segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O JARDIM DOS EXCESSOS - CAPÍTULO IX - ATRIBULAÇÕES NOCTURNAS

 

Enquanto bebiam chá, discutiam o que se tinha passado. Chegou a haver inclusivamente uma troca mais acesa de opiniões, especialmente derivada à forma como ninguém se tinha importado com o facto do grupo ter sido invadido e, pior, pela forma como todos os acontecimentos se tinham sucedido. Do lado feminino, realçavam que tinham-se sentido postas de lado. Do outro, sublinhavam que tudo não passava de um exagero por parte destas porque nada tinha acontecido e estavam mais a curtir aqueles momentos do que a não lhes ligarem nada.

A Carla chegou a afirmar que se fosse com ela, a brincadeira não duraria nem um minuto. Mas se fosse a Andreia, a Marina ou a Vanessa, teria sido um Carnaval a noite toda. Os rapazes contrapunham que não, que se isso acontecesse, o clima seria o mesmo, até melhor e mais bem vindo uma vez que já se conheciam e que sabiam como brincar. Mas concordaram que houve alguns excessos, por se terem mostrado mais “selvagens” do que o normal. Todos já se encontravam “bem regados” mas que sabiam quem estava com quem e que a integridade do grupo nunca seria posta em causa.

De todos, a Micaela era a que ainda ia mostrando mais sinais de desagrado, o que não passou despercebido. Todos, de uma forma ou de outra, estavam agora com especial cuidado a medir as palavras pois sabiam que o que quer que servisse para desculpar para o comportamento do Chico, também poderia servir de gatilho para um clima que já não estava muito famoso.

O Dominic aplaudiu a coragem desta e da Andreia em terem conseguido parar com algo que poderia a qualquer momento pisar algum risco. Para o Ildefonso, que se mostrou incomodado por diversos motivos, - entre os quais “quatro” que não iria ali referir -, em ocasião alguma quis trair a confiança de quem quer que fosse dos que tinham vindo passar aqueles dias no Covão. Assumiu a sua quota parte de culpa nos momentos mais confrangedores que possam ter ocorrido e pediu desculpa às miúdas ali presentes pelo seu comportamento. O “Lupas” já refeito do choque – que depois de explicado, compreendeu o porquê  – achava que se estava a fazer uma tempestade num copo de água e que tudo aquilo era algo que “nem para currículo servia”, afirmou. Já o Alfredo e o Osório mostravam-se arrependidos por terem tratado as outras à descarada e pediram desculpas a todas, especialmente à Carla e à Micas por se encontrarem na mesma situação que eles ali no acampamento. Do Chico, não poderiam falar e muito menos justificar as suas alterações constantes de humor.

Mas do lado feminino, toda esta situação ainda se ia digerindo.

A Andreia, achou que aquilo poderia ter descambado mais depressa do que o que esperado. “Bastava que uma se descascasse ainda mais ou se pendurasse em alguém”, referiu, “que aquilo virava acampamento canibal”. Já a Vanessa questionava o porquê de não se ter dito logo que estavam ali todos reunidos num grupo fechado e que não estavam virados para atenções adicionais, o que foi seguido imediatamente pela própria Micaela que argumentou que nesse aspecto a culpa seria de todos, já que todos se surpreenderam com o facto das outras se estarem a soltar cada vez mais e nenhum deles ter posto um travão. A Carla, na mesma linha de pensamento das amigas, afirmou que “se ninguém aprovou também ninguém se manifestou contra, quer fosse homem ou mulher.” E que “era algo compreensível para qualquer uma das partes envolvidas”, quanto mais não fosse, por uma questão de cordialidade ou educação.

Portanto, havia agora uma questão adicional a ser discutida: a do Chico, já que das outras duas gajas ninguém estava disposto a abrir as hostilidades, sob pena de irem pegar fogo àquela tenda.

- O Chico é um caso muito especial, como todos já sabemos. – começou o Ildefonso. – Gosto muito dele, é muito bom moço, mas tem pancadas que só quem o conheça melhor do que nós poderá explicar. Ao que parece, ele fez o convite para este fim de semana a umas oito ou dez miúdas diferentes. Levou nega de todas menos de duas. Logo por azar essa duas eram colegas de turma e por acaso disseram uma à outra o que iam fazer no fim de semana e quem as tinha convidado. "‘Tá-se mesmo a ver o porquê dele estar aqui sozinho. Convidou um número exagerado de pessoas porque já contava com umas quantas negas mas estava longe de adivinhar que as que aceitaram fossem amigas". Eu gostava era de ter visto aquele cromo a justificar-se caso viessem as duas. O Chico é uma criança grande em termos de cabecinha. Qualquer coisa que faça com a melhor das intenções, está sujeita a correr mal ao mais pequeno deslize. Vocês viram-no hoje de tarde. Tanto quis armar-se num entendido em escalada que a coisa começou logo a correr mal quando quis mostrar o equipamento que tinha. E do resto nem se fala. Aquilo que poderia ter sido uma actividade porreira para se fazer em grupo, morreu na praia mal ele vestiu os collants ou lá como se chama aquilo. Depois foi um efeito de bola de neve...

- Também é verdade que não ajudámos muito à missa – continuou a Marina – mas o que podíamos fazer? Aquilo tomou proporções que ninguém esperava. Ele estava um fartar de rir naquela figurinha. Acho que ao fim de um minuto já não havia ninguém com vontade de subir lá acima...

- Eu, confesso que subi com um misto de vontade e pena ao mesmo tempo – sublinhou a Vanessa. - Ao rapaz tinha acontecido um pouco de tudo, começando pelo que o Ildefonso referiu até tudo o resto que foi acontecendo aqui por causa disso. Também me retrato e é verdade que me escangalhei a rir com aquela situação toda. Mas também lhe quis dar a entender que a boca que ele tinha mandado estava perdoada e que podia contar comigo para o que desse e viesse. Mas garanto-vos... subir a rir com o que vocês estavam a berrar cá em baixo, não foi fácil. A indumentária era o menos... mas depois quando lhe esgacei os leggings já não podia mais. No meio daquela atrapalhação toda, já não dava para parar com o gozo. Acho que se não me tivessem ido lá buscar, vinha a por ali abaixo aos trambolhões a rir-me às gargalhadas.

- É... – rematou o Osório – aquilo que viste deve ter dado vontade de rir... – estou a brincar!, calma!...  Acho que ninguém pode imaginar-vos naquela situação.

À medida que iam conversando sobre este episódio, o ambiente ia-se desanuviando. Excepção feita ao turbilhão de ideias que pairava dentro da cabeça da Micaela que ainda se encontrava bastante a remoer tudo aquilo.

Acabados os chás, todos se recolheram às respectivas tendas.

A Carla, a Micas e a Andreia, seguiram para a tenda das primeiras. A Andreia queria vestir um pijama sem ter o Lupas a “inspeccionar”. Este foi para a tenda dele e enfiou-se no saco cama assim que pôde. O Osório e o Alfredo deixaram-se ficar ainda cá fora “ao lume”, para "mai’umas cervejitas" e alimentar a fogueira para a noite, enquanto que os casalinhos se enfiaram em cada uma das suas tendas.

Ao fim de uns quinze minutos, já com todos nas respectivas acomodações, caiu o silêncio no acampamento.

Ao longe, uma algazarra orgiástica, quase em surdina, vinda da tenda onde estava o Chico, interrompia a acalmia instalada no Covão, sinal que o rapaz se estava a safar conforme podia. Em checo ou em português, o rapaz parecia estar a aliviar bem as mágoas e a largar lastro. Noutro ponto do Covão, alguém estava a curtir um pouco de música techno, a um nível que nem dava para incomodar. Tanto o Osório como o Alfredo tinham já recolhido aos seus aposentos e ainda se encontravam à conversa. Nas outras tendas ainda estava tudo muito longe de cair nos braços de Morfeu.

Chegada à tenda, a Andreia deparou com o "Lupas" de pau feito por debaixo de uma tanga minúscula e deitado de lado em pose reveladora. Fazia lembrar a “La Maja Desnuda” de Goya, mas em versão azeiteira e pronta para a acção. Girava uma faixa com cerca de uma dezena de preservativos de várias cores entre os dedos. Piscou-lhe o olho, “à matador” e meneou a cabeça na direcção do pirilau.

- Eu se fosse a ti, tapava-me, para não correr o risco de arranjar uma bela pneumonia. Não sei o que estás para aí a pensar mas a resposta é não! - Afirmou a Andreia, ignorando aquela recepção de boas vindas, o que deixou o rapaz desarmado de toda e qualquer vontade de avanço.

- Pensava que podíamos dar um passo em frente na nossa relação, miúda! – tentou justificar-se.

- Olha lá uma coisa… Não sei onde foste buscar essa "relação" que referes mas seja lá ela qual for, isso seria dar dez passos atrás na que já tens e não o que pensas. Estou farta de te dizer que não estou interessada num relacionamento contigo. Nem sei porque insistes e muito menos o que te leva a pensar em tal coisa. Se me quiseres para tua amiga, tudo bem. Vestes um pijaminha, enfias-te nesse saco cama, fazes ó-ó e não falamos mais sobre isto. Mas de uma coisa te garanto: Se eu sentir uma mãozinha ou outra coisa qualquer perdida durante a noite em cima de mim, vais dormir noutro lado qualquer e podes começar a meter nessa cabeça que não existo. Esclarecido?

- Ehpá... pensei...

- O teu mal é pensares muito no que não deves. Agora deixa-me dormir. Boa noite.

Contrariado e fulo da vida, aquele rascunho de um qualquer Goya desinspirado, lá teve de se vestir e fazer tudo o que tinha ouvido. Ainda pior que estragado, concluiu que dali não iria mesmo levar nada e tentou adormecer. Mas nesta coisas, é mais fácil dizer do que fazer. O rapaz tinha investido muito naquele relacionamento e não se deu por vencido. No mais recôndito do seu ser, havia algo que lhe dizia para “dar um tempo e voltar à carga no dia seguinte”. Depois de voltas e mais voltas no saco cama, levantou-se e, bem agasalhado saiu da tenda para ir espairecer as ideias enquanto bebia uma cerveja.

- O último a sair, feche a porta!, resmungou a sua “concubina”.

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