A principio, um ligeiro toque de maquilhagem, mais tarde, um decote mais atrevido ou uma saia
mais subida. Tudo demorando algum tempo que lhe permitisse não causar espanto
nos outros. Ia gradual e cirurgicamente desenvolvendo uma nova imagem.
Posteriormente um sorriso tímido com algum rapazola da turma ou um breve
diálogo com outro mais expedito. Sempre teve um fraquinho por rapazes mais
extrovertidos. Escondia o mais que podia, a sua Némesis: Vanessa Rafaela era
tarada por prepúcios. Não por músculos, não pelo órgão em si, mas sim por
prepúcios. Entrava quase num estado de catalepsia, sempre que via ou lhe
aparecia algum homem circuncidado. Algo que contrapunha fortemente a sua
maneira de ser. Aquela coisa do "Amai-vos uns aos outros",
martelava-lhe constantemente a consciência. Não poderia haver espaço para
"separatismos" sob pena de castigo no dia do juízo final mas o que
era um facto é que Vanessa Rafaela não conseguia ultrapassar este trauma.
Os primeiros contactos mais íntimos com o sexo oposto - apalpões nas suas
protuberâncias mamárias, que desde cedo se desenvolveram mais do que normal,
passaram rapidamente a carícias nas partes pudendas dela e nas das suas paixões, sempre
acompanhados de beijos cada vez mais lânguidos. Sempre sem mais avanços indecorosos mas sempre sob o espectro do
arrependimento e autorrecriminação que a sua consciência religiosa obrigava.
Não gozava a fama que ainda não a tinha mas também ninguém a via como santa.
Dava umas baldas de vez em quando e ninguém tinha nada a ver com isso. Os seus
"one night stands" nunca a levaram a ponto de ser descrita
como alguém a evitar ou pessoa recalcada. Muito menos lhe colocavam o epíteto de miúda fácil. Durante os actos, plena de desejo,
evitava sempre que podia o sexo oral ou qualquer vislumbre das partes
masculinas sob pena de aquilo que poderia ser idílico, morrer logo na praia.
A sua entrada na UBI foi o clique que lhe faltava, despoletando uma cascata de
acontecimentos que lhe viriam a moldar a sua vida futura. Desde muito cedo,
Vanessa deixou-se levar e dar, imbuída do mais estrito espírito académico e à
força de querer sentir-se incluída no meio. A sua ingenuidade deu lugar a
excessos naturais na praxis estudantil. Vanessa tinha uma forte e séria
convicção que o seu comportamento lhe garantiria o sucesso que nunca teve, que
pudesse sobressair das demais colegas e rapidamente passou a ter um harém
próprio de admiradores. A coberto de se tratar de um local com gente que não a
conhecia de lado nenhum, a sua total desinibição garantia-lhe sempre momentos
de diversão, cervejas à borla, uns charros aqui e ali e um términus de excessos
carnais com alguma regularidade. Porém, o que tinha de leviana contrapunha-se
com os seus momentos de introspecção e recalcamento. E sempre que o fazia,
interiorizava constante e religiosamente o seu 11º mandamento: "não lhe observarás o
membro".
Vanessa Rafaela vivia momentos e experiências que não mais iria esquecer.
Levava a vida com que sempre sonhara. Independente, porém, desejada.
Desprendida, e no entanto, com tudo o que queria a seus pés. Era raro ir às
aulas de Gestão, mas sempre que o fazia, o simples facto de atravessar a porta
das salas de aula, confirmava-lhe o estatuto de estrela: Rainha do pedaço.
Havia sempre um colega mais afoito que, inebriado pela aura que esta
transmitia, se sentia compelido a passar-lhe os apontamentos, tirar-lhe as
fotocópias que ela necessitava, esclarecer-lhe as poucas dúvidas que iriam surgindo.
Tudo a troco de um "És um querido", ou daquele sorriso meio menina
meio mulher que povoava os sonhos dele. Vanessa tinha já noção do que
este tipo de atitudes iria provocar naquelas mentes mais fracas, imaginando-os
a "esganarem gansos" no primeiro momento que estivessem sozinhos.
Chegava por vezes, em requintes de malvadez, a soprar-lhes um beijo no ouvido
ou piscando os olhos de forma mais provocadora com a língua a passar ligeiramente naqueles lábios carnudos ou aflorar o decote, expondo a sua prateleira mamal ligeiramente. Por vezes, só pelo gozo, chegava a marcar encontros com
esses miúdos, só para os testar, coisas a que não faltava a fim de estudar a
natureza de cada um. Aqui e ali, via-se acompanhada de um eleito, mas não mais
do que um par de dias. Tudo quanto era gajo ansiava por aquele
tempo, mesmo sabendo que seria algo a
prazo. Quanto não valeria estar com
aquela mulher, mesmo que isso significasse durar algumas horas?
Mas certo dia, aconteceu o imprevisto. Apaixonou-se por Vicente. Este
era de outro curso. Alguém que passava algo despercebido, mas que tinha um
tique que a deixava doida sem saber porquê. Era algo na voz e na sua forma de
sorrir. Cada vez que lhe saía um som mais anasalado, ela sentia um formigueiro nas partes baixas como se de um vibrador por bluetooth se tratasse. Não era um engatatão nem tão pouco um bon vivant. Fisicamente nem
sobressaía. Estatura mediana, pouco mais que um metro e oitenta, assim a modos que para o magro. Via-o a espaços num ou noutro bar mas não era aquela figura
omnipresente na noite serrana. Estudava e tinha boas notas. Levava uma vida
sossegada. Divertia-se com conta, peso e medida mas também era suficientemente
responsável para parar quando devia. Era por ele que aspirava, era nele que
fantasiava nos seus momentos de isolamento, era com ele que queria passar mais
do que meia dúzia de noites. Queria algo mais e sabia o quê. Só não sabia como.
Rapidamente decidiu mudar de paradigma. Renovar-se. Mudar de atitude e
teatralidade. Estava consciente que aquela imagem estaria a servir de travão a
muitos. Havia que mudar muita coisa e era já. Não sabia como tinha sido atingida pela seta de Cúpido mas ali estava ela, a braços com uma situação nova e para a qual
não estava preparada.
Começou por indagar onde o rapaz morava. Não era longe de sua casa. Duas ruas
ao lado. Quis saber dos seus hábitos. Nada do outro mundo: De manhã ia tomar o
pequeno almoço ao mesmo café de sempre e, se tempo houvesse, inteirava-se lendo
as novas no jornal diário, seguia para a Universidade, comia na Cantina e voltava
a casa. Invariavelmente ao jantar preferia recompor-se um pouco melhor - consoante o que teria comido ao almoço - e
optava por algo mais frugal numa pastelaria ou ia comer ao Sete. Um ou dois
copos com os amigos no Verdinho e estava de volta a casa. A menos que houvesse
uma festa qualquer, esta era a rotina diária de Ildefonso.
A Vanessa só lhe faltava agora - e com urgência - arranjar forma de entrar na vida de Vicente Ildefonso.
(continua no próximo capítulo)
5 comentários:
proponho um abaixo assinado para que juntos possamos solicitar à reitoria da UBI que conceda o grau de Doutor "Honoris causa" ao nosso ilustre colega, António Matias, pelos seus extraordinários avanços no âmbito da literatura erótica. Só ele escreveria estes amores de perdição na perfeição, é um verdadeiro herói ubiano. Parabéns!
se isso já vai assim ao fim de um capítulo, qualquer dia candidato-me a magnifico na universidade de Conaculta numa graduação Summa Cum Laude.
é só abrirem uma candidatura!... óh se é!
Não vai ser fácil chegares a magnífico da universidade de Conaculta tão depressa, pelo menos enquanto estiver lá o magnífico Fornikson Vaginelson (que é uma sumidade nas lides reitorais). A menos que faças para aí alguma falcatrua, tipo uma graduação Summa Cum Fraude...
Bem, para início promete. Boa descrição, cuidados linguísticos e uma história, que poderia ser real.
É nesta identidade, em que nos podemos rever, que a história e o autor saem valorizados.
Sim, desejo continuar a leitura...!
Abraço António.
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