sábado, 2 de maio de 2020

A Universidade de Granito

Como punição pelo meu mau comportamento juvenil fui parar à IUBI. Não era que a perspectiva me desagradasse. Afinal ia ser independente aos 19 anos, ter uma mesada para gerir e fazer o que me desse na real gana. Sempre esteve nos meus planos fazer estudos universitários -- a minha sorte é que o meu pai conseguia pagá-los fora de Lisboa. A minha primeira opção tinha sido Coimbra, mas nem para ali consegui entrar. Que fosse Covilhã então. Qualquer coisa menos Lisboa.

Estávamos na primeira metade dos anos 80. Havia uma grande crise económica, houve um resgate do FMI em 1983, e tinha família próxima a emigrar para os EUA. O ensino secundário deixava muito a desejar e fora dele pouco havia para entreter os jovens. Na grande cidade de Lisboa, os adultos estavam fora e os jovens entregues a si. A delinquência juvenil era um problema sério. Isto num país que uma década antes tinha saído de uma realidade política aterradora e de uma total miséria cultural. Os mais velhos pouco tinham para nos oferecer. Não estávamos interessados nem nos seus valores nem na sua dita cultura. Tínhamos de criar os nossos.

Foi neste cenário que um dia à tarde saí de uma camioneta em pleno Pelourinho. O magnífico edifício da câmara municipal à minha frente. O café Montalto, ainda em pleno funcionamento, à direita. Sem ter feito qualquer reserva, procurei uma pensão barata onde dormir e dirige-me depois ao Montalto para comer qualquer coisa. Estavam lá uns jovens que imediatamente me identificaram como caloiro. Entre eles o Eduardo Brandão e o Carlos Pedroso que por pouco não me deu uns murros (provavelmente bem merecidos). Tive direito a descer a rua num contentor de lixo, o que, só por sorte, teve menos consequências que ter levado uns socos do Pedroso. Vilipendiado, fui coagido a recolher.

Voltei então à pensão Duarte, era assim que se chamava, que de tão barata só tinha uma cortina que me separava de outro hóspede, que ressonava que nem um porco. Como vingança não hesitei em fumar do meu lado da cortina, vá lá, com a janela aberta, e Siouxie and the Banshees em volume máximo no meu leitor de cassetes Sony com auscultadores. O porco não acordou e eu estava feliz, mas não por essa razão.

No dia seguinte às 9 da manhã já estava na IUBI, tal como instruído pelos veteranos. Tinha agora pouca vontade de os contrariar, não diria por medo mas apenas por uma questão de cálculo. O edifício, novo, recuperado do que tinha sido a antiga Real Fábrica dos Panos, e posteriormente um quartel, era ao mesmo tempo austero e moderno. Nada a ver com os bafientos liceus da capital, o que me causou uma forte impressão. O Brandão, que tinha conhecido na véspera, levou-me numa visita guiada, durante a qual obtive noções básicas de etiqueta da praxe.

À hora do almoço já tinha toda a papelada da matrícula tratada e à tarde encontrei-me com um tal de Pedro Justino, mais conhecido por Pópó, um pequeno mas intrépido escalabitano, que conhecia vagamente de aventuras no Bom Sucesso e Foz do Arelho, através de um amigo comum. Foi simpático o suficiente em andar comigo a tarde toda à procura de um quarto para me instalar no início do ano lectivo. Regressei a Lisboa nesse mesmo dia, com tudo pronto para 2 anos memoráveis.


5 comentários:

Unknown disse...

Lindo!!!
Continua!

Vasco Silva disse...

Bom texto
Apenas o início de 2 anos que, acredito, foram maravilhosos, ou não fossem na companhia do PóPó ( o menino Pedrinho da Vovo ).
Abraço
Vasco

José T. de Sousa disse...

Obrigado Vasco, um abraço!

Madalena R.P. disse...

Pois é, tens talento para escrever histórias que nos agarram , soube a pouco, espero os próximos capítulos onde se inclui a Serenata que nos fizeste com o Barata a mim e à Fernanda Ramalho , a alentejana 😂

José T. de Sousa disse...

Madalena R.P.: obrigado. https://www.facebook.com/groups/1845172442475616/