quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O JARDIM DOS EXCESSOS - CAPÍTULO I - VANESSA

 


Vanessa Rafaela era uma moça tida como recatada e ajuizada. Nascida num ambiente suburbano da margem sul, cedo cedeu aos vícios e prazeres da juventude. Algo tímida e com uma formação arreigadamente católica, reprimia as suas fantasias em batalhas intensas de arfanço com as suas mãos percorrendo o seu corpo chegando a incursões desesperadas no íntimo do seu ser, a oculto dos edredons ou em fugazes escapadelas nas casas de banho. As suas colegas de escola exerciam-lhe, contudo, algum ascendente - influenciando-lhe as decisões. Mais por desafio do que por experiência de causa. De forma a sentir-se parte do grupo cedeu às tentações e começou a tentar - paulatinamente – desabrochar.


A principio, um ligeiro toque de maquilhagem, mais tarde, um decote mais atrevido ou uma saia mais subida. Tudo demorando algum tempo que lhe permitisse não causar espanto nos outros. Ia gradual e cirurgicamente desenvolvendo uma nova imagem. Posteriormente um sorriso tímido com algum rapazola da turma ou um breve diálogo com outro mais expedito. Sempre teve um fraquinho por rapazes mais extrovertidos. Escondia o mais que podia, a sua Némesis: Vanessa Rafaela era tarada por prepúcios. Não por músculos, não pelo órgão em si, mas sim por prepúcios. Entrava quase num estado de catalepsia, sempre que via ou lhe aparecia algum homem circuncidado. Algo que contrapunha fortemente a sua maneira de ser. Aquela coisa do "Amai-vos uns aos outros", martelava-lhe constantemente a consciência. Não poderia haver espaço para "separatismos" sob pena de castigo no dia do juízo final mas o que era um facto é que Vanessa Rafaela não conseguia ultrapassar este trauma.


Os primeiros contactos mais íntimos com o sexo oposto - apalpões nas suas protuberâncias mamárias, que desde cedo se desenvolveram mais do que normal, passaram rapidamente a carícias nas partes pudendas dela e nas das suas paixões, sempre acompanhados de beijos cada vez mais lânguidos. Sempre sem mais avanços indecorosos mas sempre sob o espectro do arrependimento e autorrecriminação que a sua consciência religiosa obrigava. Não gozava a fama que ainda não a tinha mas também ninguém a via como santa. Dava umas baldas de vez em quando e ninguém tinha nada a ver com isso. Os seus "one night stands" nunca a levaram a ponto de ser descrita como alguém a evitar ou pessoa recalcada. Muito menos lhe colocavam o epíteto de miúda fácil. Durante os actos, plena de desejo, evitava sempre que podia o sexo oral ou qualquer vislumbre das partes masculinas sob pena de aquilo que poderia ser idílico, morrer logo na praia.


A sua entrada na UBI foi o clique que lhe faltava, despoletando uma cascata de acontecimentos que lhe viriam a moldar a sua vida futura. Desde muito cedo, Vanessa deixou-se levar e dar, imbuída do mais estrito espírito académico e à força de querer sentir-se incluída no meio. A sua ingenuidade deu lugar a excessos naturais na praxis estudantil. Vanessa tinha uma forte e séria convicção que o seu comportamento lhe garantiria o sucesso que nunca teve, que pudesse sobressair das demais colegas e rapidamente passou a ter um harém próprio de admiradores. A coberto de se tratar de um local com gente que não a conhecia de lado nenhum, a sua total desinibição garantia-lhe sempre momentos de diversão, cervejas à borla, uns charros aqui e ali e um términus de excessos carnais com alguma regularidade. Porém, o que tinha de leviana contrapunha-se com os seus momentos de introspecção e recalcamento. E sempre que o fazia, interiorizava constante e religiosamente o seu 11º mandamento: "não lhe observarás o membro".

Vanessa Rafaela vivia momentos e experiências que não mais iria esquecer. Levava a vida com que sempre sonhara. Independente, porém, desejada. Desprendida, e no entanto, com tudo o que queria a seus pés. Era raro ir às aulas de Gestão, mas sempre que o fazia, o simples facto de atravessar a porta das salas de aula, confirmava-lhe o estatuto de estrela: Rainha do pedaço.


Havia sempre um colega mais afoito que, inebriado pela aura que esta transmitia, se sentia compelido a passar-lhe os apontamentos, tirar-lhe as fotocópias que ela necessitava, esclarecer-lhe as poucas dúvidas que iriam surgindo. Tudo a troco de um "És um querido", ou daquele sorriso meio menina meio mulher que povoava os sonhos dele. Vanessa tinha já noção do que este tipo de atitudes iria provocar naquelas mentes mais fracas, imaginando-os a "esganarem gansos" no primeiro momento que estivessem sozinhos. Chegava por vezes, em requintes de malvadez, a soprar-lhes um beijo no ouvido ou piscando os olhos de forma mais provocadora com a língua a passar ligeiramente naqueles lábios carnudos ou aflorar o decote, expondo a sua prateleira mamal ligeiramente. Por vezes, só pelo gozo, chegava a marcar encontros com esses miúdos, só para os testar, coisas a que não faltava a fim de estudar a natureza de cada um. Aqui e ali, via-se acompanhada de um eleito, mas não mais do que um par de dias. Tudo quanto era gajo ansiava por aquele tempo,  mesmo sabendo que seria algo a prazo. Quanto não valeria estar com aquela mulher, mesmo que isso significasse durar algumas horas?


Mas certo dia, aconteceu o imprevisto. Apaixonou-se por Vicente. Este era de outro curso. Alguém que passava algo despercebido, mas que tinha um tique que a deixava doida sem saber porquê. Era algo na voz e na sua forma de sorrir. Cada vez que lhe saía um som mais anasalado, ela sentia um formigueiro nas partes baixas como se de um vibrador por bluetooth se tratasse. Não era um engatatão nem tão pouco um bon vivant. Fisicamente nem sobressaía. Estatura mediana, pouco mais que um metro e oitenta, assim a modos que para o magro. Via-o a espaços num ou noutro bar mas não era aquela figura omnipresente na noite serrana. Estudava e tinha boas notas. Levava uma vida sossegada. Divertia-se com conta, peso e medida mas também era suficientemente responsável para parar quando devia. Era por ele que aspirava, era nele que fantasiava nos seus momentos de isolamento, era com ele que queria passar mais do que meia dúzia de noites. Queria algo mais e sabia o quê. Só não sabia como. Rapidamente decidiu mudar de paradigma. Renovar-se. Mudar de atitude e teatralidade. Estava consciente que aquela imagem estaria a servir de travão a muitos. Havia que mudar muita coisa e era já. Não sabia como tinha sido atingida pela seta de Cúpido mas ali estava ela, a braços com uma situação nova e para a qual não estava preparada. 

Começou por indagar onde o rapaz morava. Não era longe de sua casa. Duas ruas ao lado. Quis saber dos seus hábitos. Nada do outro mundo: De manhã ia tomar o pequeno almoço ao mesmo café de sempre e, se tempo houvesse, inteirava-se lendo as novas no jornal diário, seguia para a Universidade, comia na Cantina e voltava a casa. Invariavelmente ao jantar preferia recompor-se um pouco melhor -  consoante o que teria comido ao almoço - e optava por algo mais frugal numa pastelaria ou ia comer ao Sete. Um ou dois copos com os amigos no Verdinho e estava de volta a casa. A menos que houvesse uma festa qualquer, esta era a rotina diária de Ildefonso.

A Vanessa só lhe faltava agora - e com urgência - arranjar forma de entrar na vida de Vicente Ildefonso.

 

(continua no próximo capítulo)

5 comentários:

Gondri disse...

proponho um abaixo assinado para que juntos possamos solicitar à reitoria da UBI que conceda o grau de Doutor "Honoris causa" ao nosso ilustre colega, António Matias, pelos seus extraordinários avanços no âmbito da literatura erótica. Só ele escreveria estes amores de perdição na perfeição, é um verdadeiro herói ubiano. Parabéns!

António Matias disse...

se isso já vai assim ao fim de um capítulo, qualquer dia candidato-me a magnifico na universidade de Conaculta numa graduação Summa Cum Laude.

é só abrirem uma candidatura!... óh se é!

Gondri disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gondri disse...

Não vai ser fácil chegares a magnífico da universidade de Conaculta tão depressa, pelo menos enquanto estiver lá o magnífico Fornikson Vaginelson (que é uma sumidade nas lides reitorais). A menos que faças para aí alguma falcatrua, tipo uma graduação Summa Cum Fraude...

Nuno Miguel da Cruz Ramos disse...

Bem, para início promete. Boa descrição, cuidados linguísticos e uma história, que poderia ser real.
É nesta identidade, em que nos podemos rever, que a história e o autor saem valorizados.
Sim, desejo continuar a leitura...!
Abraço António.