Covilhã: Da Neve à Lã, Do Marquês de Pombal à Universidade
A história da
Covilhã está, desde há séculos, ligada à neve e à lã. Mais recentemente a
relevância da cidade passa sobretudo pela Universidade da Beira Interior como o
que isso tem de bom, mas também de negativo.
Desde o
início do Século XV que a Covilhã ganhou relevância na pátria e lhe deu homens
de grande estatura contribuindo de forma marcante para o desenvolvimento
nacional e presença de Portugal no Mundo. Pena é que, mais recentemente, a
cidade tenha visto o seu nome ligado a figuras nada condizentes com a estatura
dos filhos que outrora deu ao país.
Mas falar da
Covilhã é também falar de Sebastião José de Carvalho e Mello, conhecido por Marquês
de Pombal e Conde de Oeiras. Marquês de Pombal não foi apenas Ministro, foi
antes homem com mundo e experiência internacional que, seguramente lhe terá
dado visão fundamental para o desenvolvimento da estrutura económica nacional.
Assim, não podemos ligar a sua figura apenas à reconstrução de Lisboa após o
Terramoto de 1755 e à cobrança de impostos. O nome do Marquês está também ligado
ao rigor na cobrança da dizima às importações, verbas aliás pagas sobre esses
bens logo à entrada em Lisboa. Existe ainda em Paço d’Arcos, há anos
transformada em caro restaurante, a célebre casa onde eram cobradas as verbas
da Dizima às importações. Mas o nome de Sebastião José de Carvalho e Mello está
essencialmente ligado ao desenvolvimento das pescas e agricultura, do Minho ao
Algarve, e ao desenvolvimento da indústria dos lanifícios portugueses com
grande destaque para a unidade da Fábrica Real de Panos da Covilhã. Conta-se
que, para que fosse autorizada a instalação da primeira fábrica de
transformação de algodão em Portugal, o Marquês de Pombal terá obrigado o promotor
do projeto a, antes de obter o alvará para a instalação, trazer para Portugal
um célebre tintureiro francês especialista no tingimento da lã. A obrigação foi
de que o tintureiro francês disseminasse o seu conhecimento e técnicas de
tingimento da lã por toda a indústria laneira portuguesa pois, tinha o Marquês
a intenção de maior desenvolvimento desta indústria não só pelo número de
fábricas, mas também melhorando a qualidade da produção tornando-a capaz de
competir nos mercados externos. A vinda do tintureiro francês foi uma espécie
de contrapartida cobrada ab anteriori para que fosse dada licença à
instalação da primeira fábrica de algodões. Para mal de Portugal, as
contrapartidas hoje pedidas pelo Estado são sempre para satisfazer a
posteriori, “cousas” que ninguém controla e que nunca ninguém
cumpre, mas sempre sempre, em prejuízo de todos nós, e não me refiro apenas à
compra de submarinos pois há muito mais por baixo das “águas” de Portugal.
Talvez se possa dizer que Marquês
de Pombal foi um visionário à frente no seu tempo, pois preocupou-se com o
desenvolvimento do tecido económico português, com a exportação de bens
nacionais e controlo das importações. Os políticos de hoje tiveram visão
diferente, prometeram-nos um país rico prestador de serviços e que o importante
seria comprar os bens onde é mais barato fabricá-los. Assim, muito por força
desta estratégia dos políticos da atualidade, a Covilhã viu reduzir-se a sua
indústria de lanifícios a importância quase insignificante e, com isso, também
a relevância nacional da cidade se reduziu drasticamente. Em meados do Século
XX, o concelho da Covilhã era o segundo do país em valor das contribuições para
a Segurança Social só ultrapassado pelo concelho de Lisboa, o que diz bem da
qualidade do emprego que a indústria criava contrastando com a precariedade com
que hoje se vive em todo o país. A perda da indústria ditou perda de criação de
valor fundamental ao país e, a perda de emprego estável para a população e
contribuinte líquido para o país em impostos e contribuições para a segurança
social. Assim, veio também a perder a Agência do Banco de Portugal e a sede da
Segurança Social da Beira Baixa quando era a única cidade nacional “não capital
de distrito” que possuía tais estruturas. Até o Mercado Municipal é um espelho
da transformação do concelho pois, quando nele se vendiam os produtos agrícolas
produzidos na região e todos se regalavam com a azafama em que vivia de terça a
sábado, criava um valor efetivo o que não acontece hoje transformado em parque
de estacionamento e call center.
Há cerca de
quinze anos que deixámos de ter qualquer empresa de lanifícios da Covilhã entre
as “500 Maiores e Melhores” empresas nacionais, o que vem confirmar a perda de importância
do concelho. É verdade que outros ramos de indústria se instalaram, mas não têm
a dimensão nem a relevância capaz de colmatar a perda que representou o sector
dos lanifícios e do Know How reconhecido internacionalmente. Assim, é hoje a
Universidade da Beira Interior o maior destaque da região. Naturalmente que me
orgulho da relevância que a UBI atingiu e onde também eu me formei em
Engenharia Têxtil. Pena que a UBI, tendo tido na sua génese o curso de
Engenharia Têxtil e possuindo um departamento têxtil com infraestruturas quase
impares no mundo, não tivesse sabido “segurá-lo”…quando eu disse “têm que
exportar!” alguém sorriu, mas não entendeu onde eu queria chegar e o quanto
isso era fundamental. Naturalmente que a UBI tem hoje uma dimensão
verdadeiramente importante e fundamental na formação superior de jovens, não só
locais mas maioritariamente de outras regiões do país, na disseminação de
conhecimento científico e tem dado mostras ao país de que o interior também
sabe produzir ciência.
Não deixa
igualmente de ser verdade que, com a perda da indústria e do emprego que criava,
a Covilhã não tem o balanço positivo de outrora na produção de riqueza para o
país, pois o emprego público passou a ser a parte fundamental da estrutura
económica do concelho. Sabemos que as estruturas autárquicas, de saúde e de
ensino – na Covilhã, com a Universidade à cabeça – são fundamentais para o desenvolvimento
das regiões mas, criam apenas emprego público e compram com dinheiro público
que tem origem nos impostos e contribuições pagas pelo sector privado e, assim,
se foi fundamental o desenvolvimento da UBI, já o desaparecimento da indústria
de lanifícios foi um desastre fruto de uma estratégia que desonra o pensamento
visionário de Sebastião José de Carvalho e Mello.
Finalmente e
porque, como disse, não só a UBI é hoje o organismo mais emblemático do
concelho e da região, como o ensino universitário é cada vez mais fundamental
ao desenvolvimento, uma nota para algo que me inquieta há alguns anos. Quando
estudei na IUBI, o salário mínimo nacional rondava os 18.000 escudos mensais,
pagávamos de propinas 600 escudos (sim!! 600 escudos) por semestre – valor que
vinha de há anos – e 1.100 escudos pelo quarto na residência universitária com
cama e roupa lavada. Hoje, que queremos dar mais formação aos jovens e que os
políticos dizem pretender dar igual acesso a todos, o salário mínimo é de 600
euros mensais, as propinas rondam os 1.000 euros anuais e um quarto custa 300
euros mensais. É este Portugal mais inclusivo que o Portugal antigo? Ou é a
nossa democracia pouco democrática?
Tenho, naturalmente orgulho na
cidade que me viu nascer e onde em pequeno me deliciavam as brincadeiras com a
neve que o frio do Inverno nos trazia, tenho orgulho na Universidade onde me
formei, mas vejo com muito desgosto e apreensão a perda de algumas estruturas
de grande importância e do tecido empresarial que fez a Covilhã ser conhecida
no mundo como a “Manchester Portuguesa” que a tornou um contribuinte
fundamental ao Orçamento do Estado. Tenho a desconfiança que há hoje pouca neve,
mas faz mais frio!
António Aguilar
2 comentários:
Actual, pertinente, a história, o presente e o futuro, da Covilhã e UBI.
Análise crítica, como o António Aguilar nos habituou.
Abraço.
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