Mal o crepúsculo se abateu entre o fim do dia e o início da noite, veio uma fome quase animalesca para todos os presentes. Qualquer uma das actividades a que se tinham proposto para passar a tarde tinha-lhes despertado o apetite e ainda não refeitos da última peripécia do Chico, todos estavam esganados, quanto mais não fosse pelo rol de gargalhadas que lhes tinham fustigado os abdominais. Por uma questão de recato, já não falavam do assunto há uns bons minutos. Depois de se terem decidido por uma refeição mais "ligeira", à base de queijo, enchidos, pão, e naturalmente bem regada com os vinhos e cervejas que trouxeram, foram contornando a fogueira. Curiosamente, esta foi das poucas alturas do dia em que os casalinhos assumidos e por assumir não se encontravam lado a lado, fazendo com que o espírito de grupo fosse mais sentido. Porventura terá sido o altura de menor tensão entre todos desde que tinham chegado ao covão. Cada um, à sua maneira, parecia estar a respirar esse momento.
Vindas do nada, se calhar inebriadas pelo cheiro daquelas "especialidades da cultura culinária lusitana", as duas moças que há pouco estavam a observar aquela aula de "como descer uma montanha em pelota" com que o Chico tinha brindado aquele Covão todo, acercaram-se do grupo e perguntaram gentilmente se se podiam sentar ali ao pé deles. Ninguém disse que sim mas também ninguém se opôs, sinal que foi interpretado afirmativamente pelas duas jovens. Apenas o Chico se sentiu incomodado com a coisa. No entanto, em jeito de “recompensa”, viu-se ladeado por aquelas beldades, o que provocou algum incómodo tanto na Carla como na Micas que "acusaram o toque". Anishka à esquerda e Kamila à direita. Ambas estavam em Erasmus no Porto e decidiram passar aquele fim de semana prolongado com o mesmo programa que o grupo. Queriam explorar a Serra da Estrela e alguém lhes tinha aconselhado pararem ali no covão para o conhecer. Queriam explorar outro local mas para já, o Covão da Ametade estava a deliciá-las. Feitas as apresentações, todos a falar em "mais inglês para cá, mais português para lá" com apontamentos de espanhol e checo, a conversa ia decorrendo sem grandes percalços. Contrastando com o trajar dos tugas - tapados até às orelhas - as moças estavam de calções e top de cavas, apenas protegidas com um casaquito de lã. Para gáudio do Ildefonso (e do Barnabé) vislumbravam-se dois pares de "cavilhas" apontadas à Ursa Maior. O Chico fazia o que podia para desviar os olhos, que estavam mais esbugalhados que nunca, pois até aqueles dispositivos de sucção lhe estavam a meter confusão. Para já, aquela fogueira não conseguia aplacar a raiva daqueles rebites o que estava já a provocar motivos de falatório quer na ala feminina - a mais conservadora - quer na masculina - a mais liberal - mas ambas radicais naquela temática anatómica.
Queijo para cá, chouriça assada para lá e muita cerveja à mistura, o ambiente foi-se acalmando, muito por graça dos efeitos do calor que a fogueira tinha começado a provocar. Notava-se por parte das ubianas uma grande preocupação em manter o lume aceso, coisa que não era acompanhada pelos seus colegas que já não queriam saber. Kamila, uma loirita de 22 anos, estava em Direito e estava a adorar Portugal, estando inclusivamente a pensar em acabar o curso e ficar por aqui. Das duas era aquela que falava melhor o português. Já Anishka, ruiva de 21 anos, que se fazia entender mais por gestos e "grunhidos poli-linguísticos" estava, segundo conseguiram perceber, em Engenharia Civil. Mas também podia ser outra coisa qualquer. Já todos tinham percebido qual das duas "mandava ali". A primeira comandava; a segunda andava "a toque de caixa."
Os ânimos ainda não estavam bem dominados. As mulheres, à boa maneira tuga de dar as boas vindas no feminino, onde se desconfia de tudo nas primeiras cinco horas e nas cinco seguintes até prova em contrário, continuavam - mesmo debaixo de uma capa de aparente cordialidade - a cortar na casaca sempre que podiam. O homem tuga, é, no entanto, um gajo porreiro por definição e todos (menos o Chico, para já) se preocupavam em saber se elas estavam com sede ou se queriam mais chouriça na brasa. O que provocava um desgaste bem acentuado nas parceiras da universidade que debaixo de muito sorrisinho sardónico estavam já com vontade de as correrem dali para fora à pedrada.
A Carla clamava desesperadamente pela atenção do Chico, já que a fixação
deste, algures acima dos umbigos daquelas gajas, começava a entrar no campo da hipnose profunda.
A Vanessa olhava-as com desdém. Até a Andreia, que tinha preferido passar o fim
de semana sem o seu mais-que-tudo, já não as podia ver. Tanto a Marina como a
Micas, espumavam de raiva.
- Tu já me viste estas fedúncias? Que lata em virem para aqui pavonearem-se! E
aqueles parvalhões a darem-lhes troco! Que crianças... - resmungava a Marina.
- E a oferecerem-se à descarada, c'a putas... e eles a babarem-se todos, já viste? -
atirava a Micas. São todos iguais, porra!
- Temos de fazer alguma coisa, senão elas fazem deles o que quiserem. -
meteu-se a Andreia ao barulho. Não fosse o frio e eu dizia-lhes... mas espera…vou
para a tenda e já lhes dou o arroz. Micas! Anda daí! Dá-me a mão ou agarra-te a
mim, "bastante melosa". Tenho uma ideia! Marina, fica aqui e vai vendo como correm as
coisas. Se o que formos fazer não resultar, ao menos avisa-nos!
Tanto a madeirense como a Micas olharam-se questionando as intenções da
Andreia, mas a Micas acedeu e seguiu-a. Assim que chegaram à tenda, a Andreia
revelou o plano.
- Já que é para dar espectáculo, vamos dar espectáculo. Vamos brincar às
sombras chinesas!
- Quê? Como assim? - inquiriu a conimbricense - Não estou a perceber...
- Fácil. Vou deixar esta lanterna ligada. Despe a parte de cima de forma sensual e calmamente. Eu vou fazer o
mesmo. Depois é só ir na onda e fingir que "estamos a brincar às médicas”…
Percebendo o que a outra queria dizer com aquilo, a Micas seguiu-lhe os passos, divertida com a situação. Era capaz de resultar…
Lá fora, aos poucos, todos se foram apercebendo um pouco do que se estava a passar dentro daquela tenda. Duas silhuetas gingando e tirando a roupa de forma sensual, unindo os corpos aqui e ali, agora um casaco, depois uma camisola, cada uma tirando a roupa da outra, tudo muito calmo, porém de deixar qualquer gajo com os queixos caídos. De repente, já ninguém queria aprender a falar checo e centraram as atenções na tela daquela tenda. A Carla, a Vanessa e a Marina que se tinham juntado, com as primeiras e já ao corrente da situação, apreciavam a coisa em modo gozo. Aqui e ali iam desviando o olhar para a parte masculina do grupo, bem como às outsiders, a fim de lhes avaliar o que lhes ia na alma. Até o Chico desviou o olhar. Via duas figuras numa dança carregada de erotismo ao mesmo tempo que questionava o que raio a Micas estava ali a fazer naqueles preparos? “Então e eu??”. O resto dos gajos cagaram por completo em como dizer “chouriço na brasa” em checo. O "Lupas" não acreditava no que via. A sua Julieta “jogava para os dois lados??” O Ildefonso começou a olhar para Vanessa de uma forma que não oferecia qualquer dúvida sobre como aquela noite ia acabar. Ela devolvia-lhe um olhar concordante mas sorria com um esgar de sarcasmo, atiçando-o ainda mais. O Osório e o Alfredo já estavam a dizer mal da vida por não se terem tentado embrulhar com a Carla e com a Micas mais cedo e o Dominic estava apenas a apreciar o que se estava ali a passar meio atrapalhado.
As outras, vendo-se longe do centro das atenções, começaram a vestir a roupa que tinham tirado (apenas os casacos) e a dar mostras de rejeição. Ainda não se sentiam muito à vontade com a mentalidade lusitana e tudo aquilo parecia estar a mostrar que não estavam a ser bem recebidas naquela roda de amigos, o que as deixou pouco à vontade. Ao levantar-se, já vestida, Kamila dirigiu-se ao Chico e perguntou:
- Tu, bom diê piérnias. Quiêresr vir à nossia tienda?
O Chico saltou como se tivesse uma mola no cu, acordando daquele estado de apatia.
- “Ó” yeah! ‘Tava a ver que ninguém falava de coisas sérias!! Xau malta! Até amanhã se não fôr antes!
O rapaz transfigurou-se! Parecia que no meio daqueles azares todos, finalmente alguma coisa ia correr de feição. Mas apesar deste spin off, reinava agora um clima de espanto, indignação e algum receio que ele se metesse noutra alhada. Ciente disto tudo, e acusando alguma insatisfação, a Carla apenas lhe dirigiu um olhar de reprovação. Os rapazes avisaram-no para ter cuidado mas que se divertisse ao mesmo tempo. Bastante contrariadas com a brincadeira, as miúdas do grupo dirigiram-se para as respectivas tendas, não se despedindo de mais ninguém. Até a Vanessa, que mais “poder físico" teria para deixar aquelas estrangeiras em sentido, não deixou de se sentir traída de certa forma pelo Chico. Afinal de contas, apesar da discussão da tarde, tinha sido a primeira a tentar efectivamente pôr uma pedra no assunto e também a única que o acompanhou até lá acima, querendo validar uma possível amizade. Mesmo compreendendo que ele precisava de se “distrair" – o que não seria certamente com ela – seria muito mais seguro que o fizesse com alguém daquele grupo. De uma forma ou de outra, pairava ali a sensação que ele os tinha traído a todos e só precisava do mais pequeno pretexto para o fazer.
Marina tinha ido directamente à tenda da Andreia avisar para pararem com aquela pantomina, conforme combinado. Ao saberem o que se estava a passar, ambas também se sentiram incomodadas com a situação. À Micas chegou mesmo a escorrer uma lágrima de desolação.
Junto à fogueira, aqueles cinco amigos continuavam aparvalhados com o que se tinha passado. Tinha desaparecido a euforia de momentos atrás para dar lugar ao silêncio. Trocavam olhares sem dizerem palavra. As miúdas voltaram cá fora. Estavam sentados novamente em volta do fogo e só a Carla quebrou o silêncio quando disse que ia fazer chá, algo que teve aceitação geral.
Ao longe, viram o Chico agarrado às duas estrangeiras, todo satisfeitinho da vida, a entrar na tenda delas.
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