quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O JARDIM DOS EXCESSOS - CAPÍTULO V - IN UTERO


Não pode haver perdão possível para o português comum que não tenha conhecido o Covão da Ametade. E para um estudante na UBI nessas circunstâncias o castigo é a pena capital. O Covão da Ametade é assim uma espécie de paraíso no Éden que é a Serra da Estrela. Quem segue por aquela estrada sinuosa que leva a Manteigas e não veja a placa, nunca mais dá com ele. Visto do céu, o Covão da Ametade assemelha-se a um útero que acabou de parir uns vinte gémeos. No lugar das trompas do falópio, tem a nascente do Rio Zêzere. O que transforma essa "gaja" em alguém cuja "chica" já dura há séculos. No meio daquele ambiente inóspito e agreste, o Covão parece ter sido deslocado de outro planeta para ser ali colocado sem qualquer rigor. O espaço está pejado de vidoeiros o que o torna, muito provavelmente, numa das paisagens mais idílicas que este país tem. Alguns, parece darem as boas vindas aquele rio, que, ainda menino, se irá tornar adulto até chegar a Constância desembocando no Tejo.

Chegados a este oásis natural, e dado que o frio era considerável, havia que arranjar espaço para armar as tendas propriamente ditas. Decidiram-se por um ponto que estivesse equidistante dos balneários, do leito do rio, da zona das refeições - embora isso não fosse o mais importante - com alguma privacidade, e com algum espaço aberto para que a fogueira pudesse ser minimamente controlada, sem vegetação ao seu redor. Aqui, o local da fogueira seria o epicentro em volta do qual se iriam erigir as tendas para pernoitar. Enquanto retiravam as mochilas e demais logística transportada, combinaram com o motorista da camioneta o horário para os virem buscar na segunda feira. Tinham um fim de semana prolongado até segunda às quatro da tarde. Muito tempo para se poderem divertir e descansar. Tinham combinado com antecedência não levarem nada para estudar, mesmo sabendo que havia quem tivesse frequências no final dessa semana seguinte.

Enquanto a Andreia, a Marina e o "Lupas" montavam as tendas, outros estavam destinados a arrumar a "dispensa". O Chico estava terminantemente proibido de se aproximar do lume ou de algo que se pudesse "incendiar espontâneamente", o que deixou o rapaz um pouco perdido durante uns instantes. Decidiu ir dar uma volta pelo Covão, até porque a única tarefa que lhe tinham incumbido era a de explorar a zona. Àquela hora da manhã ainda não se via vivalma mas esta situação iria mudar a qualquer momento, pois um fim de semana prolongado era sinónimo de muito turista passageiro ou mais pessoal para acampar ali no Covão. Ia pensando no que fazer da vida. Neste momento, tinha apenas uma questão em mente: a Carla ou a Micas? Já tinha ouvido falar na "capacidade de combate" que a Carla tinha nas "cambalhotas" que dava. Aquilo era capaz de ter piada. Nunca tinha papado um "paquiderme"… mas a Micas também não era nada de se deitar fora e, quanto muito, futuramente poderia dizer que já tinha curtido com uma holandesa, que para quem não a conhecesse, seria motivo de extrema gabarolice.

Lá no Pínzio tal "feito" iria fazer um furor do caraças com a malta a tentar imaginar o Chico com uma estrangeira. Se calhar predicados suficientes para que fosse eleito Presidente da Junta ou - quem sabe? - direito a uma estátua erigida numa qualquer praça daquela localidade "pínzica". Não podia era ficar com a fama de abstémio. Sabia que os primos o iriam gozar a vida toda em caso de falhanço. Uma traição aos genes de família nunca seria muito bem aceite, que eles eram muito machos, apesar de mostrarem alguma propensão para as cabras. Ver-se de repente com o dilema da "gorda" ou a "estrangeira" deixou-o um nadinha abalado. Primeiro por não ter companhia. Segundo por ter de escolher. E a parte pior seria saber se alguma delas estaria disposta "a". O Chico neste momento era um rapaz cheio de dúvidas e os seus reflexos masturbatórios começavam a dar sinal. Tinha de parar com aquilo senão depois não ia haver gemadas que o pusessem pronto para novos assaltos.

Afastados dali, todos estavam alheios ao calvário emocional que o Chico estava a passar. A Carla tinha decidido ir ajudar a montar as tendas, especialmente a dela que supervisionou com bastante rigor. Duas coisas não podiam entrar por ali: frio e bicharada rasteira. Não se sentia contrariada por dormir com a Micaela. Eram muito amigas uma da outra. Mas se pudesse haver um gajo interessado em aquecer-lhe os refegos, não viria mal ao mundo. Caso se proporcionasse, só lhe interessava saber se a Micas alinhava com uma "troca de tendas" ou numa ménage a trois. Em último caso, três na tenda, com dois na brincadeira e uma a ver. Neste fim de semana não estava para esquisitices. Com aquele frio, o que entrasse na tenda, marchava!

O resto da malta ia separando a louça, arrumando os víveres na "despensa" improvisada e pensando no que fazer para o almoço. À falta de melhor,  esparguete com atum de lata seria a escolha mas adequada. Houve quem levasse mexilhões (em conserva) para "gourmetizar" um pouco as refeições. Mas também se lembraram de tremoços e amendoins para acompanhar a cerveja, que era mais que muita. Havia queijos, enchidos, pão em barda, uns quantos pasteis de nata que alguém se tinha lembrado de comprar, bem como rissóis, bolos de bacalhau e pacotinhos de leite e cereais para os pequenos almoços, coisa que foi mais motivo de chacota do que outra coisa. Quem se tinha lembrado de os levar? O Chico, claro. Mas também houve quem se lembrasse de levar chá. O que foi bastante aplaudido.

Aqui e ali, os casalinhos "a sério" iam trocando carinhos mútuos, com festinhas suspeitas aqui, beijinhos acolá. O gafanhão com a madeirense à descarada e a Vanessa com o Ildefonso ainda numa fase bastante inocente, porém com uma carga erótica bastante acentuada muito por culpa do Monge Barnabé que não parava de dar coices. A tensão sexual era tanta que por vezes o clérigo marrava onde não devia, o que deixava os demais num alvoroço. A coisa tomou tais proporções que o resto do grupo declarou que a marmelada estava limitada apenas aos momentos de recolhimento ou aos tempos livres que arranjassem – mas longe dos demais, - sob pena daquilo virar um bacanal.

Ao fim de um par de horas, estavam as tendas montadas. E destinadas. O Chico ia dormir "emparedado" pela tenda da Vanessa e do Ildefonso mais a tenda da Marina com o Dominic. O que, está-se mesmo a ver, ia dar bronca. Ao lado da da Vanessa, estava a da Carla com a Micas, seguindo-se a da Andreia com o "Lupas" e rematando com a dupla masculina Alfredo e Osório. No meio a fogueira. Propositadamente, ou não, atrás da tenda do Chico estava uma parede escarpada. Na tenda maior - a do Alfredo e do Osório - encontrava-se a maior parte das coisa que se trouxeram para ajudar a passar o tempo: o estojo de pintura mais alguns maços de papel do Ildefonso (coitado… pensava ele que ia ter muito tempo para as artes), baralhos de cartas, jogos de tabuleiro, a viola da Micas, livros, etc. Porque isto de passar pouco mais de quarenta e oito horas sempre juntos também requeria alguns momentos de ócio e isolamento para reflexões. E flexões. Muitas flexões e agachamentos.

Alguns minutos depois, o Chico resolveu juntar-se à malta. Assim que soube onde ia passar a noite, e principalmente quem seriam os seus vizinhos, começou imediatamente a "praticar escalada". Não ia ser fácil aturar um homem desesperado com as hormonas a topo, as bolsas cheias e tanto para dar. Tanto a Carla como a Micaela sem se aperceberem, dirigiram-lhe olhares carregados de compreensão, coisa que, ao ver-se validado, deixou o rapaz à beira de um esgotamento sexo-nervoso.

- Vá pessoal! - Berrou o Ildefonso, como que antevendo o clima de tensão que se tinha instalado por ali. - Ide lá esticar as pernas um pouco. Está tudo a precisar de espairecer e de se acalmar. A fogueira está a pegar bem e não me parece que se apague entretanto. O Osório já está agachado há que tempos e precisa de se esticar. Eu fico por aqui a tomar conta disto. Desandem! Vão vocês que eu fico.
- Olha… apanascou-se!, - gozou o Dominic - Veio para aqui com uma gaja toda boa e agora deu-lhe para ficar sozinho… Se precisares de uma mãozinha mais logo, avisa? 

- Vê lá se queres que eu te dê uma mãozinha nas ventas, ó Franciú, respondeu Ildefonso a brincar. Andôr!
- E eu dou-te a gaja toda boa…!! Sempre vais a tempo de ir dormir com o Chico… - resmungou a Marina carregada de ciúmes. 

- E se deixassem o Chico em paz?? O Chico já tem muitas pulgas com que se coçar, sabem? Aqui o Chico está "a isto" de se pôr na alheta se continuam a gozar com o Chico! - Rematou o próprio, com ar de que algo não estava a correr bem.

A conversa terminou por ali, alguns a rirem-se das bocas ou das situações, mas ao mesmo tempo um pouco apreensivos com o que se passava na cabeça daquele colega.

Vanessa inquiriu Ildefonso sobre se este queria que lhe fizesse companhia. O que ele, delicadamente deu a entender que não. Que fosse passear um pouco que também precisava de estar sem ele. Por muito que ambos se estivessem a sentir mais próximos também já se tinham apercebido que aquela junção precisava de alguns momentos de introspecção para avaliar as intenções de cada um. Era coisa para um fim de semana, era só o calor do momento ou era algo para levar adiante?

- Está tudo bem, linda. Só preciso de uns minutos com os meus botões. Vai lá espairecer que também precisas. Eu fico à tua espera. Não fujo.

Mais uma vez, aquela voz, aquele timbre estranho mais as palavras sentidas, fizeram com que Vanessa sorrisse. E estremecesse toda por dentro.

O grupo debandou, deixando Ildefonso junto à lareira. Apercebendo-se que o Chico estava cada vez mais isolado deste, a Micas deixou-se ficar para trás para tentar entabular conversa com ele. 

- Que se passa contigo, miúdo?

- Nada... está tudo bem. Só não estou a gostar muito da forma como estou a ser tratado por estar sozinho aqui.
- Tu não estás sozinho, Chico. Deixa-te de merdas. Temos aqui um grupo porreiro com bons amigos. Em que estás incluído naturalmente. Olha... se quiseres logo, faço-te companhia por um bocado para te ajudar a passar o tempo. Assim não te sentes tão isolado. Mas não será a noite toda para que a Carla também não fique sozinha, pode ser?

- E tu serias capaz disso? A sério! Olha bem para mim! Achas que mereço tal honra? Até eu tenho medo de estragar o que quer que seja até lá.

- Não sejas parvo. Agora comporta-te! Pareces um puto mimado!

Esta conversa deixou o Chico mais excitado e com o coração a bater a trezentos batimentos por minuto. Ia ter "acção" mesmo que não soubesse que tipo de "acção". Pelo menos, alguém tinha notado o seu desconforto e feito alguma coisa quanto a isso. Afinal não estava assim tão mal quanto pensava.

Entretanto a Carla tinha notado a falta da amiga e deixou-se ficar para trás. Tendo apanhado quase a conversa toda, pediu ao Chico para que a deixasse a sós com a Micas. Este juntou-se ao resto do grupo enquanto as outras duas abrandavam o passo.

- Que conversa é essa de ires fazer companhia ao Chico logo à noite? - Indagou a Carla? - Vais deixar-me sozinha na tenda?

- Por uns momentos. Não faças filmes, Carla! O rapaz está a sentir-se muito só. Vou só fazer-lhe um pouco de companhia e depois "xixi-cama", ok?
- "Um pouco de companhia", hein? Eu bem vi o olhar que lhe lançaste à bocado quando ele amuou. Conta lá... tu queres é algo mais que "um pouco de companhia", não é? Vá! Chiba-te!... há quanto tempo não gozas com esse tipo de "companhia"?
- Questionou-a com um sorriso libidinoso estampado no rosto.
- Pára com isso! Só pensas nessas coisas!! Ok... já não me sinto acompanhada dessa forma há uns tempos... mas com o Chico? Sabes que ele é meio esquisito... Não... decididamente, não é dessa companhia que ele mais precisa agora.

- Olha que é!!! O Chico nem num funeral é um gajo sério... Desde que haja gajas à volta não há nada que pegue sério naquela cabeça que ele já está a fazer filmes. Lembras-te daquela em que a filha do morto foi de mini-saia…?

- Eu sei. - anuiu a Micas. - Mas o rapaz precisa de alguém para o ajudar a ultrapassar a falta de companhia na tenda. Tens de aceitar que é chato estar toda a gente acompanhado nas tendas e ele ter de ir dormir sozinho. Já é complicado ele ter ficado emparedado por dois casais onde vai haver "dança". Agora imagina-o sozinho a ouvir os "coros, refrões e bis". Assim, é da forma que ele se acalma e não estraga o fim de semana.

- Ok... faz como entenderes. Mas quando vieres para a tenda, se eu estiver a dormir acorda-me. Eu reveso-te.

- Ahahaha! Tu não tens remédio, pois não? 

- Minha querida... a vida são dois dias. Tantos quanto este fim de semana. Se não a aproveitamos de nada vale estar aqui. E eu não vim para aqui só para ver passarinhos e não fazer nada. Se tiver que ser com o Chico, será com o Chico. Se for com outro, é com outro. Afinal somos todos amigos, não somos? 

- Que tarada!!... Tu é que sabes... faz como entenderes. Mas não deixes o rapaz ainda mais na merda do que já está. 

- Wow... querem lá ver que estás a nutrir sentimentos pelo moço, Micaela não sei das quantas dos Santos???? Vê lá se te decides de uma vez miúda. Se isso te fizer sentir constrangida, ainda há outra tenda só com homens... Mas não fiquem a contar estrelinhas em cada canto. - Finalizou a Carla em jeito de gozo.

De braços dados uma na outra para se protegerem do frio, juntaram-se ao resto do grupo. Micas ia remoendo com esta última tirada da Carla. "Pensando bem..."

2 comentários:

Gondri disse...

O romance está ótimo. Siga!

Gondri disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.