Nas outras tendas, os ambientes iam variando.
A Marina e o Dominic tinham continuado a debater o tema “Chico” e a conversa tinha descambado a ponto de agora estarem amuados a tentar dormir de costas viradas um para o outro. Nestas coisas de se tentar levar uma conversa a bom porto, normalmente uma vírgula a mais dá azo a uma discussão de caixão à cova. Uma palavra a mais é motivo para se instalar a desordem no lar sem tréguas à vista. Ao ter afirmado que “se a Micas não tivesse tomado uma postura tão na defensiva, provavelmente o Chico agora não estaria a fazer um “Erasmus” a cinquenta metros dali numa “universidade” alheia” deixou a Marina desesperada pois dava a sensação que os sentimentos da amiga eram uma questão secundária e que o Chico tinha toda a razão para ir tentar a sorte à primeira oportunidade que tivesse.
Sendo um casal pouco dado a discussões, este desaguisado estava a provocar algum caos por não saberem lidar com a situação. Marina era uma miúda pouco argumentativa em condições normais mas, quando “picada”, o que lhe saía da boca pra fora era normalmente tido como acertado. Já o Dominic, que não tinha papas na língua em condições normais, tinha o defeito de não saber ouvir e interpretar o que lhe diziam, já que tudo lhe saía como se tivesse o coração na boca. Ora, tal caldeirada de personalidades, quando em conflito, iria dar certamente discussão da grossa. Orgulhosos como eram, o acordo de paz estava longe de ser consumado.
Na tenda do Alfredo e do Osório, prolongava-se a conversa sem grande alarido. Para eles, ainda era muito cedo para dormir e o falatório iria prolongar-se “ad aeternum” até que o primeiro sucumbisse ao sono. Além de conversarem sobre o que se tinha passado e feito uma descrição detalhada acerca de cada uma das gajas que tinham desencaminhado o Chico, as atenções recaíam agora no arrependimento em não terem dado hipótese alguma para que tanto a Carla como a Micas, deixassem de parecer variáveis nulas numa equação que podia ter sido colocada em jogo. Ainda por cima não eram esquisitos tanto para uma como para a outra. Tirando a volumetria da Carla, esta miúda tinha uma cara, expressões e sentido de humor bastante atractivos. O que não fazia dela o “patinho feio” do grupo. De todo. Já a Micas tinha uma estampa muito sensual e – à custa disso, tinham já povoado muitos momentos de introspecção solitária feita à base de movimentos ritmados com as mãos em locais que não são para aqui chamados. Isto era o trigger que lhes garantia, individualmente, preferência por qualquer uma daquelas duas.
Na tenda da Vanessa, o ambiente estava escaldante. Mal tinham entrado e a coberto de qualquer espécie de censura, aqueles dois estavam aos poucos a dar corda àquilo que era o mais previsível. Ainda cá fora, tinham decidido não prolongar o debate e retomar as poucas conversas que foram tendo, sempre interrompidas por diversos motivos. Primeiro uns beijos, depois uns toques e a coisa escalou mais alto que o Chico à procura da Nascente do Zêzere. Vanessa ia aos poucos desfazendo-se das diversas camadas de roupa que trazia até ter ficado apenas em lingerie. Ildefonso seguiu-lhe as passadas mas perdeu mais tempo a desatar as botas, que teimavam em oferecer mais resistência que o normal. A par disto, umas calças já todas puxadas para baixo, não estavam a ajudar nadinha. A sorte daqueles dois era que a Vanessa tinha levado um edredon que dava quase para cobrir toda a gente naquele grupo e, dobrado ao meio, dava para tornar aquele ninho mais confortável.
O Ildefonso estava deslumbrado com aquele corpo curvilíneo ali ao lado dele. Vanessa sentia-se “comida” por todos os lados e o timbre daquela voz do amigo, só a deixava mais doida. Achou no entanto que devia estancar o fetiche que tinha e pôr tudo em pratos limpos com o seu companheiro, antes que fosse tarde:
- Fonso… espera… tenho de te dizer
uma coisa primeiro.
- Que é, linda?
- É complicado dizer-te isto mas mais tarde ou mais cedo virias a saber… Eu
tenho uma tara por prepúcios. Se fores circuncidado vais ter de ter muita
paciência comigo. É uma pancada que tenho e vou precisar de ajuda para a ultrapassar,
porque quero muito que tudo corra bem connosco, percebes? Por ainda não ter
visto como és… por completo, estou já a avisar-te para o caso de me sentires
retraída e não saibas porquê.
- Ok… não estava à espera disto – replicou Ildefonso – mas aqui vai: o meu
“Barnabé” - é o nome que dou aqui ao meu amiguito – não é circuncidado, mas é “estranho”.
Parece um monge com um capuz e tudo. Mas no estado em que está agora vai
parecer que é aquilo que mais temes… Só o mostrando te consigo explicar.
Vanessa riu-se com a descrição e ainda mais quando o viu à sua frente. De facto aquilo tinha um aspecto esquisito. Mas se calhar, estando a sentir o que estava a sentir pelo Ildefonso, decidiu arriscar a sorte e ver a que tipo de ordem monástica pertencia o Barnabé. Além de que o rapaz estava bem fornecido e aquela coisa estava pronto para o combate, o que lhe agradou ainda mais.
- Como é que o puseste neste estado?
Por mim, passaste no teste, mas isto requer uma explicação. Tu não nasceste
assim, pois não? – perguntou.
- Não… até aqui há um mês atrás, era “normal”, mas depois estraguei tudo a
tentar acalmar-lhe os ânimos mais exaltados na piscina e ficou entalado num
cacifo…
- Na piscina? Num cacifo? Como?? – perguntou divertida com tudo aquilo – Desculpa,
mas está a dar-me vontade de rir. E entalado num cacifo? Ok… Nem quero saber
como... nem porquê. Desculpa estar a rir-me mas este fim de semana está a ser
do belo.
- É assim…tal como tu, também eu tenho uma tara e também não sei como vou ultrapassá-la. Mas também nutro sentimentos por ti e sei que tenho de pôr de lado muita pancada minha para levar isto a bom porto. Quando vejo os mamilos de uma gaja espetados no ar, fico mais doido que sei lá o quê! E se eles estiverem sempre apontados ao tecto, então é a loucura total. Minha e deste gajo aqui em baixo.
Vanessa soltou uma gargalhada alto em bom som. Olhou para o rapaz fixamente enquanto ia desapertando o soutien revelando-se ainda mais.
- Estão no ponto ou é pouco? O que te parecem?
Ildefonso estacou a olhar para aquele par de "interruptores" que estavam à frente dos seus olhos. Não era bem para o tecto que apontavam mas sim em frente, tipo dois Tomahawks prontos a serem disparados. Tinham um tamanho considerável, eram bem rijos e foram logo (a)provados com distinção. O resto da massa mamária, não era afinal um exagero como parecia quando estava vestida, mas também não era nada que não se visse ao longe. Muito bem tonificados, nada descaídos e reluzentes.
- Estão assim desde que te sentaste
ao meu lado no autocarro. Estava mortinha por soltá-los. Nem sei como não deste
por eles quando adormeceste… Ou de tarde quando estivemos a curtir que até me doíam.
- Ó gaja! No autocarro, senti-os presos debaixo de umas copas que de tão
almofadadas um gajo nem sabe onde começa uma coisa e acaba a outra. E de tarde
andei à procura deles dois cm mais acima e não encontrei nada mas já nem isso
me importava. Até podias tê-los apontados para as sete e dez que não era isso
que me iria fazer desistir de ti. Houve uma altura em que já dizia “O que eu
quero é a gaja, que 'sa fodam lá os bicos!”. Tu és bem mais do que pormenores
físicos à volta do cérebro.
- Eu apercebi-me dessa “exploração estranha” – atirou a Vanessa – mas também me
apercebi dos olhares que lançaste àquelas duas meninas estrangeiras e topei-te
a taradice. Viste-te à nora para disfarçar, não foi?
- Ah?... eu não… quê? – atrapalhou-se o rapaz – Nem dei conta…
- Pois sim… disfarça. Pensas que só tu é que reparas no que se passa à tua
volta, safado? E não digas mais nada! Acho que já percebi a história do cacifo… - riu-se.
- Tu também… mas depois vais ter de me explicar melhor como é que isto arranjou
um capuz. - rematou a Vanessa, segurando-lhe o Barnabé numa mão e guiando-o até
si.
Aquela mulher tinha uma silhueta de sonho. Muito mais do que alguma vez o Ildefonso tinha imaginado. Não sendo alguém que tomasse conta dele de forma regular em sessões em ginásio, tudo aquilo parecia estar no sítio certo com as proporções adequadas.
Para a Vanessa, aquele Adónis superava-lhes as expectativas e estava já a pensar no que fazer ao Barnabé para passarem a noite a conhecerem-se melhor.
- Apaga a luz e tapa-nos. – pediu –
Não puseste despertador, pois não?
- 'Tás doida? Se há coisa que eu não quero, é acordar disto, tão cedo…!
Na tenda da Micas e da Carla, a conversa tinha acabado momentos antes. Ainda estavam a tentar adormecer quando a sinfonia do amor proveniente de uma das tendas ali ao lado tinha começado e não dava mostras de acabar.
- Olha… aqueles dois já estão a
serrar presunto… - lançou a Micas – Ainda bem. São muito porreiros e merecem-se
um ao outro. Estou muito contente por eles. Mas também quero dormir e já sei
que não vai ser fácil. Os gajos estavam mortinhos por isto, coitados.
- É – concordou a Carla – Se ainda agora começaram, a noite vai ser longa.
Temos de nos preparar para o “pior”. Ou isso ou arranjar forma de “fazer coro”.
Neste momento, estou por tudo.
Esta afirmação deixou a Micaela estranhamente animada. Tinha chegado a hora de mudar o chip e deixar de ser parva. Já que se tinha mentalizado que o Chico seria para esquecer, agora só tinha que rolar a bola para a frente. Havia muito por onde escolher naquela Universidade e, para começar, havia ali quem pudesse estar na linha da frente. Num salto, ainda em pijama, levantou-se e disse:
- És muito boa pessoa, mas acho que vou arranjar alguém para me aquecer os pés.
A Carla ficou boquiaberta com esta reacção.
- Em que confusão é que te vais
meter, rapariga?
- Em nenhuma confusão. Já chega de me armar em parvinha. É para curtir, é para
curtir! Quem não vai estar sempre por aí a chorar pelos cantos sou eu. E tu
muito menos. No que depender de mim, também vais dormir acompanhada. Se fosse a
ti, tirava a roupa. Daqui a minutos vais ter alguém a fazer-te companhia. Vale
uma aposta?
E saiu da tenda, resoluta, em direcção à tenda do Alfredo, deixando a Carla, entusiasmada com aquilo.
Continuava este e o Osório numa conversa ainda sobre o mesmo tema, quando ouvem a Micas cá fora a chamar por ele.
- Alfredo! Abre a tenda, se faz favor. Tenho um recado para o Osório. Abre que está frio, porra!
Uma vez lá dentro, o recado foi curto e directo.
- Osório! A Carla quer falar contigo na tenda. E já! Leva só o “estritamente necessário” e não faças muitas perguntas!
Este pisgou-se dali o mais depressa que pôde e com um sorriso rasgado no rosto. Com a mesma expressão também estava o Alfredo, antevendo alguma urgência escondida nas ordens que a Micas tinha dado ao amigo.
Mal ficaram sós, a miúda de Coimbra não esteve com meias medidas. Deixou cair o pijama ao chão e, encarando o Alfredo com ar de menina inocente, com um dedo no canto da boca, sibilou:
- Oops…!
Numa tentativa bem conseguida de quebrar o gelo e dar continuidade ao teatro, o Alfredo imitou-a e uma vez, frente a frente e como vieram ao mundo, sussurrou:
- Oops para ti também! Agora chega-te aqui a mim que “está frio, porra!”
Ao chegar à tenda, o Osório deparou-se com uma Carla, tapada por um cobertor, deixando apenas antever um ombro nu, lançando-lhe um olhar misto de satisfação e marotice. A Carla tinha uma carinha laroca, mas eram aqueles olhos azuis e os lábios carnudos formando aquele sorriso que todos conheciam, o que mais sobressaía. Rapidamente o moço tirou a roupa e enfiou-se no cobertor. Abraçando-a e com as bocas mais próximas, perguntou a brincar:
- Pode-se saber que assunto urgente me trouxe aos seus aposentos?
Nas duas tendas, quase em sincronia, quatro pessoas iam fazendo a mesma dança, embora em ritmos e compassos diferentes. Não perderam muito tempo em conversas mas também não tinham entrado com tudo. Estavam com tempo para se irem descobrindo mais do que já se conheciam e sabiam que aquela noite ainda estava a começar. Tinham tempo para o que quisessem.
Lá fora, o “Lupas” tentava abstrair-se da nega que tinha levado. Tinha deambulado tanto pelo Covão que, sem contar, foi parar à tenda das checas. Espreitou lá para dentro e deparou-se com um cenário dantesco. Três corpos embrulhados, transpirados, numa gemideira constante, completamente abandonados ao deleite e aos prazeres do sexo descobriam-se em conjunto. As línguas entrecruzavam-se, as bocas chocavam entre si, as mãos desbravavam caminhos nunca conhecidos. Nada ficava por fazer, tocar ou provar. As checas estavam a dar no Chico e o Chico estava a dar nas checas. E iam-se revezando. Aqui e ali faziam uma pausa e já eram as checas a dar nas checas com o Chico a recuperar as energias.
Esteve num “vai-não-vai” para se juntar à festa mas no mais recôndito da sua platonice, decidiu dar mais uma chance a ele próprio e à Andreia. Como se isso lhe valesse de alguma coisa. Afastou-se daquela tenda infernal. À medida que se ia aproximando do seu acampamento, ia notando que os decibéis do Deus do sono iam aumentando mas de formas estranhas. Ainda se sentiu compelido a bater àquelas portas para saber se estava tudo bem mas algo o fez parar. Três vultos estavam sentados à beira da fogueira. Eram o Dominic, a Marina e a Andreia, com cara de poucos amigos, beberricando chá.
- Não digas nada, não faças nada,
não penses em nada, – atirou o Dominic - se quiseres vai buscar uma caneca e
senta-te aqui ao lado. Estou a ver que a noite vai ser longa e vai ser muito
complicado passar pelas brasas. E o dia vai ser muito comprido para aturar tudo
isto.
- Não obrigado – agradeceu laconicamente. Vou dormir.
Esta reacção não provocou grandes estragos na Andreia, cujo olhar de desdém o seguiu até à tenda.
Tendo notado isto, coube ao gafanhão abrir as hostilidades:
- Não te compreendo, Andreia. Juro. Tens um gajo que te arrasta a asa todos os dias. O gajo dedica-se por completo a ti, só pensa em ti e vive em função de ti. Mas tu tráta-lo abaixo de cão. Estás sempre de trombas com ele e és incapaz de ser um pouco simpática ou reconhecida pelo que ele faz ou tenta fazer. Já sabemos que és comprometida com alguém e com quem queres projectar o teu futuro. Mas isso não é motivo para te armares em cabra com ele, especialmente quando sabes que ele sente por ti alguma coisa. Isso é desumano. Já tiveste mais que tempo para o pôr a par dessa situação.
Com a trela toda, o Dominic estava a dar forte e feio na “Sargenta”.
- Sabias que enquanto estás no bem bom com o teu namorado aos fins de semana – continuou - o Zé está perfeitamente convencido que estás na Covilhã a passar os cadernos a limpo e a estudar? Isto não é normal. Mas ele, ingénua e religiosamente, aguarda para que “regresses” todos os domingos ao café da noite, que é quando nos juntamos todos, convencido que ficaste em casa a estudar. E o que acontece quando estamos juntos e ele se chega a ti todo contente por te ver? Evita-lo a pontapé. Não precisas de fazer levar à letra alcunha que tens.
Andreia não contava com esta crítica. A forma como tratava o “Lupas” parecia-lhe a mais correcta para o tentar afastar mas também não era a mais polida para lidar com a situação. Tudo o que lhe tinha dito o Dominic estava certo e o silêncio da Marina só o confirmou. Ela teria de pensar numa abordagem diferente com o Zé Remígio. Sentindo-se apanhada em falso e consciente que algo teria de mudar, recolheu à tenda.
- Miúdo. Temos de falar…
- Já não temos mais nada a dizer um ao outro. Não gastes o teu latim comigo.
Gasta-o com o teu namorado ou com quem quiseres. Deixa-me em paz.
Ele tinha ouvido a conversa. Ela tinha perdido um amigo.
Sem comentários:
Enviar um comentário