O Sílvio e o José são dois papagaios idosos, respetivamente de 72 e 74 anos (lembro que os papagaios têm uma esperança de vida na ordem dos 80 anos) que cantam e falam pelos cotovelos. Vivem numa residência em Massamá, em casa dos seus dedicados donos que lhes ensinaram a dizer “o André Ventura é um bronco”, frase que eles repetem amiúde juntando mais uns impropérios e umas canções de escárnio e maldizer. Tudo seria normal se os vizinhos, uns fascistas inveterados, não tivessem solicitado às autoridades que calassem os velhotes, o que, no caso daquelas aves que não têm emenda, é o mesmo que solicitar que lhes seja extraído o aparelho vocal, ou até, em última instância, que sejam destinados ao almoço dos cães da vizinhança que lhes chamariam um figo.
Quando a notícia da anunciada punição dos papagaios saiu à rua, as associações de defesa animal vieram imediatamente a terreiro condenar a desumanidade fascista dos vizinhos das pobres aves. O Sílvio e o José tiveram manifestações de apoio à porta e foram imediatamente elevados à condição de heróis pelas organizações de esquerda, que também achavam que o André Ventura era um bronco. Os vizinhos queixosos argumentaram que o que os movia não eram motivações de natureza política mas sim a incapacidade que já sentiam para suportar a constante gritaria dos prevaricadores sonoros, que não os deixavam dormir a sesta e já estavam a pô-los numa pilha de nervos e a caminho dos psiquiatras.
A confusão instalou-se nas redes sociais e em todo o espaço mediático, e o PAN mais uma vez solicitou o apoio da UBI, universidade de referência na luta contra toda e qualquer discriminação. A reitoria da UBI decidiu então promover um conjunto de conferências com projeção internacional, usando como logotipo o famoso vinho do Porto, “Calem Velhotes”, e, num rasgo de inspiração, alterar para “Não Calem Velhotes” numa óbvia alusão aos dois papagaios idosos a quem a maldade humana queria cortar o pio.
Como cidadão ubiano sou o primeiro a aplaudir as conferências “Não Calem Velhotes”, e se me deixarem quero ser um dos oradores. Se de facto me derem essa oportunidade iniciarei a minha apresentação levantando bem alto uma garrafa de “Calem Velhotes”, e dizendo, “Calem Velhotes?!... mas o que é isto, que censura geriátrica é esta?! Vamos calá-los, vamos restringir-lhes a liberdade, que indignidade é esta?! Não tarda estamos a apelar à eutanásia, à morte destas velhas e inocentes criaturas cujo único crime é serem fantásticas palradoras. Calem velhotes uma ova, o único velhote que merece ser calado é o velho do Restelo, essa figura pessimista e avessa à glória que Camões tão bem cantou nos Lusíadas (Canto IV, 94-97)”.
As conferências “Não Calem Velhotes” serão certamente um sucesso aquém e além-fronteiras, e até o Instituto do Vinho do Porto já agradeceu à UBI a excelente publicidade que dará ao seu prestigiado “Calem Velhotes”. O PAN e todas as organizações “animal” já elogiaram mais uma vez a inestimável contribuição da UBI em defesa dos animais. A notoriedade e mediatização do evento está a colocar a UBI nos píncaros.
Quem não gostou foi o deputado André Ventura que num acesso vergonhoso de má educação disse que se estava, cito, “a cagar para a UBI”, que a UBI era uma universidade de ciganos, e que o seu almoço preferido era um fricassé de papagaio acompanhado com um cálice de “Calem Velhotes”, e de sobremesa um pudim de escalpe de cigano com uma calda de Catarina Martins caramelizada.
Escusado será dizer que a comunidade cigana ficou piursa e jurou vingança, armou tal escabeche à porta do Ventura que até a pobre da coelhinha Acácia ficou apavorada e aos saltos, evacuando abundantemente com o susto e deixando um pivete a estrume coelheiro por toda a casa. A Catarina Martins, indignadíssima, juntou-se ao protesto cigano, de megafone em riste, e debitou em altos decibéis o pior que há no calão ofensivo da língua portuguesa, chamando ao André Ventura todos os nomes, sendo que “energúmeno” até foi dos mais suaves. Astuta e populista, aproveitou a oportunidade para transformar o protesto num pequeno comício, e convenceu mais de setenta e cinco ciganos a filiarem-se no Bloco de Esquerda, não tanto para aumentar o número de militantes mas principalmente para ver se conseguia enriquecer o parque automóvel do partido com alguns veículos de tração animal, só para irritar os gajos do PAN…
Em suma, e para rematar esta crónica de fim de ano, volto a sublinhar que a UBI será notícia de primeira página com o tão esperado ciclo de conferências “ Não Calem Velhotes” que terá lugar no Grande Auditório da FLC, nos dias 8,9 e 10 de Fevereiro de 2021, e onde se escalpelizará, com total liberdade e direito à contestação, a polémica afirmação “o André Ventura é um bronco”. Merecedor de honras presidenciais, o evento será inaugurado com grande pompa e circunstância por Sua Exª o Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a menos que, o que configuraria uma vertiginosa falha das sondagens, ele não ganhe as eleições a 24 de Janeiro. Em política tudo é possível, até a mais que improvável vitória de André Ventura, que, caso acontecesse, redundaria óbvia e inapelavelmente no cancelamento do ciclo de conferências ubianas, e até, quem sabe, na entrada da UBI para a lista negra da presidência. O que vale é que a UBI, que nunca se conforma com o infortúnio, arranjaria certamente maneira de reconquistar a simpatia do presidente eleito, nem que para isso tivesse que prescindir do nome UBI e passasse a chamar-se UAV, Universidade André Ventura, ou, em alternativa, UCA, Universidade Coelhinha Acácia.
Gondri