Eu nunca fui uma pessoa rebelde, sempre fui muito acomodado. E confesso não tenho prazer nenhum em ser assim, até porque isso me pregou muitas vezes ao chão quando devia ter saltado. A propósito dessa minha passividade lembro-me de um episódio que ainda agora me faz irritar-me comigo mesmo por não ter encalacrado uma certa senhora que bem o merecia.
Andava eu no liceu a caminho de um dia ser ubiano, e, na primeira aula de Português, o professor disse-nos que andava uma grande confusão no Ministério da Educação e que nem ele sabia ainda ao certo qual era o programa da disciplina para esse ano. De qualquer maneira, adiantou-nos que em princípio íamos dar o padre António Vieira e pediu-nos que fossemos à papelaria do liceu perguntar se o Ministério da Educação já tinha mandado alguns folhetos do Sermão de Santo António aos Peixes.
Acontece que eu precisava de ir à papelaria comprar não sei o quê, e mal acabou a aula dirigi-me logo para lá, já com o intuito adicional de perguntar também pelos folhetos do sermão do padre António Vieira.
Cheguei não havia ninguém, e dirigi-me à empregada:
- o meu professor de português disse que o Ministério da Educação ia mandar folhetos sobre o Sermão de Santo António aos Peixes do padre António Vieira. Por acaso já vieram?
A empregada não saiu do silêncio e nem tão pouco se dignou olhar para mim. Eu não percebi nem imaginei que ela estava furibunda, e insisti:
- olhe desculpe, queria saber se o Ministério da Educação já mandou folhetos sobre o Sermão de Santo António aos Peixes.
Ela nada. Insisti mais uma vez e finalmente reagiu, com a cólera toda à solta:
- não goze comigo que levo-o já ao diretor! (mais coisas disse em abono do seu bom nome, da sua dignidade, e etc..., sempre zangada e ofendida, com cara de tanque de guerra).
Eu olhei para ela atónito e com vontade de a mandar à merda, mas, esta minha maneira de ser, de brandos costumes, acabou mais uma vez por ditar a solução mais cómoda, ou seja, não valia a pena estar a chatear-me. E fiz meia volta e pus-me a andar, sem mais dizer, percebendo obviamente duas coisas: que os folhetos ainda não tinham chegado e que eu tinha sido vítima dos estragos que o título insólito da obra tinha feito na ignorância da empregada.
Porém, e é isso que ainda hoje me irrita, só tenho pena de não lhe ter dito, ali mesmo nas trombas, “pois minha senhora, se me quer levar ao diretor, então vamos lá", só para ter o prazer académico de me rir em coro com o diretor…
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