quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Covilhã: Da Neve à Lã, Do Marquês de Pombal à Universidade

  

Covilhã: Da Neve à Lã, Do Marquês de Pombal à Universidade

 

A história da Covilhã está, desde há séculos, ligada à neve e à lã. Mais recentemente a relevância da cidade passa sobretudo pela Universidade da Beira Interior como o que isso tem de bom, mas também de negativo.

Desde o início do Século XV que a Covilhã ganhou relevância na pátria e lhe deu homens de grande estatura contribuindo de forma marcante para o desenvolvimento nacional e presença de Portugal no Mundo. Pena é que, mais recentemente, a cidade tenha visto o seu nome ligado a figuras nada condizentes com a estatura dos filhos que outrora deu ao país.

Mas falar da Covilhã é também falar de Sebastião José de Carvalho e Mello, conhecido por Marquês de Pombal e Conde de Oeiras. Marquês de Pombal não foi apenas Ministro, foi antes homem com mundo e experiência internacional que, seguramente lhe terá dado visão fundamental para o desenvolvimento da estrutura económica nacional. Assim, não podemos ligar a sua figura apenas à reconstrução de Lisboa após o Terramoto de 1755 e à cobrança de impostos. O nome do Marquês está também ligado ao rigor na cobrança da dizima às importações, verbas aliás pagas sobre esses bens logo à entrada em Lisboa. Existe ainda em Paço d’Arcos, há anos transformada em caro restaurante, a célebre casa onde eram cobradas as verbas da Dizima às importações. Mas o nome de Sebastião José de Carvalho e Mello está essencialmente ligado ao desenvolvimento das pescas e agricultura, do Minho ao Algarve, e ao desenvolvimento da indústria dos lanifícios portugueses com grande destaque para a unidade da Fábrica Real de Panos da Covilhã. Conta-se que, para que fosse autorizada a instalação da primeira fábrica de transformação de algodão em Portugal, o Marquês de Pombal terá obrigado o promotor do projeto a, antes de obter o alvará para a instalação, trazer para Portugal um célebre tintureiro francês especialista no tingimento da lã. A obrigação foi de que o tintureiro francês disseminasse o seu conhecimento e técnicas de tingimento da lã por toda a indústria laneira portuguesa pois, tinha o Marquês a intenção de maior desenvolvimento desta indústria não só pelo número de fábricas, mas também melhorando a qualidade da produção tornando-a capaz de competir nos mercados externos. A vinda do tintureiro francês foi uma espécie de contrapartida cobrada ab anteriori para que fosse dada licença à instalação da primeira fábrica de algodões. Para mal de Portugal, as contrapartidas hoje pedidas pelo Estado são sempre para satisfazer a posteriori, “cousas” que ninguém controla e que nunca ninguém cumpre, mas sempre sempre, em prejuízo de todos nós, e não me refiro apenas à compra de submarinos pois há muito mais por baixo das “águas” de Portugal.

Talvez se possa dizer que Marquês de Pombal foi um visionário à frente no seu tempo, pois preocupou-se com o desenvolvimento do tecido económico português, com a exportação de bens nacionais e controlo das importações. Os políticos de hoje tiveram visão diferente, prometeram-nos um país rico prestador de serviços e que o importante seria comprar os bens onde é mais barato fabricá-los. Assim, muito por força desta estratégia dos políticos da atualidade, a Covilhã viu reduzir-se a sua indústria de lanifícios a importância quase insignificante e, com isso, também a relevância nacional da cidade se reduziu drasticamente. Em meados do Século XX, o concelho da Covilhã era o segundo do país em valor das contribuições para a Segurança Social só ultrapassado pelo concelho de Lisboa, o que diz bem da qualidade do emprego que a indústria criava contrastando com a precariedade com que hoje se vive em todo o país. A perda da indústria ditou perda de criação de valor fundamental ao país e, a perda de emprego estável para a população e contribuinte líquido para o país em impostos e contribuições para a segurança social. Assim, veio também a perder a Agência do Banco de Portugal e a sede da Segurança Social da Beira Baixa quando era a única cidade nacional “não capital de distrito” que possuía tais estruturas. Até o Mercado Municipal é um espelho da transformação do concelho pois, quando nele se vendiam os produtos agrícolas produzidos na região e todos se regalavam com a azafama em que vivia de terça a sábado, criava um valor efetivo o que não acontece hoje transformado em parque de estacionamento e call center. 

Há cerca de quinze anos que deixámos de ter qualquer empresa de lanifícios da Covilhã entre as “500 Maiores e Melhores” empresas nacionais, o que vem confirmar a perda de importância do concelho. É verdade que outros ramos de indústria se instalaram, mas não têm a dimensão nem a relevância capaz de colmatar a perda que representou o sector dos lanifícios e do Know How reconhecido internacionalmente. Assim, é hoje a Universidade da Beira Interior o maior destaque da região. Naturalmente que me orgulho da relevância que a UBI atingiu e onde também eu me formei em Engenharia Têxtil. Pena que a UBI, tendo tido na sua génese o curso de Engenharia Têxtil e possuindo um departamento têxtil com infraestruturas quase impares no mundo, não tivesse sabido “segurá-lo”…quando eu disse “têm que exportar!” alguém sorriu, mas não entendeu onde eu queria chegar e o quanto isso era fundamental. Naturalmente que a UBI tem hoje uma dimensão verdadeiramente importante e fundamental na formação superior de jovens, não só locais mas maioritariamente de outras regiões do país, na disseminação de conhecimento científico e tem dado mostras ao país de que o interior também sabe produzir ciência. 

Não deixa igualmente de ser verdade que, com a perda da indústria e do emprego que criava, a Covilhã não tem o balanço positivo de outrora na produção de riqueza para o país, pois o emprego público passou a ser a parte fundamental da estrutura económica do concelho. Sabemos que as estruturas autárquicas, de saúde e de ensino – na Covilhã, com a Universidade à cabeça – são fundamentais para o desenvolvimento das regiões mas, criam apenas emprego público e compram com dinheiro público que tem origem nos impostos e contribuições pagas pelo sector privado e, assim, se foi fundamental o desenvolvimento da UBI, já o desaparecimento da indústria de lanifícios foi um desastre fruto de uma estratégia que desonra o pensamento visionário de Sebastião José de Carvalho e Mello.

Finalmente e porque, como disse, não só a UBI é hoje o organismo mais emblemático do concelho e da região, como o ensino universitário é cada vez mais fundamental ao desenvolvimento, uma nota para algo que me inquieta há alguns anos. Quando estudei na IUBI, o salário mínimo nacional rondava os 18.000 escudos mensais, pagávamos de propinas 600 escudos (sim!! 600 escudos) por semestre – valor que vinha de há anos – e 1.100 escudos pelo quarto na residência universitária com cama e roupa lavada. Hoje, que queremos dar mais formação aos jovens e que os políticos dizem pretender dar igual acesso a todos, o salário mínimo é de 600 euros mensais, as propinas rondam os 1.000 euros anuais e um quarto custa 300 euros mensais. É este Portugal mais inclusivo que o Portugal antigo? Ou é a nossa democracia pouco democrática?

Tenho, naturalmente orgulho na cidade que me viu nascer e onde em pequeno me deliciavam as brincadeiras com a neve que o frio do Inverno nos trazia, tenho orgulho na Universidade onde me formei, mas vejo com muito desgosto e apreensão a perda de algumas estruturas de grande importância e do tecido empresarial que fez a Covilhã ser conhecida no mundo como a “Manchester Portuguesa” que a tornou um contribuinte fundamental ao Orçamento do Estado. Tenho a desconfiança que há hoje pouca neve, mas faz mais frio!

 

António Aguilar

20 de Outubro de 2020

2 comentários:

Nuno Miguel da Cruz Ramos disse...

Actual, pertinente, a história, o presente e o futuro, da Covilhã e UBI.
Análise crítica, como o António Aguilar nos habituou.

Abraço.

António Aguilar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.