Vicente Ildefonso era um rapaz de rotinas pacatas. Oriundo de Santo Tirso, boa formação estudantil, tinha decidido dedicar algum tempo para curtir o seu hobby de menino. Desenhava e pintava muito. E bem. Adorava levantar-se cedo aos domingos para escolher um ponto qualquer na Covilhã e passar algumas horas a rabiscar o que quer que fosse. O primeiro semestre estava a correr bastante bem, com notas acima do esperado nas frequências, não tendo para já, nada adiado para Setembro. Ildefonso já tinha notado a presença de Vanessa, esta já lhe tinha dito qualquer coisa, mas reparando no seu visual extravagante, não ligou. "Aquilo é outro campeonato", deve ter pensado. Não pensou muito mais no assunto. Tinha educação suficiente para não mandar bocas nem fazer juízos precipitados de valor e passava por todos na UBI como se pessoas conhecidas se tratassem. Era simpático sem ser "cola". Era um gajo porreiro sem ser bronco. E culto. Muito culto. Sentia-se perfeitamente a falar de futebol como de filosofia, temas do quotidiano ou mundanices. Ildefonso era aquilo a que se poderia definir como "o colega que independentemente do ambiente em que estivesse, nunca se vai sentir deslocado". Os colegas perdoavam-lhe as ausências nas noitadas boémias porque sabiam que podiam contar com ele fosse para o que fosse sem nunca se arrependerem."
Apesar de ser considerado um bom elemento em qualquer festa, estava longe de ser considerado um bon-vivant, um playboy ou um boémio. Sabia como gerir a sua vida sem extravagâncias, raramente era visto toldado e mesmo nessas raras vezes, primava por não dar muito nas vistas. Ao mais pequeno sinal de indisposição, saía de fininho para que ninguém pudesse interpretar aquilo como uma fraqueza da sua parte. Não era de todo "uma esponja chata". O que, contrastando com grande parte do seu circulo mais chegado de amigos, era uma carta fora do baralho. Estes, embora mais extrovertidos, eram perfeitamente capazes de perceber e respeitar os limites daquele, não brincando ou minimizando estas "fraquezas do fígado”.
Ildefonso, apesar de
ter o seu tempo ocupado pelos estudos e pelos poucos momentos de distracção, - um
pouco pela influência do seu grupo de colegas, já a namoriscar, e a par do
acréscimo crescente das dores de cabeça provocadas pelos gritos desesperados
das hormonas próprias da idade, - sentia necessidade de alguém com quem se
identificasse e com quem pudesse passar mais tempo. Mas a sua natureza
algo reservada nos campos passionais, deixava-o pouco à vontade em dar o primeiro
passo. Não que houvesse falta de oportunidades. Não que se sentisse
desconfortável na presença das suas colegas e outras amigas. Afinal de contas,
estando em Comunicação Social, "oferta" era o que mais havia dada a
fama que aquele curso conseguia granjear no meio universitário. Porém achava
que não deveria enveredar por ali, dada a monotonia conversacional que dali
poderia advir. Para ele, um casal cujos temas de conversa fossem sempre os mesmos,
tornava esse propósito pouco convidativo. Ele necessitava de alargar os seus
horizontes. De expandir os seus conhecimentos. Para isso bastavam-lhe os
pequenos flirts que tinha com algumas colegas mas nada consequente. Ou os grupelhos que se reuniam para estudar para as frequências.
Aquele rapaz que tinha sido dos primeiros a entrar no curso, fruto dos 17.3 de média de candidatura, havia jurado que necessitava de algo que o desafiasse: mais importante que a independência tão desejada, desde cedo apresentou aos seus pais um sentido ímpar de autoconfiança. Não queria seguir o seu curso num local de fácil acesso. Para ele, cursar Comunicação seria muito mais profícuo se o meio onde se viesse a instalar oferecesse, para além do gabarito académico, um factor extra de isolamento. Era o grau de dificuldade do curso associado a esse isolamento geográfico que mais o motivava. Embora os seus pais o tivessem confrontado com o facto dele querer ir para um sítio desses para poder estar "na farra à vontade e ir às gajas sempre que lhe apetecesse", Ildefonso opunha-se com veemência a estas afirmações e estava ciente que com o curso tirado, poderia ter a hipótese de ser convidado por essa Universidade para ali ficar e dar aulas. E se a isto tudo, conseguisse adicionar um relacionamento duradouro com alguém, tanto melhor. A zona onde vivia, apesar de muito mais movimentada, já não tinha segredos para ele. Precisava de algo mais. De algo que o tirasse da sua zona de conforto e lhe permitisse abrir a porta a outras expectativas, projectos e horizontes. A Covilhã, apresentou-se, portanto, como a melhor das escolhas a tomar. E não se arrependeu.
O seu trajecto mais passional e amoroso tinha-se ficado por alguns namoricos de juventude, coisas passageiras, quase uma namorada por ano do complementar, que invariavelmente terminava com o fim dos diferentes anos lectivos. Porém, continuava virgem. "Marmelada" e "Apalpanço" tinham sido as "cadeiras" com mais aproveitamento durante esses períodos. Tinha-se guardado para outros voos mais altos e mais adiante. A cadeira de "Trancada" encontrava-se ainda em estudo e não passava da teoria. Não se identificava como um anjinho, mas também estava longe de endiabrar o que quer que fosse. Ildefonso, tentava sempre que possível, alimentar o seu fetiche. As mulheres até podiam ser mais altas do que ele, mas se não tivessem os mamilos constantemente rijos e empinados, não eram vistas como candidatas a roubarem-lhe o coração, o que lhe provocava por inúmeras vezes, muitos amargos de boca pois algumas bastante inteligentes não possuíam aquilo que era imperativo nas suas fantasias. O que fazia com que essas relações terminassem antes sequer de ter oportunidade de começar. Era nas aulas de natação que ele fazia as suas abordagens aos seus potenciais affairs amorosos, principalmente na zona dos duches antes de se entrar para a piscina, o que provocava algum desconforto nas candidatas a ocupar-lhe o mundo dos seus sonhos.
Muitas
teve de
rejeitar por – mesmo que obedecendo a esse critério – serem tão
cabecinhas ocas
que deitavam por terra toda e qualquer tentativa de avanço. No entanto, o
simples vislumbre daqueles farolins apontados ao tecto, provocavam-lhe
um inchaço dos valentes nos
calções, coisa que também não passava despercebida ao resto dos olhares.
Ildefonso
seguia-lhes as pisadas no duche frio com o intuito de se ver livre de
tal
protuberância pélvica mas rapidamente se re-eriçava quando se
apercebia daquelas carrapêtas a lutar contra os fatos de banho, aos
saltos dentro da água da piscina e naquele rol infindável de risadinhas
histéricas e segredinhos intermináveis entre as demais colegas. Nadando
de costas,
assemelhava-se a um submarino com o periscópio levantado. De bruços era
tipo prancha de surf.
Por forma a reprimir estas
reacções, não raras vezes via-se obrigado a espancar o Barnabé (alcunha
que dava
ao seu membro viril) no rebordo dos lavatórios ou a entalá-lo nas portas
dos
cacifos, por forma a que este voltasse ao tamanho normal. À custa destas
"urgências" viu-se deformado no prepúcio sem o poder recuperar
cirurgicamente.
Uma pancada mais forte num cacifo que se fechava, levou-o aos píncaros
da dor,
consumindo-o durante uns meses até mesmo para mijar. No posto médico
tinham-lhe dito que não era necessária qualquer intervenção mas que
quando estivesse a 100% e todo "alegre" iria parecer-se com um monge
franciscano com o capuz da túnica recolhido e tonsura à mostra. Uma
plástica de correcção estava posta fora de hipótese pois não sabia como
explicar o sucedido aos pais. Durante esse breve período andou meio encurvado
queixando-se de lumbago. E à custa da brincadeira andou a tomar
anti-inflamatórios em barda sem necessidade nenhuma.
Encontrava-se portanto com um dilema. Sabia, por um lado, que encontrar alguém que lhe preenchesse as expectativas era como encontrar uma agulha num palheiro e, por outro, sabia que tinha de dominar essas fantasias quanto mais não fosse para permitir-se ter a possibilidade de encontrar alguém que lhe preenchesse aquele vazio (e lhe esvaziasse o resto) e que, sem esses pormenores, poderia viver igualmente uma vida de sonho. Com este pensamento sempre presente, tentava ao mesmo tempo procurar por uma alma gémea que lhe desse muito mais do que espasmos vigorosos à conta de meros pormenores físicos. Além do mais, precisava de "aliviar lastro", pois que isto de tratar o Barnabé à chicotada, tinha de acabar.
E depois havia aquela moça de Gestão que de há uns tempos a esta parte lhe andava a seguir as pisadas, sempre com um sorriso convidativo estampado no rosto e que, a espaços, lhe concedia um curto diálogo de bons dias ou uma conversa um pouco mais interessante e aprofundada durante uma noite de copos. Ildefonso continuava a achar que aquilo era areia demais para a sua camioneta, mas ao mesmo tempo começava a não excluir a hipótese de tentar algo mais com ela. As conversas fluíam naturalmente, notava que tinham muitos interesses e ideias em comum e já era normal combinarem tempo para uns cafés no bar da associação. Ildefonso deu por si a pensar que havia fortes indícios que a coisa podia tomar outro rumo. “O “Não” é sempre garantido; o que vier a mais é lucro! E se não der, não ficas pior do que já estás!”. E a confiança com a moça tinha-se instalado já de armas e bagagens, havendo já uns graus de cumplicidade aceitáveis. "E se ainda por cima os tiver todos contentes..."
Não querendo dar
numa de “stalker”,
também ele se
apercebeu das suas rotinas, de onde vivia, com quem se dava e em que
curso
estava. Não seria portanto uma grande dor de cabeça procurar algo que os
dois
pudessem fazer juntos. O inverno estava à porta, os primeiros trapos de
neve já
tinham caído e as pessoas apercebiam-se que esta estação estaria para
durar,
seca como de costume e sem previsões de chuvadas. Havia que estudar a
eventualidade de se ter alguém para lhe aquecer os pés e a alma. Ou algo
mais. Ou mesmo tudo.
E essa hipótese surgiu durante uma conversa no Rosa Negro, sobre a possibilidade de se passar um fim de semana prolongado na Serra entre amigos (aproveitando uma ponte) e pernoitando acampados no Covão da Ametade.
“Alea Jacta Est”, pensou. Ou é agora ou nunca! E esse fim de semana estava já ali ao virar da esquina.
Rapidamente
combinaram o que levar, mantimentos, cobertas, bebidas, comida, enfim. Roupa
era o menos, mas quanto mais quente e protectora melhor. Por sorte havia mais
malta dali que possuía mais do que uma tenda de campismo e que pôde dispensar
a quem precisasse. Feitos os preparos e contabilização dos recursos necessários,
estavam todos prontos, naquele Sábado às 8.30h em ponto, para zarpar, junto ao
Verdinho. Ildefonso e Vanessa tinham já combinado partilhar os lugares de
viagem e sonhar o que fazer durante o fim de semana.
(continua no próximo capítulo)
4 comentários:
Até estou com medo de ler o terceiro capítulo, quando o Ildefonso e a Vanessa se apanharem sozinhos lá na serra...
Vais ter de esperar pelo menos mais dois capítulos! Segurem os Barnabés! :D
Que bom, António! Não li o primeiro capítulo, mas já estou à espera do terceiro :)
No nível do primeiro, bestial, a fluidez da narrativa, fresca, não pesada, transporta o leitor que conheça o cenário, directamente para os lugares, sentindo - se parte integrante da história. Venha de lá a continuação. Parabéns mais uma vez.
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