terça-feira, 10 de novembro de 2020

O JARDIM DOS EXCESSOS - CAPÍTULO XIII - UMA NOITE PARA RECORDAR

 


Escusado será explicar-se como é que, quatro gandins e quatro mânfias, acasalados, se comportam, mesmo que em grupo e em espaço adequado, para darem asas à liberdade que não teriam se estivessem lá em baixo na Covilhã. A escalada do deboche, instalou-se de armas e bagagens naquele Covão e só não deu merda porque os poucos campistas que ali coabitavam naquele fim de semana foram-se gradualmente pondo na alheta, até porque já era domingo e alguns tinham de ir à missa. Ora, como ali não há grandes templos para esses cerimoniais, tirando a Senhora da Serra, no final daquela tarde de inverno, o Covão mais o Zêzere, os vidoeiros e a bicharada, estavam todos por conta dos que ficaram.

As checas tinham ido de frosques, quiçá mais moídas e a(ma)ssadas que algum mortal possa imaginar, que nisto o Chico quando entrava em modo de cruzeiro, deixava de ver e ia o resto do  trajecto sempre a abrir. Até o gajo da musica "techno" deve ter achado que estava ali a incomodar e sentiu-se na obrigação de ir fazer uma rave para outro lado. Tirando os putos que chapinhavam no rio, mais os chatos dos pais que os cuidavam, - um estava a dizer que eles não entravam no carro todos molhados e a outra a berrar-lhes que ainda levavam no focinho se se constipassem, - não havia já vivalma. Os estupores dos cães tinham ido farejar para outra freguesia e a turistada de fim de semana, abesbilica com aquilo que mais se parecia com um casting porno em volta de uma fogueira, desaparecia dali como quem acabava de ver o diabo, protegendo os olhares curiosos das suas filhotas em idade dos "porquês" e de outras em idade dos "deixa ver!". Até os filhotes mais afoitos, alguns púberes e outros já com idade para "coisar o coiso & tal", eram corridos à porrada para dentro das viaturas, que isto de estarem a olhar para onde não deviam tinha o seu quê de pernicioso.

Assim que se apanharam livres daquele trio de paus-de-cabeleira, a pouca vergonha e o degredo foram-se instalando à força toda naquele grupelho de grunhos com as hormonas aos saltos e pujanças descaradas. Inicialmente a Marina e o Dominic davam mostras de se conterem para conversar, mas aquele coro gutural mais todos os rituais de acasalamento à desgarrada, adiaram-lhes os intentos e decidiram juntar-se aos vocalizos e demais trinados despudorados. 

Qual Fénix acordada das cinzas do tempo da abstinência prolongada, a Micaela não estava com vontade nenhuma de parar. O desgraçado do Alfredo bem que tentava escapulir-se para fora da tenda, mas o simples acto de a abrir provocava-lhe imediatamente uma "falta de pica", tal a chicotada de frio que se fazia sentir cá fora. Coisa que a sua companheira não permitia e que lhe demonstrava com veemência. Toda a acção naquela tenda tinha contornos de sadomasoquismo e havia alturas em que se ouvia o Alfredo desesperado da vida a pedir clemência mas em vão. Momentos houve em que se acreditava que ele já não conseguiria dizer mais nada a não ser aquilo e que tudo o que lhe saia da boca p'ra fora mais se assemelhava a um reflexo incondicional do que propriamente um pedido encarecido de socorro.

Na tenda da Marina, se calhar por serem mais experientes, a coisa ia decorrendo a outro ritmo, menos apressado, fazendo justiça a um casal que já se entendia naquela matéria há muito tempo. Talvez por isto, a descrição dos seus embates obrigue o leitor a fazer uma paragem, para não cair em monotonia, até porque já não havia nada de novo para contar. De todos, eram os que mais pausas faziam para vir cá fora comer ou beber qualquer coisa, ganhando "stamina" para voltarem à carga logo que pudessem, mas sempre sem mostrarem grande teor de desespero nos apetites. Entre pausas, iam pondo a conversa em dia e resolvendo o problema verificado na noite anterior. O problema é que estas pausas para o cigarro ou o café - ou o que estivesse ali mais à mão - acabavam em redundância no abrigo da tenda deles, pois a melodia sexual no covão era tanta, que até a bicharada ali residente não se calava um minuto e já participava no campeonato.

Na tenda da Carla, a coisa não era muito diferente. Muito por culpa daquele amontoado de carnes, talvez aquilo que melhor seria de salientar, era a cadência e o som produzido quando os dois corpos se encontravam naquele frenesim, dando a sensação que alguém estivesse a bater palmas ou outro tipo de ovações mais efusivas. Durante a tarde e o princípio da noite, o desgraçado do Osório tinha sido passado a ferro umas cinco vezes até que se lembrou de mudar de táctica e investir como a mãe natureza dotou a maior parte dos mamíferos de o fazer. Mesmo "à canzana", como todas aquelas aclamações não paravam e, tentando abafar toda a cantata e opereta que saía das cordas vocais da parceira, viu-se à força convertido ao cristianismo e tratou de tratar a sua donzela em modo missionário. Coisa que não a satisfez de todo e voltou rapidamente ao modo protestante em posição de cowgirl num rodeo.

Já na tenda da Vanessa a coisa piava fino. Tudo o que se passava ali, não era mais do  que uma compilação do "Império dos Sentidos", "As novelas do Decameron", a "Garganta funda", "Sexus", "Plexus" e "Nexus" do Henry Miller, mais as "50 Sombras de Gray" (obra que ainda não tinha nascido) com muitas passagens eróticas e burlescas dos poemas de Bocage à mistura, numa caldeirada sem fim. A festança da noite anterior tinha sido uma brincadeira de crianças comparada com o que se estava a passar ali e agora. Não havia centímetro do corpo que não estivesse a ser explorado à força toda, não havia prática que fosse posta de parte, e neste campo, até a Vanessa já tinha perdido a esquisitice "felaciana" por causa das pregas penianas que o Monge Barnabé tinha à volta do pescoço. Aqueles "rebites" tinham sido já tratados com desvelo e urgências que nem a ela lhe tinham passado pela cabeça ser possível. À custa da brincadeira "já não iam para dentro", sabe-se lá porquê. O Ildefonso, conhecedor de línguas estrangeiras, ia "falando fluentemente" aqui e ali com diversos toques da sua sapiência que deixavam a Vanessa num tal estado que chegou a achar que nem dali a uma semana se conseguia mexer. Quanto a ele, acho que mal se pusesse em pé iria parecer-se com uma velha grávida, tal a forma como se estava a sentir nos quadris. Como se costuma dizer, a fome era negra. E, se bem que ainda ninguém estivesse perto de conseguir esta ausência de cor, iria ser interessante passarem a semana a justificar o porquê de tantos chupões à vista de toda a gente, que chegavam a parecer sarampo.

Como qualquer pessoa que já tenha passado por experiências semelhantes sabe, o tempo voa. Quando lhes deu a fome, foram saindo das tocas como coelhos, com o intuito de comer qualquer coisa, menos cenouras, que já estavam fartos. 

Seriam umas duas da manhã quando se reuniram à volta de uma fogueira, que se tinha extinguido anónima e calmamente, sem fazer barulho para não os incomodar, para comer qualquer coisa e descansar na medida do possível. Todos se encontravam em tal estado de (des)graça que comeram em pé para não correrem riscos desnecessários. Ainda tentaram ir acalmar os ânimos para o rio, mas ao fim de três metros lineares desistiram. Sabiam que o dia seguinte seria o último no acampamento e, quanto muito, seria importante irem descansar. Quanto mais não fosse para conseguirem reunir o valor necessário de quilocalorias para chegar à camionete que os traria de volta a casa. Sem mais delongas, recolheram às tendas e adormeceram.

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