À medida que iam avançando, notava-se um especial cuidado em não acicatar mais as coisas. Os três casais formavam um grupo mais animado enquanto que os restantes se encontravam num outro mais introvertido caminhando sem grandes conversas, dando seguimento a um ou outro tema de que viesse a lume. O Chico ainda estava a tentar perceber como é que, por uma questão de horas, muita coisa tinha mudado ali. Ainda não tinha caído em si o suficiente para se convencer que as suas atitudes ao longo daquele dia, poderiam levar a que muita coisa acontecesse. Na sua mentalidade pueril, sentia que o que se passou na tenda de noite, foi uma forma de compensar todos os azares por que tinha passado no resto do dia. Sentia-se, por um lado, farto de levar na tarraquêta por tudo e por nada e, por outro, traído, quer pela Carla, quer pela Micaela. E agora, pelo Alfredo, de quem nunca contaria com tal demonstração de afecto violento. Mas a fim de não se por mais a jeito, decidiu caminhar com eles por forma a tentar esquecer o que quer que fosse. Até a Andreia se comportava de uma forma estranha, nada habitual nela. Equacionou questioná-la sobre o que se estava a passar mas desistiu logo que se lhe ocorreu que poderia levar outra vez nas ventas. Também lhe estava a fazer alguma comichão, o facto da Marina e do Dominic estarem de candeias às avessas, logo aqueles dois que nunca se largavam por um instante.
Decididos a deixar correr o tempo, - tinham já comido qualquer coisa antes de partirem – a caminhada que tinham decidido fazer, estava a ser mais exploratória do que o costume, Tinham decidido subir (e subiram mais do que o esperado) até a alguma lagoa que descobrissem – a dos Cântaros era a mais próxima – e à medida que o iam fazendo, sentiam-se mais longe da confusão desfrutando daquela paz que aquela paisagem oferece.
Chegados ao Covão Cimeiro, deram conta que faltava ali alguém. Não se via vivalma ali ao redor e do Zé Remígio nem rasto. Todos já se tinham apercebido que algo ali não estava de acordo com o costume mas nem se deram ao trabalho de fazer perguntas. Apenas a Andreia, a Marina e o Dominic estavam “minimamente” ao corrente do que se tinha passado na noite anterior e não tinham dado qualquer satisfação aos restantes sobre o assunto, o que criou, desde logo, uma clivagem (ainda mais) acentuada na comitiva.
Alguém sugeriu voltarem para trás, por forma a não deixarem o Zé sozinho no meio daquele acampamento. Houve alguma vontade em se continuar mas ao mesmo tempo algum desconforto por não estarem ali todos. Decidiram dar-lhe mais uns minutos. Depois regressariam à base.
Com vontade de pôr um pouco mais a conversa em dia, tanto a Micas como a Vanessa, decidiram pegar nos respectivos pares e “irem apanhar carqueja” para trás de duas formações rochosas que lhes permitia alguma privacidade. Na sua ingenuidade o Chico prontificou-se a ir ajudar, acto que foi prontamente interrompido pelo Osório.
- Nem penses!!
Um quarto de hora sem sinal do “Lupas” levou-os a voltar. Aqueles quatro tinham-se "fartado de apanhado carqueja" e regressaram para o pé dos outros ainda desgrenhados e com a roupa por compor. Mas mesmo assim, notavam que algo não estava bem nos restantes. Era estranho o Zé não estar com eles. Embora sendo um pouco aluado por causa da paixoneta que nutria pela Andreia, era um bom colega e amigo. Alguém com quem se podia contar a tempo inteiro e com muito bom coração. Aquela ausência teria de ter sido notada há mais tempo.
Sem papas na língua a Carla perguntou à Andreia se ela sabia o que o tinha levado a não vir com eles ou se ele estava mal disposto. A Andreia pouco ou nada respondeu. Mas o Dominic, como que tolhido por dizer o que lhe ia na alma, lá acabou por abrir o livro.
-
Temos de parar com a brincadeira. – Começou em tom mais sério - Ontem, o Zé descobriu que a
Andreia tem um namorado. Isto já devia ter sido revelado há muito tempo e
infelizmente, ele só o soube ontem. É natural que ele esteja a necessitar de
algum recolhimento. A culpa disto tudo, nem se pode considerar da Andreia nem
dele. Mas nossa, é de certeza. Já podíamos ter posto um travão nesta situação.
Fomos bastante injustos para ele e aquilo que nós víamos como um “motivo de
brincadeira” passou os limites do admissível.
- Eu podia ter-lhe dito cem vezes que tinha alguém que ele nunca iria
acreditar. O gajo é de ideias fixas. Tentei dar-lhe a entender várias vezes que
não queria nada com ele porque poderia haver outra pessoa. Ele sempre achou que
não era nada sério. Mas quando soube que não passo cá os fins de semana… -
confirmou a Andreia.
- Bolas… este fim de semana não está mesmo a dar descanso a ninguém… - continuou
o Alfredo – Pelo que conheço dele, é bem capaz de deixar de nos falar durante
muito tempo. Quando se chateia, chateia-se mesmo.
- Eu não queria nada disto, acreditem – afirmou a Andreia - mas ontem quando cheguei à tenda e o vi todo
pronto para a acção – “vocês haviam de o ver” – passei-me dos carretos. Nunca
pensei que tudo isto chegasse a este ponto. Aquilo que me parecia mais platónico,
tornou-o mais real para ele do que o esperado. Ele estava literalmente à minha
espera praticamente nu e cheio de apetites…
- Mas não passou disso, certo? Quer dizer… ele tocou-te? – questionou a
Micaela, preocupada.
- Não…! Não lhe dei qualquer hipótese. Mal o vi no estado em que estava, aconselhei-o a
tirar da cabeça o que quer que ele quisesse fazer porque eu não o faria. Não…
nesse aspecto… eu sei que ele não me iria fazer mal. Nem nunca vai fazer. Acho…
O Chico ainda tentou dizer qualquer coisa, mas um olhar do Alfredo, deixou-o com pouca vontade de abrir a boca.
- Miúdo… avisou logo a Carla, que se tinha apercebido deste momento de tensão entre aqueles dois – podias aproveitar o que te resta do fim de semana para pensar no que queres e no que não queres. Precisas urgentemente de uma mudança drástica na tua mentalidade, porque com a que tens, não vais longe. Tiveste uma noite bem passada com aquelas duas, PORQUE te convidaram. Não porque tivesses sido tu a tomar a iniciativa. Tu é que foste a conquista e não elas. Elas é que usaram e abusaram de ti e não o contrário. Agora, foram à vidinha delas e nem te passaram cartão. Por isso, põe essas ideias em ordem e pensa muito bem como é que te vais passar a comportar daqui em diante.
A conversa ficou por ali e o silêncio voltou a imperar no trajecto de regresso ao acampamento. À chegada, do “Lupas” nem pó. No entanto, notaram a falta de uma tenda. Precisamente a dele. Furado numa estaca, encontrava-se uma nota. A Marina foi a primeira a alcançá-la. Leu-a, com alguma comoção.
“Meninos, não se preocupem comigo. Arranjei boleia para a Covilhã. Lamento tudo o que se passou mas neste momento nada faria sentido se permanecesse convosco. Agradecia que nos próximos tempos não me contactassem. Nem em casa nem na UBI. Divirtam-se. Zé”
Ainda debaixo do espectro deste novo estado de coisas, coube à Andreia declarar:
- Bem… sem tenda e com a perspectiva de ir servir de pau de cabeleira numa das vossas, coisa que me recuso a fazer, não tenho outro remédio senão fazer o mesmo.
- Podes dormir na minha se quiseres – avançou o Chico – na mais pura das intenções.
Enquanto o resto do grupo acordava do torpor que uma boca destas tinha provocado, e antes que alguém voltasse a entrar em vias de facto com ele, a Andreia respondeu-lhe.
- Não me leves a mal, Chico. Mas para isso eu preferia ter dado ao Alfredo aquilo que ele quisesse do que dormir uma noite na mesma tenda que tu.
- Bem… o convite foi feito. Na melhor das intenções. Assim fico sozinho novamente e…
Rapidamente, apercebeu-se que sem as amigas checas no acampamento e estando rodeado de quatro casais, a sua noite sozinho seria mais uma para trepar paredes. Não que não estivesse menos “tenso”. Mas apercebeu-se da situação rapidamente e prosseguiu:
- … assim sendo, aproveito a boleia e regresso contigo, pois não fico aqui a fazer nada a não ser número. Desculpem pessoal, mas é melhor assim.
Todos ainda estavam a tentar recuperar do choque provocado pela saída do “Lupas” e já estavam a levar com mais duas desistências. Todos os casais se entreolharam como que questionando o que fazer. Tinham vindo onze. Agora passariam a oito. Quatro casais. Embora se sentissem ressentidos com essa perspectiva também sabiam que isso iria ser sinónimo de menos confusão.
Antevendo estas questões a Andreia afirmou:
- Fiquem. A sério. É melhor para vocês e para todos. Todos vocês precisam de se conhecer melhor e não faz sentido irem todos para baixo cada qual para o seu canto. Amigos na mesma. É justo para todos. Tudo começou com boas intenções mas infelizmente houve muita coisa que correu mal enquanto nós os três estivemos aqui.
Os argumentos da “Sargenta” eram fortes. E até aquela revelação do Chico tinha dado azo a se respirar mais fundo por mais porreiro que ele fosse. O Alfredo dirigiu-se a este e pediu-lhe desculpa pelo soco. Já estava esquecido.
Momentos depois, de mochila às costas e com tudo o que havia para voltar, aqueles dois despediram-se do resto da malta.
- Segunda feira, à mesma hora no sítio do costume!... Divirtam-se!
E com isto, o Chico e a Andreia foram-se afastando para a estrada a fim de apanhar quem os levasse de volta à Covilhã.
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