A Mecânica Geral do prof Avelino Passos Morgado era uma espécie de tratado de Tordesilhas na medida em que nos rachava a cabeça ao meio. Ninguém percebia patavina daquilo, até parece que o estou a ouvir com aquela ladainha dos dêdêtês e dos dêdêvês, das forças, dos vetores, do sei lá que mais, enfim, com aquela conversa soviética toda que entrava a cem e saía a duzentos. No teste metia um célebre problema do carrocel e a malta espalhava-se toda com estrondo. Quando chegava o exame já todos sabiam como se resolvia o carrocel para que se aparecesse um igual toda a gente se redimisse. E de facto ele voltava a meter o carrocel, só que punha-o a andar para o lado contrário e era outro espalhanço igual ou pior do que o primeiro.
A matéria era tão complicada e complicável que até dava para o prof Avelino revelar a sua costela de gozão. Lembro-me de um teste cuja última pergunta era tao inacessível que ninguém a cheirou sequer, foi tudo corrido a um parcial de zero valores na dita cuja. Na aula a seguir, qual bom samaritano, decidiu fazer a correção do teste no quadro. Se estivéssemos no ensino secundário toda a gente acharia normal, mas assim ninguém estava a perceber por que raio estava ele a fazer aquilo, até porque, segundo se sabia, ele nunca o fizera antes. E também ninguém lhe conseguiu descortinar as intenções quando ele chegou à correção da tal última pergunta, que ninguém resolvera, e disse, com um sorriso irónico: - esta não resolvo, esta é para vocês resolverem. O pessoal tentou resolver e népias, andou de volta dos livros, consultou tudo o que foi possível consultar, pediu inclusivamente ajuda a outros professores, e nada. E só quando chegou o exame é que a malta percebeu o esquema: lá estava outra vez a mesma última pergunta, exatamente igual, sem tirar nem pôr, e imagino as gargalhadas sádicas que o Prof Avelino não deve ter dado ao confirmar que a coça da segunda parte tinha sido igual à da primeira.
A contestação ao complicómetro do prof Avelino era geral. Um dia abordei-o no bar da universidade, “ó professor, para quê tanta dificuldade se aquilo é tudo para esquecer e nunca mais vamos precisar daquilo para nada?!”, mas ele chegou e sobejou p’ra mim, “você nunca se esqueça do que lhe vou dizer: um curso superior não é para dar informação, é para dar formação”. Continuou explicando que eram as dificuldades, o esforço de pesquisa (na altura a net era a biblioteca), o esforço mental, etc., que dava ao aluno o arcaboiço para enfrentar os desafios de uma futura profissão, que a informação ia mas a formação ficava. E eu não tive pedalada para ele.
Confesso que nesse dia fiquei rendido à clarividência do prof Avelino, até porque não estava à espera de tanta perspicácia. É que alguns dias antes tinha saído do gabinete dele a cheirar a burro. Fora lá ao gabinete, não me recordo para quê, e diz-me ele “você é que é o…como é que é?”, “gondri, professor”, “porque é que lhe chamam isso, esse não é o seu nome, pois não?”, “não professor, sou gondri porque sou Gonçalves Rodrigues, e gondri são duas sílabas do meu nome”, “como é que é isso, duas sílabas do seu nome?”, “sim professor, gon de Gonçalves e dri de Rodrigues”, ”como é que é, explique lá isso melhor?!”, “então professor, a primeira sílaba de Gonçalves, gon, e a segunda de Rodrigues, dri, gon-dri”, “mas, mas…, não estou a perceber nada…”, só sei que andei ali às voltas uma data de tempo para lhe explicar a coisa mais simples do mundo, e primeiro que ele percebesse... Mas vá lá que depois se redimiu com aquela tirada monumental de que o curso não era para dar informação mas sim formação... (Hoje penso que se calhar lhe parou a cassete porque estava tão habituado às complicações da Física que as coisas demasiado fáceis lhe entupiam por completo a engrenagem…).
Gondri
Gondri
10 comentários:
Parabéns Gondri
Mais uma excelente história mais um belo momento dos muitos que, infelizmente, a “dinastia” Passos Morgado, polvilhou a nossa memória.
Apenas lamento que, num tempo em que a Academia, pouco tinha, se multipliquem histórias e momentos daquilo que, pessoalmente, tanto procuro esquecer.
Foram episódios, como estes que, com excepção, creio, de quem apenas realizava, na UBI, os 2 primeiros anos dos seus cursos, levou muitos e muitos alunos a ”desistirem dos seus cursos”, antes dos mesmos serem terminados, sem realizarem estas disciplinas.
Episódios como estes e frases do “Imperador/Reitor” de que “O prestígio de uma Universidade se mede pelo índice de reprovações” e outras de similar teor.
Como diria “alguém”, fomos cobaias, fomos números …
Por isso não me surpreender com a “fraca” adesão dos “mais antigos” e, particularmente, os “não-naturais”, em torno de uma Casa, da qual, infelizmente, as memórias não serão as mais felizes, as mais respeitáveis …
Abraço
Vasco
Obrigado Vasco.
O reitor era brigadeiro, não admira que o regime fosse militarista. Uma coisa é certa, havia malta de textil que mudava para a UM porque senão não tirava o curso. Aquilo no Minho tinha um décimo da dificuldade, eram os próprios que iam da UBI para lá que o diziam.
Foi a ultima cadeira que fiz para acabar o curso...foi dose duramte 5 anos.
Tenho uma caixa cheia de cábulas. De nada adiantou...menos um integral ou passo e puf...zero.
Adorei essa história. Para mim significou muito na minha vida universitária.
Acabei o curso com mecânica do primeiro ano.
👏🍀
Fui a oral e suei por todos os poros ...mas consegui...ao fim de 5 anos.
Um dia se puder partilho a caixa de mecânica 🤣👍
Num belo dia, depois de exames e no Porto, a Lina ligou me e disse: Lena tens que vir para a Covilhã, tiveste 18 termodinâmica . O professor está furioso e vais a oral. Ninguém tira uma nota desta comigo, muito menos uma mulher.
Não sei precisar, mas sei queca oral era logo nem dois dias a seguir.
Meti me no autocarro e fui.
No dia da oral, aquela mesma hora marcada estava lá, lembro-me que com outros da oral e mais uns amigos género clake de apoio.
O ' militar" começou a fazer a chamada e presença dos alunos. Eu muito isolada e a transpirar no meu canto.
Quando chamou pelo meu nome, estava tão aterrorizada , que demorei um pouco a tesponder. Ele disse: claro que não está, ninguém tira esta nota comigo.
Levantei o dedo e disse que eta eu. Tremia por todos os lados.
O professor morgado disse me: vais ao quadro e mostrar que meteces no maximo 16. Mais que isso não tens.
Resolvi tal e qual estaba no exame escrito. Integral a integral, ponto por ponto...estive sei lá...mais de uma hora no quadro.
Depois de acabar, ele disse: tem 16 valores.
A partir desse dia e durante mais 4 anos, quando me via, dizia: quando faz física mecânica? E durante todos esses anos lhe disse. Vai ser a última cadeira que vou fazer para acabar o curso. E foi.
Acabei em grande.
Lembro me daqueles exames com centenas de alunos e no fim quase todos reprovados Todas as épocas de exame e ano após ano igual.
Até supostamente foi resolvido antes do dia e nada. Tudo chumbado.
Mas sabem? São estas e outras histórias que fizeram dos meus tempos na UBI inesquecível e com amigos para sempre.
Análise 3. Eu, a lina, a paula e outros ajoelhamo nos agarrados e com lágrimas de felicidade. Tinhamos passado no exame e consequentemente de ano. Eram créditos indispensáveis à progressão de ano.
Tantos momentos juntos e unidos.
FOREVER
Desculpem os erros. A teclar no telemóvel e pitosga é no que dá.
Beijinhos para todos
* onde se lê queca, seria que ia à oral...
Sorry.🤣👏🤣🤣🤣
Lena (Helena Vaz), não te preocupes, com as "quecas" do tlm. Eu adorei ler os teus comentários. Fartei-me de rir. Obrigada! :-)
(nota: só não me atrevo a comentar sobre Mecânica para não me chamarem extra-terrestre...)
Antes de mais … Fi ponto … Teta ponto 😊
Sala 2.12, pequeno anfiteatro á entrada!
Na fila da frente sempre as 3 lindas meninas de aeronáutica… às quais nunca bajulava com perguntas, pois essas eram para gadelhudos como eu que ficavam mais a traz.
Depois d´as meninas perceberem que as secretarias não tinham frente deixavam as partes debaixo visíveis, decidiram ocupar lugares na parte de trás.
… nesse dia a aula começou com um bombardeamento de 3 tiro a cada uma das 3 meninas. Aso quais nenhuma foi capaz de dar resposta …
Diz então … “estão a ver, ai a traz não aprendem nada, estes 3 gadelhudos lá para traz e as 3 meninas sempre aqui á frente”
Bem me lembro da Hélia da Isabel e da Alexandra colocarem as nossas pastas por baixo da secretária para travar os olhares malandrécos 😊
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