoro.
Ao perceberem o prometedor desfecho, os sindicalistas voltaram a atacar. E o sortudo foi o Tó Zé, seu colega de turma, o galanteador mais cómico da UBI. Conquistou-a a rir, literalmente.
Mas o estado de graça durou pouco. Não tardou a provar, como o seu antecessor, o travo amargo da inveja dos outros. Quando disse que tinha estudado uma semana a fio para Termodinâmica e que mesmo assim tinha apanhado uma raposa, a fúria dos sindicalistas, que dessa vez eram mesmo ativistas dos animais, veio novamente ao de cima. O sindicalista Vitor, destacado militante do PAN e um dos mais intrépidos defensores dos animais da UBI, chegou mesmo a ir às ventas do Tó Zé e, não fora a pronta intervenção de alguns ativistas mais racionais, tinha-o partido todo. Mas o Vitor não ficou sem resposta: o Tó da Fonte, um ativista pró-caça que era uma besta de quase dois metros e três dígitos na balança, espetou-lhe tal lambada que o fez rodar noventa graus no plano cartesiano e estatelar-se na horizontal, completamente desamparado. E ainda não satisfeito, pegou numa pele de raposa que tinha trazido de casa, só para provocar os ativistas dos animais, e atirou-lha para cima enquanto dizia, com enfática ironia: “a que o Tó Zé apanhou era muito mais feia do que esta, fizeste bem que o sovaste...”. De agressão em agressão, de vingança em vingança, não tardou que se instalasse tal arraial de pancadaria que ninguém se surpreendeu quando a CMTV apareceu para dar tudo em direto. Era uma excelente oportunidade para um pico de audiências, as pessoas queriam era sangue. Mas não correu bem: assustados com a ideia de aparecerem na televisão com o rótulo de delinquentes, foram todos cada um para seu lado e a calmaria voltou. E a CMTV ficou a chuchar no dedo.
Tal como o eng Alcides, o Tó Zé também fraquejou na relação e acabou por cair pelo mesmo motivo: não suportou o peso esmagador das invejas.
Mais uma vez o exército de sindicalistas voltou a mobilizar-se. Mas, desta feita, farta de homens fracos e sem resiliência, a Cindy Cato resolveu escolher um homem que resistisse sem vacilar a todas as adversidades. Tinha visualizado na Net alguns vídeos de competições de bofetadas, e, segundo disse, até a ela lhe doera. Era aquela capacidade de sofrimento que queria num homem. Por isso decidiu escolher assim o seu amor, com um casting muito original: um torneio de bofetadas. Tinha pressa, dois dias no máximo para as inscrições, e era para começar logo ao terceiro dia.
O Tó da Fonte, que já tinha começado a treinar com a lambada que dera ao Vitor, que era um touro e que não tinha rival na UBI nessa condição, foi logo o primeiro a inscrever-se para o torneio. Só isso chegou para demover a concorrência toda, cagada de medo. O único que não se esquivou foi o Tico, que, apesar de ser um caga-tacos, com pouco mais de sessenta quilos de pele e osso, era rijo que nem ferro. Rijo e apaixonado, que a paixão também o enchia de coragem. A lista de sindicalistas encantados com a musa era grande, mas, ao fim e ao cabo, só dois é que se aventuraram a lutar por ela. Aliás, só um, que para o Tó da Fonte aquilo não era aventura nenhuma, com o lingrinhas do Tico nem dava para aquecer.
Ao terceiro dia começou finalmente o torneio de bofetadas, num átrio da UBI. Ali não havia dezasseis-avos de final, nem oitavos, nem quatros, nem meias, nem final. Era um torneio simples, só dois competidores. Uma mesinha estreita a separá-los, e era até que um deles desistisse ou perdesse os sentidos. O regulamento era simples: bofetada um, bofetada outro, com um minuto de intervalo entre bofetadas para recuperar.
O átrio da UBI encheu-se de ubianos que só iam mesmo por uma boa gargalhada. Estava à vista de toda a gente que o vencedor seria o Tó da Fonte, ali nem um hipotético milagre se considerava. Até houve quem sugerisse ao grandalhão que tivesse piedade do rapazito. O Tico começou por dar a primeira bofetada ao Tó da Fonte, que, pela sua cara, mal a sentiu, e levou de resposta cá uma bomba que até viu as estrelas todas da Via Látea, sem telescópio nem nada. A assistência desmanchou-se a rir, e foi um pagode. Ainda tonto e a cambalear, o Tico não recuou e deu a segunda, mais fraquinha ainda do que a primeira, e voltou a levar de volta outro morteiro que o deixou outra vez a ouvir passarinhos. Tiveram que o amparar senão ele caía. Aconselharam-no a parar por ali porque podia ser grave, mas ele insistiu, e à terceira voltou a levar outra dose de cavalo e ficou ainda mais sem conserto do que já estava. Mais morto que vivo, perigosamente ferido, já sem visão e tão tonto que mal se segurava em pé, ainda assim insistiu, contra todos os conselhos, e apresentou-se para a quarta. Deu a sua bofetada, já tão brandinha que para o Tó da Fonte não passou de uma festinha, e, na resposta, o inevitável aconteceu: perdeu os sentidos e pôs finalmente fim ao massacre.
Mas o melhor estava para vir: quando toda a gente esperava que a Cindy Cato se lançasse num beijo molhado para cima do Tó da Fonte, ela ficou junto ao Tico, esperou pacientemente que ele acordasse, e, quando ele finalmente abriu os olhos, abraçou-o e disse-lhe, com os lábios colados ao ouvido: - és tu, Tico, que eu quero, és dos que nunca desistem.
Gondri
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