quinta-feira, 18 de junho de 2020

Este aqui é o Tobias, o primeiro aluno cão da UBI, e do mundo.



Este aqui da foto é o Tobias, o primeiro aluno cão da UBI, e do mundo, que entrará no ano de 2035. E esta é a crónica tal como será escrita alguns anos depois.

CRÓNICA DO 1º ALUNO CÃO DA UBI.

O Tobias foi o primeiro aluno cão do mundo a entrar no ensino superior. Ingressou na UBl, em 2035, para o curso de Engenharia Civil (quando lhe perguntaram na praxe porque escolhera civil disse que era porque não queria ser militar. Claro que depois do inevitável balde de água fria que o deixou enregelado nunca mais voltou a armar-se em engraçadinho…). Podia ter sido um aluno brilhante, mas, infelizmente, perdeu-se porque se dedicou a interesses alternativos. As cadelas, as noitadas insones de boémia, o desleixo, o desapego aos livros, as muito más opções que tomou condenaram-no ao fracasso e à suspensão da vida académica. Deprimido e sem dinheiro, o Tobias ainda tentou continuar ao abrigo do estatuto de trabalhador estudante e foi admitido numa churrascaria da Covilhã, em horário compatível, para manter o lume das brasas aceso. Mas falhou redondamente na churrascaria porque o seu estado de profunda infelicidade não lhe permitiu a alegria de abanar o rabo, e assim o efeito de abano necessário à manutenção do fogo perdeu-se por inércia.
Os seus pais adotivos, dois tripeiros do Porto, desses que trocam os vês pelos bês, que o adotaram no canil de Beja para que ele nunca tivesse inbeja dos alentejanos, eram pobres e não tinham como ajudá-lo. Sem o dinheiro da bolsa (que perdera por falta de aproveitamento escolar), o Tobias teve que abandonar os estudos e deixou-os desolados. Desolados e zangados, porque, no fundo, sabiam perfeitamente que se ele não se tivesse baldado para os livros nada daquilo teria acontecido. Disseram que ele era tal e qual o pai - o pai biológico, bem entendido -, um pastor alemão que estragou a vida por andar metido com duas carraças que lhe chuparam o dinheiro todo e o deixaram na miséria. Apesar de não ser nenhum santo, o pai também não era mau cão, tinha é um azar danado, nada lhe corria de feição. Numa ocasião disse em público que tinha quatro patas - coisa normal num cão - e viu desde esse dia a sua vida a andar para trás por causa de uma denúncia anónima que caiu como uma bomba na sua reputação. O cobarde anónimo e mentiroso que o denunciou disse que ele tratava mal as suas quatro patas, que tinha um enorme desprezo pelo gado patum, que chegou mesmo a violar as patas com requintes de malvadez, que as penas andaram no ar e os gritos de "quá quá" atraíram um grupo de gays que vieram ao engano porque perceberam "cu há cu há". Foi uma acusação grave e perversa e o pai do Tobias bateu no fundo. Mas encheu-se de ganas e reergueu-se, viu-se e desejou-se para provar que era tudo um chorrilho de mentiras, chegou inclusivamente a submeter-se ao polígrafo com êxito, e, depois de muitas batalhas, conseguiu reabilitar-se. 
No entanto os boatos, por muito desmentidos que sejam, deixam sempre um cheiro a culpa que nunca sai completamente, e o Tobias já nasceu com essa culpa inocente herdada do pai. Era um cão com problemas, ninguém sabia se era por ser filho de quem era, se tinha a ver com a disposição dos astros no momento em que nascera, se era o destino, se era tão só obra do acaso, ninguém sabia. Se fosse um cão estável emocionalmente não se deixaria seduzir pela perdição, teria sido um aluno brilhante e chegaria ao fim com distinção e com o louvor de todos. Andava há bué de tempo a tratar-se com um psiquiatra canino que tinha feito de tudo para o equilibrar por dentro. Basicamente, segundo o psiquiatra canino, o problema dele era ser malhado, preto e branco, e vivia numa luta interior que o matava aos poucos por causa disso. No seu diagnóstico disse que ele tinha duas consciências, a consciência negra da parte que era preta, e a consciência branca da parte que era branca, e que a consciência negra acusava a branca de racismo, e que aquele conflito, dele com ele próprio, o consumia em lume brando. O psiquiatra andou a fazer-lhe psicanálise a ver se lhe encontrava no passado a raiz do problema, e só lhe encontrou uma raiz de pessegueiro e uma tabuleta a dizer “black lives matter”. Era óbvio que se tratava de um problema de dupla personalidade com racismo acoplado.
Os seus pais adotivos por um lado eram rígidos e não lhe perdoavam o falhanço académico porque achavam que ele falhara por culpa própria. Mas, por outro lado, tinham coração de manteiga e sofriam por ele, e só pediam a Deus que ele fosse ao menos um cão de caráter, que tivesse um comportamento exemplar, que não fosse ladrão. Sim, que não fosse ladrão, que ladrasse pouco, porque nunca se tinham esquecido dos conflitos com a vizinhança quando o rapazinho era ainda cachorro e ladrava toda a noite, “o seu cão é um ladrão, só ladra, ele que vá ladrar p’ró cara***”, e outros impropérios que se lembravam de ter engolido e calado da vizinhança encolerizada.
O psiquiatra canino que o tratou foi fundo na análise e, como já se disse, detetou um problema de dupla personalidade e auto-racismo, um caso em que coabitavam na mesma pessoa o racista e a sua vítima. Mas, segundo Zé Rodrigues, ex-colega de turma e o maior amigo do Tobias, o conflito interior com teor racista que o psiquiatra tirou da cartola era tudo uma grande treta, e atreveu-se a dizer que o homem não passava de um pseudo-intelectualóide freudiano a querer convencer os incautos de que toda a verdade estava enterrada no subconsciente. A interpretação mais clarividente e acertada pareceu-lhe ser a do especialista em psicologia animal, Dr. Diogo Cão (que, apesar do nome, não percebia nada de artes de marear). Diogo Cão escreveu no seu livro, “A ascensão e queda do cão Tobias”, o seguinte:
“Antigamente a expressão "vida de cão" servia para qualificar uma vida que não agradava a ninguém. Nessa altura o cão ficava na rua, ao frio e à chuva, comia restos (e eventualmente algumas verdascadas, se se portava mal), jogava numa divisão inferior. Ter vida de cão era ter uma vida pobre e desconfortável.
Mas com o advento do animalismo social o cão passou a ser mais do que pessoa, a ter privilégios de monarca, só com direitos e nenhum dever. Ter vida de cão passou a ser ter vida de lorde, ter tudo sem fazer nenhum. E foi isso mesmo que tramou o Tobias, a ideia de que tudo lhe viria às mãos, perdão, às patas, sem mexer uma palha”.
Zé Rodrigues subscreveu tudo o que disse Diogo Cão, e acrescentou que o Tobias era um calão e um boémio de primeira, sempre fora dos eixos. Convidara-o frequentemente para passar os fins de semana mais solarengos na sua casa de lazer lá para os lados do Tortosendo, e nunca a designação de “lazer” lhe pareceu tão apropriada como quando o tinha lá. Não fazia um corno, era um preguiçoso tão compulsivo que, se lhe apresentassem uma máquina em que bastava carregar num botão e aparecia tudo feito, dizia logo que não contassem com ele para carregar no botão.
Foi esse mesmo Zé Rodrigues que tirou esta foto do Tobias, esta anexa à crónica. Tirou-lhe muitas, disse, não foi só esta, e todas em posição de nãfaznada, como disse que se dizia na sua Beja natal. Mas, segundo ele, esta talvez fosse a melhor de todas as que lhe tirou em modo parasita. Vejam só o estilo do bicho, é a preguiça em pessoa, perdão, em cão. Aqui está ele, a beber a sua cervejola no maior relaxe, ociosa e desmazeladamente à espera dos tremoços. Acham que ele se dá ao trabalho de os ir buscar?! era o ias...

Gondri

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