terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Porque é que não a obrou você?...

 

Em arte já nada me surpreende. Tem uns anos largos fui a uma bienal de arte moderna com uns amigos. Foi a primeira vez que me cruzei com a arte contemporânea ao vivo, e dali em diante fiquei tão confuso que tudo me parecia arte, até o cagar de um pássaro. Ao correr o salão onde as obras estavam expostas só as consegui distinguir porque cada uma tinha uma pequena placa identificativa, com o nome do autor, o nome da obra, e não sei se mais alguma coisa. O próprio quadro da eletricidade, ou o sítio do extintor (vide foto anexa), passariam perfeitamente por pertencer ao acervo de obras expostas, não fosse o facto de não terem a tal placazinha a identificá-las. Aquela foi a minha primeira vez, e eu não consegui explicar a mim mesmo o que raio estava eu ali a fazer, e porque é que aqueles autores eram artistas e eu não.
Bem, mas feita esta breve introdução vamos cá então à história que vos quero contar. Antes que pensem que é invenção começo já por esclarecer que não, que esta se passou comigo e foi decerto uma das saídas mais felizes que eu já tive. Feliz e espontânea,  como tinha que ser para ficar para memória.
Íamos então nós a passar em frente a umas tábuas que ali estavam, na vertical, e que tinham uma inscrição que as identificava como sendo uma obra, e exclamei, com escárnio e ironia:
- eh pah, p'ra fazer isto é preciso ser um génio...
Uma senhora que estava ali prantada, ao lado da obra (supostamente a autora?!...), afinou e reagiu, ainda assim educadamente:
- olhe, desculpe a intromissão, mas se o senhor diz, em tom de gozo, que é preciso ser um génio para fazer esta obra, porque é que não a fez você?...
E eu, em menos de nada:
- é que eu não sou génio, sou hidrogénio, e como sou mais leve do que o ar, subo e bato com a cabeça no teto, e fico tão atordoado que não sou capaz de compor tão maravilhosa obra de arte...
A risada foi geral. (Geral, salvo seja, a senhora ficou com cara de pau, sorriso zero). E nós lá seguimos, em direção à obra seguinte, deixando um rasto de riso pela sala...
Ou seja, aprendi por aquela senhora que o que conta para que alguma coisa seja tomada como obra de arte é o facto de o seu autor se lembrar de a fazer. Isso para mim é ótimo porque por acaso até sou pessoa de me lembrar de muitas coisas, o que joga a meu favor porque a coincidência de alguém se lembrar do mesmo e me tirar a originalidade é muito reduzida. Aliás, agora que falamos nisso, até me estou aqui a lembrar de uma coisa que muito provavelmente não passa pela cabeça de mais ninguém. Vou obrar no meio de uma exposição de arte moderna, vai ser um poio bem grande, um produto da minha desassimilação e da minha má educação bem visível e mal-cheiroso. E se alguém chegar e reclamar da obra como eu reclamei das tábuas verticais da outra, digo-lhe o mesmo: - porque é que não a obrou você?..

Gondri

3 comentários:

Nuno Ramos disse...

Só tu para te sair uma destas!
Eheheh 👍

António Matias disse...

Só uma achega. A ideia do poio no meio de uma "instalação" artística não é nada que já não tenha acontecido. Vais ter de inventar outra... ;)

Gondri disse...

Ainda bem que não sou só eu que tenho ideias de merda... ;)