segunda-feira, 4 de maio de 2020

Recordações da Mecânica Geral do prof Avelino Passos Morgado…


Cara · palma · emoticon · mão · cabeça · gesto - ilustração de ...


A Mecânica Geral do prof Avelino Passos Morgado era uma espécie de tratado de Tordesilhas na medida em que nos rachava a cabeça ao meio. Ninguém percebia patavina daquilo, até parece que o estou a ouvir com aquela ladainha dos dêdêtês e dos dêdêvês, das forças, dos vetores, do sei lá que mais, enfim, com aquela conversa soviética toda que entrava a cem e saía a duzentos. No teste metia um célebre problema do carrocel e a malta espalhava-se toda com estrondo. Quando chegava o exame já todos sabiam como se resolvia o carrocel para que se aparecesse um igual toda a gente se redimisse. E de facto ele voltava a meter o carrocel, só que punha-o a andar para o lado contrário e era outro espalhanço igual ou pior do que o primeiro.
A matéria era tão complicada e complicável que até dava para o  prof Avelino revelar a sua costela de gozão. Lembro-me de um teste cuja última pergunta era tao inacessível que ninguém a cheirou sequer, foi tudo corrido a um parcial de zero valores na dita cuja. Na aula a seguir, qual bom samaritano, decidiu fazer a correção do teste no quadro. Se estivéssemos no ensino secundário toda a gente acharia normal, mas assim ninguém estava a perceber por que raio estava ele a fazer aquilo, até porque, segundo se sabia, ele nunca o fizera antes. E também ninguém lhe conseguiu descortinar as intenções quando ele chegou à correção da tal última pergunta, que ninguém resolvera, e disse, com um sorriso irónico: - esta não resolvo, esta é para vocês resolverem. O pessoal tentou resolver e népias, andou de volta dos livros, consultou tudo o que foi possível consultar, pediu inclusivamente ajuda a outros professores, e nada. E só quando chegou o exame é que a malta percebeu o esquema: lá estava outra vez a mesma última pergunta, exatamente igual, sem tirar nem pôr, e imagino as gargalhadas sádicas que o Prof Avelino não deve ter dado ao confirmar que a coça da segunda parte tinha sido igual à da primeira.
A contestação ao complicómetro do prof Avelino era geral. Um dia abordei-o no bar da universidade, “ó professor, para quê tanta dificuldade se aquilo é tudo para esquecer e nunca mais vamos precisar daquilo para nada?!”, mas ele chegou e sobejou p’ra mim, “você nunca se esqueça do que lhe vou dizer: um curso superior não é para dar informação, é para dar formação”. Continuou explicando que eram as dificuldades, o esforço de pesquisa (na altura a net era a biblioteca), o esforço mental, etc., que dava ao aluno o arcaboiço para enfrentar os desafios de uma futura profissão, que a informação ia mas a formação ficava. E eu não tive pedalada para ele.
Confesso que nesse dia fiquei rendido à clarividência do prof Avelino, até porque não estava à espera de tanta perspicácia. É que alguns dias antes tinha saído do gabinete dele a cheirar a burro. Fora lá ao gabinete, não me recordo para quê, e diz-me ele “você é que é o…como é que é?”, “gondri, professor”, “porque é que lhe chamam isso, esse não é o seu nome, pois não?”, “não professor, sou gondri porque sou Gonçalves Rodrigues, e gondri são duas sílabas do meu nome”, “como é que é isso, duas sílabas do seu nome?”, “sim professor, gon de Gonçalves e dri de Rodrigues”, ”como é que é, explique lá isso melhor?!”, “então professor, a primeira sílaba de Gonçalves, gon, e a segunda de Rodrigues, dri, gon-dri”, “mas, mas…, não estou a perceber nada…”, só sei que andei ali às voltas uma data de tempo para lhe explicar a coisa mais simples do mundo, e primeiro que ele percebesse... Mas vá lá que depois se redimiu com aquela tirada monumental de que o curso não era para dar informação mas sim formação... (Hoje penso que se calhar lhe parou a cassete porque estava tão habituado às complicações da Física que as coisas demasiado fáceis lhe entupiam por completo a engrenagem…).

Gondri


10 comentários:

Vasco Silva disse...

Parabéns Gondri
Mais uma excelente história mais um belo momento dos muitos que, infelizmente, a “dinastia” Passos Morgado, polvilhou a nossa memória.
Apenas lamento que, num tempo em que a Academia, pouco tinha, se multipliquem histórias e momentos daquilo que, pessoalmente, tanto procuro esquecer.
Foram episódios, como estes que, com excepção, creio, de quem apenas realizava, na UBI, os 2 primeiros anos dos seus cursos, levou muitos e muitos alunos a ”desistirem dos seus cursos”, antes dos mesmos serem terminados, sem realizarem estas disciplinas.
Episódios como estes e frases do “Imperador/Reitor” de que “O prestígio de uma Universidade se mede pelo índice de reprovações” e outras de similar teor.

Como diria “alguém”, fomos cobaias, fomos números …
Por isso não me surpreender com a “fraca” adesão dos “mais antigos” e, particularmente, os “não-naturais”, em torno de uma Casa, da qual, infelizmente, as memórias não serão as mais felizes, as mais respeitáveis …

Abraço
Vasco

Gondri disse...

Obrigado Vasco.
O reitor era brigadeiro, não admira que o regime fosse militarista. Uma coisa é certa, havia malta de textil que mudava para a UM porque senão não tirava o curso. Aquilo no Minho tinha um décimo da dificuldade, eram os próprios que iam da UBI para lá que o diziam.

Helena Vaz disse...

Foi a ultima cadeira que fiz para acabar o curso...foi dose duramte 5 anos.
Tenho uma caixa cheia de cábulas. De nada adiantou...menos um integral ou passo e puf...zero.
Adorei essa história. Para mim significou muito na minha vida universitária.
Acabei o curso com mecânica do primeiro ano.
👏🍀

Helena Vaz disse...

Fui a oral e suei por todos os poros ...mas consegui...ao fim de 5 anos.
Um dia se puder partilho a caixa de mecânica 🤣👍

Helena Vaz disse...

Num belo dia, depois de exames e no Porto, a Lina ligou me e disse: Lena tens que vir para a Covilhã, tiveste 18 termodinâmica . O professor está furioso e vais a oral. Ninguém tira uma nota desta comigo, muito menos uma mulher.
Não sei precisar, mas sei queca oral era logo nem dois dias a seguir.
Meti me no autocarro e fui.
No dia da oral, aquela mesma hora marcada estava lá, lembro-me que com outros da oral e mais uns amigos género clake de apoio.
O ' militar" começou a fazer a chamada e presença dos alunos. Eu muito isolada e a transpirar no meu canto.
Quando chamou pelo meu nome, estava tão aterrorizada , que demorei um pouco a tesponder. Ele disse: claro que não está, ninguém tira esta nota comigo.
Levantei o dedo e disse que eta eu. Tremia por todos os lados.
O professor morgado disse me: vais ao quadro e mostrar que meteces no maximo 16. Mais que isso não tens.
Resolvi tal e qual estaba no exame escrito. Integral a integral, ponto por ponto...estive sei lá...mais de uma hora no quadro.
Depois de acabar, ele disse: tem 16 valores.
A partir desse dia e durante mais 4 anos, quando me via, dizia: quando faz física mecânica? E durante todos esses anos lhe disse. Vai ser a última cadeira que vou fazer para acabar o curso. E foi.
Acabei em grande.
Lembro me daqueles exames com centenas de alunos e no fim quase todos reprovados Todas as épocas de exame e ano após ano igual.
Até supostamente foi resolvido antes do dia e nada. Tudo chumbado.
Mas sabem? São estas e outras histórias que fizeram dos meus tempos na UBI inesquecível e com amigos para sempre.
Análise 3. Eu, a lina, a paula e outros ajoelhamo nos agarrados e com lágrimas de felicidade. Tinhamos passado no exame e consequentemente de ano. Eram créditos indispensáveis à progressão de ano.
Tantos momentos juntos e unidos.
FOREVER

Helena Vaz disse...

Desculpem os erros. A teclar no telemóvel e pitosga é no que dá.
Beijinhos para todos

Helena Vaz disse...

* onde se lê queca, seria que ia à oral...
Sorry.🤣👏🤣🤣🤣

Sao Teixeira Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sao Teixeira Pereira disse...

Lena (Helena Vaz), não te preocupes, com as "quecas" do tlm. Eu adorei ler os teus comentários. Fartei-me de rir. Obrigada! :-)

(nota: só não me atrevo a comentar sobre Mecânica para não me chamarem extra-terrestre...)

Rui Lapão disse...

Antes de mais … Fi ponto … Teta ponto 😊
Sala 2.12, pequeno anfiteatro á entrada!
Na fila da frente sempre as 3 lindas meninas de aeronáutica… às quais nunca bajulava com perguntas, pois essas eram para gadelhudos como eu que ficavam mais a traz.
Depois d´as meninas perceberem que as secretarias não tinham frente deixavam as partes debaixo visíveis, decidiram ocupar lugares na parte de trás.
… nesse dia a aula começou com um bombardeamento de 3 tiro a cada uma das 3 meninas. Aso quais nenhuma foi capaz de dar resposta …
Diz então … “estão a ver, ai a traz não aprendem nada, estes 3 gadelhudos lá para traz e as 3 meninas sempre aqui á frente”
Bem me lembro da Hélia da Isabel e da Alexandra colocarem as nossas pastas por baixo da secretária para travar os olhares malandrécos 😊