domingo, 15 de novembro de 2020

Toma, que é p'ra não seres comilão, seu pecador de gula...

 


O comilão (pecador de gula) foi ao WC. O arsenal de fezes foi tão grande que indiciou um pecado imperdoável e ele desconfiou logo que não ficaria impune. E de facto não ficou: acabou por sofrer a justiça divina mesmo no fim, no momento trivial de limpar o rabo... Se comesse menos, e, principalmente, se não andasse a comer a carne dos inocentes, quer-se dizer, se adotasse a pureza do veganismo, de certeza que a justiça divina não se abateria sobre si e teria a bem aventurança de limpar o rabo ao papel higiénico como fazem as pessoas civilizadas. Assim, quem sabe, vai ter que limpar à gravata, às meias, às cuecas, ou a algum lenço se tiver a sorte de andar de lenço. Cada qual tem o seu karma, os pecados pagam-se na íntegra, se não for cá é lá, no céu ou no inferno, ou onde quer que seja que a nossa alma fique para a eternidade, ou para a reencarnação, se é que isso existe. Tenho um amigo que não acredita na reencarnação mas que, mesmo assim, sempre que vai ao restaurante e o garçon lhe pergunta, “carne ou peixe?”, responde sempre, “carne, Cristo encarnou, não empeixou”. Ora isso há muito que me deixa a pensar se a alma dos peixes encarna ou empeixa, e é mais complicado ainda quando se trata de anfíbios, meios peixe meios animal de terra, esses encarnam, empeixam, ou fazem assim uma coisa intermédia tipo empeicarnação? São estes pensamentos profundos e que exigem aturada meditação que me ocupam normalmente o tempo que passo com as nalgas poisadas na sanita, libertando-me do mal, que sendo mal para mim (por ser repugnante é malcheiroso), é no entanto bem para as plantas que agradecem sempre uma boa dose disso. Com água e estrume governa-se um jardim, e até parece impossível que o cheiro delicado de uma flor possa ter na sua génese algo tão fedorento. 
O karma não é nenhuma balela, existe mesmo. Ainda ontem andei a navegar na net e encontrei montes de casos de pecados pagos em vida, tipo o vilão que no exato momento em que vai pontapear um inocente escorrega (quiçá numa casca de banana, numa poça de óleo, ou num qualquer “vais pagá-las” escorregadio que a justiça divina ali tenha prantado) e cai de costas numa tábua cheia de pregos obrigando-se a um faquirismo doloroso que, como diz o povo, é muito bem feito! Diz o povo que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Perdão não terá, obviamente, um roubo nunca tem perdão, mas lá que é merecido, lá isso é. É como aquela cena do puto que rouba um telemóvel e que quando é abordado por outro que lhe quer fazer o mesmo, “passa para cá o telemóvel”, diz que não tem. O outro até poderia engolir a mentira se naquele preciso momento o telemóvel não desatasse a tocar dentro da sua algibeira. Quem é que ligou?... foi o karma, claro. 
Confesso o meu sadismo quando vejo um mau levar com o murro que ele próprio desferiu, dá-me gozo vê-lo ser vítima do ricochete dos seus atos. Quem goza ou faz mal a alguém que por algum motivo está em inferioridade, merece ser posto no lugar do outro. Abomino a cobardia daqueles que só batem nos mais fracos e se borram todos quando apanham adversário à altura. São desprezíveis, gente dessa dá-me vómitos, haja karma suficiente para todos eles. O mundo está cansado de canalhas, precisam-se homens bons. Homens inteligentes, também. Mas, principalmente, homens bons. Ou, nas palavras de António Lobo Antunes, “temos a mania que a inteligência é a maior virtude, mas a bondade é maior”.
Ainda não percebi muito bem como é que comecei num desgraçado que queria limpar o traseiro e não podia, e acabei a falar de bondade. O princípio e o fim parecem não ter nada a ver, mas se calhar não é bem assim. Se calhar quem esgotou o papel higiénico fê-lo de propósito para que aquele cagão se visse na merda, e isso foi um ato de bondade. De bondade porque aquele cagão é o senhor Pinheiro Laranjeira de Oliveira, e, como o nome indica, o estrume faz-lhe muita falta. Ato de maldade era se lhe tivesse posto uma ratazana dentro da sanita que lhe saltasse às partes e lhe ferrasse nos tomates… 
Quando eu julgava que esta crónica era inútil, eis que fui abordado por João Pomar, um psicólogo que anda a doutorar-se na UBI. João Pomar pediu-me licença para usar um ou outro parágrafo desta crónica na sua tese de doutoramento intitulada “O trauma do WC sem papel”. Claro que acedi sem reservas, “até pode plagiá-la toda que eu consinto”. E disse mais: “se o Pinheiro Laranjeira de Oliveira tem falta de bosta nas raízes, você que é Pomar nem se fala. Esta crónica de merda vem-lhe mesmo a calhar”. Há coisas que parecem inúteis e, vai-se a ver, têm muita utilidade. 

Gondri

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