Uma das lembranças mais presentes que tenho da UBI, e a que recorro frequentemente quando quero dar o exemplo de uma louvável junção de humildade e excelência, é uma memória que fossilizou para sempre dentro de mim e que remonta ao dia em que fui à UBI (na altura ainda IUBI) matricular-me pela primeira vez.
Lembro-me de ter entrado no edifício da universidade, perdido como era natural, e de ter encontrado um senhor baixo, assim a dar para o redondinho, de certa idade, vestido de forma modesta, a quem perguntei se por favor me indicava onde era a secretaria. O senhor orientou-me simpaticamente, com um estilo que me pareceu algo provinciano e me levou a crer que estaria a falar com um funcionário, quiçá um jardineiro ou um contínuo, e agradecendo lá me fiz ao caminho em direção à secretaria.
Qual não foi o meu espanto quando, dias depois, vim a saber que aquele senhor, que eu rotulara mentalmente como alguém de estatuto básico na pirâmide hierárquica daquela casa, era “apenas” major general engenheiro aeronáutico, e reitor do IUBI. Fiquei sem palavras, lembro-me muito bem. (Tiro muitas vezes este episódio da cartola quando vejo alguém armado em majestade só porque tem um título importante, como se os títulos lhe dessem a imortalidade. Enquanto formos mortais e perecíveis, não soubermos de onde viemos, para onde vamos, e o que andamos cá a fazer, somos todos igualmente insignificantes à escala do universo. Aliás, sempre achei que a petulância, a pose de pavão, e até o desdém com que algumas pessoas bem sucedidas olham para os menos privilegiados, são provas de pouca inteligência. Podem ser pessoas altamente eficazes a raciocinar, autênticas máquinas de cálculo, alunos de 20, podem ser tudo e mais alguma coisa, inteligentes não são. A inteligência implica compreender que a humanidade só dá um passo em frente cada vez que o bem triunfa sobre o mal. A inteligência é bondosa e humilde, coloca o homem no seu devido lugar face a um universo praticamente infinito, tão infinito que o nosso cérebro, por muito que se esforce, não consegue sequer imaginar...).
Se o reitor Cândido Passos Morgado passava bem por guardador de rebanhos, o professor Avelino Passos Morgado, seu irmão, que chegou ao generalato da academia com a categoria de professor catedrático, não destoava em estilo. E depois, a falar axim e com aquele riso a modos que a fugir para o saloio… nem quero imaginar o saco de gozo que ele não seria no meio dos betos de Cascais.
Apesar do ar algo velho e matarruano, o professor Avelino tinha o seu lado jovial e um sentido de humor que não raras vezes sacudia a plateia. E tinha uma tolerância juvenil, não era nenhum cara de pau, tinha as suas gafes, como todos temos, mas sabia encaixar os falhanços na boa e rir-se de si próprio. Eu olhava para ele e via uma boa pessoa. Penso que ninguém o recorda com ódio ou rancor, e até o epíteto de Broa, e o falar axim, encerram um certo carinho pela sua figura de vôvô cantigas de aldeia rural (um vôvô rigoroso, é certo, talvez demais…). Rimo-nos dele porque o enfrentámos no vigor rebelde da nossa juventude, nesse saudoso tempo em que tudo o que desse para rir a gente aproveitava.
E, já agora, permitam-me que puxe a brasa à minha sardinha e que vos dê uma novidade: eu acho que o prof Avelino gostava de mim. Senão veja-se isto que postei há uns tempos e que agora reposto por via do copy paste:
As aulas de Mecânica Geral do Broa eram um terror, dt, ddt, forças, integrais, ação e reação, e o diabo a quatro. Por isso o Balsinha, para aliviar o tédio, apalhaçava a coisa com um glugluar original: imitava o perú nas aulas. Felizmente o Broa não renegava o glu glu, e até se divertia com ele. (Era bem humorado, o Broa, e depois, com aquele falar assaloiado do axim em vez de assim, e aquela discriminação positiva com que dava prioridade às meninas nas sessões de perguntas e respostas, o tipo era mesmo um postal...).
O Balsinha teve aproveitamento nas frequências, mas, mesmo assim, teve que ir à oral. O que ele não sabia nem imaginava é que o Broa, chegada a altura de lhe fazer a oral, lhe iria propor:
- faxa o peru que está paxado.
O Balsinha sabia que ele não fazia oral a toda a gente e que isso lhe podia calhar em sorte porque já vinha com positiva das frequências, mas quando ele lhe pediu para imitar o peru em troca da aprovação não pôde acreditar, e só pensou que estava tramado:
- vá lá, professor, faça lá a oral, não brinque, eu estou aqui tão nervoso...
- já lhe disse, faxa o peru que está paxado.
O Balsinha ainda insistiu, o Broa contra-insistiu, até que o Balsinha lá se convenceu, e, vai daí, "glu glu glu glu".
- pode-se ir embora que está paxado! - confirmou imediatamente o Broa.
- posso? - hesitou o Balsinha, ainda incrédulo.
- não lhe disse já que sim?
E o Balsinha lá se levantou e saiu, sem oral mas com gluglu, e, principalmente, com o cadeirão da Mecânica no papo...
E esta foi seguramente uma das cenas mais caricatas daqueles longínquos e saudosos anos oitenta, na UBI...
……………..
Nota final: desejo ao Prof. Dr. Avelino Passos Morgado o melhor, especialmente agora que, segundo sei, passa por alguns problemas de saúde. Se um dia o reencontrar por aí, e se o covid deixar, hei-de cumprimentá-lo com saudade.
Gondri
4 comentários:
Gondri
Mais um excelente episódio relatado como só tu sabes.
Parabéns
Vasco
obrigado Vasco,
aparece aí, fazes falta. Eu descansei mas foi por pouco tempo, espero que tu também regresses em força como nos habituaste. No blog nem tanto, mas na página do face dos encontros ubianos já há muita malta a postar.
Aparece por aí porque escreves bué de bem, e és a voz da razão. É preciso alguém que fale sério. Aqui o euzinho, como sabes, é mesmo só para a paródia...
Abraço.
Gondri , como me fazes rir as tuas histórias e a forma como as escreves . Foi realmente hilariante esta história dos nossos tempos de jovens estudantes e cheios de vontade de mudar o mundo e o país . Foi uma sorte ter-te como colega.
Não tínhamos a noção o quanto éramos felizes, ou até sabíamos mas o tempo passou rápido demais .....
Continua com a tuas histórias que a malta agradece 😂😂😂😂👍👍👍👍
Madalena Rocha Pereira
Obrigado Madalena,
É como dizes, o tempo passou rápido demais... :(
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