Andei a vida toda a querer saber onde é que ficava o Céu. Sabia que se me portasse bem era para lá que ia, e diziam-me que era um lugar maravilhoso. Tão maravilhoso quanto o Inferno era tenebroso. Valia a pena portar-me bem, era um bilhete para a felicidade eterna. Não sabia onde ficava, diziam-me que era lá em cima. Também não sabia onde ficava o Inferno, tinha medo só de pensar. Se me portasse mal levavam-me para lá e eu teria a eternidade toda para lamentar o meu mau comportamento. Por isso mais valia jogar pelo seguro e acreditar, não fosse chegar a hora e ser tarde demais. Havia também o purgatório, uma espécie de plataforma pré-celeste para as almas que, sendo destinadas ao Céu, não tinham no entanto entrada direta. Precisavam de expiar primeiro alguma culpa que ainda transportavam, de se purificar, e só depois estavam habilitadas a entrar no reino dos céus. Tal como acontecia com o Céu e o Inferno, eu não sabia as coordenadas do Purgatório, não sabia se era por cima ou por baixo, p’ra lá ou p’ra cá, era mais um lugar incógnito que, segundo me diziam, ninguém sabia onde ficava. Às vezes ficava a mirar o firmamento, nas noites mais límpidas, e indagava-me se o Céu não estaria nalguma daquelas estrelas luzentes. E se não estivesse onde estaria, no fundo do mar, no interior da terra, onde?!...
Imaginava muitas vezes o Céu, um lugar colorido e luminoso, onde as pessoas encontravam antigos amigos e experimentavam o expoente máximo da felicidade, e, entre outras coisas, encontravam Deus. Não imaginava como era Deus, mas não cria que tivesse forma de homem. Supunha-o incorpóreo, omnipotente, quiçá uma energia superior que manifestava a sua presença através de uma voz grave, envolvente e poderosa.
Ao invés, o Inferno era um lugar assustador, a arder, pleno de dor e sofrimento, de gritos lancinantes, onde os pecadores se reencontravam no meio das labaredas expiando para sempre a culpa de uma vida terrena a praticar o mal. E era lá que estava o Demónio, também chamado de Belzebu. Desse eu já tinha uma imagem, um monstro de cara feia e cornuda e com uma forquilha na mão.
À entrada do Céu estava São Pedro, uma espécie de assistente de Deus que ajudava no papel de coador. Só deixava entrar no Céu quem, após aturado interrogatório acerca da sua vida terrena, demonstrasse merecimento. Sobre ele edificara Cristo a sua igreja, tinha a chave dos segredos da vida e da morte, e a resposta às grandes questões nunca respondidas. Se eu pudesse sugava-lhe toda a informação secreta, perguntava-lhe sobre o destino das almas, sobre o princípio do mundo, sobre a natureza de Deus e a sua omnipotência, disparava contra ele todos os meus porquês. E far-lhe-ia aquela pergunta primordial que um dia fiz à minha catequista e que desde então nunca me abandou: onde é que fica o Céu? Era bom que o São Pedro me respondesse, mas já sei que isso não é possível. Por isso, à falta de melhor, tenho que me valer das palavras de Ney Matogrosso que, ao que parece, têm a resposta que eu procuro. Diz ele que não existe pecado no lado de baixo do equador. Ora, sabendo-se que o céu é por definição o lugar onde o pecado não existe, então facilmente se deduz que é aí que fica o Céu, no lado de baixo do equador. Mas atenção, lá por Ney Matogrosso o dizer não quer dizer que seja verdade. É preciso prová-lo. E é isso mesmo que foi proposto a um grupo de investigação da UBI, essa catedral do conhecimento. O estudo já está em curso, e assenta naquilo a que os investigadores denominaram “experimentalismo metafísico”. A comunidade científica mundial está estupefacta. Usar as ciências exatas na área da filosofia - e na teologia em particular -, explicar os dogmas de fé com recurso a formulações matemáticas, é um feito prodigioso. O pioneirismo da UBI está a colocá-la em patamares de excelência nunca antes vistos. O ultimo artigo “made in UBI”, publicado na revista Science, explica como é possível aplicar o teorema de Pitágoras ao triângulo da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Mas esta e outras descobertas são apenas passos intermédios em direção ao objetivo final: mostrar se Ney Matogrosso está certo ou está errado, se o Céu fica ou não no hemisfério sul.
As casas de apostas não têm mãos a medir. Segundo rezam as notícias o “não” vai à frente, mas ainda é muito cedo. Está tudo à espera que a UBI termine a investigação e divulgue os resultados. A inveja das outras academias pressente-se em cada canto, e até a universidade de Harvard, que vai certamente perder para a UBI o primeiro lugar no ranking, já teceu considerações depreciativas que só lhe ficam mal. As teorias da conspiração também não param de surgir. A última é que o resultado vai ser “não”, porque, como está no hemisfério norte, a UBI nunca admitirá que é a sul que está o Céu (uma questão de bairrismo, quer-se dizer, de hemisferismo).
Enfim, esperemos para ver, já não falta muito… Se a conclusão for “sim”, o caso está resolvido. No entanto, se for “não”, seguir-se-á uma segunda fase da investigação até que se determine, com exatidão, onde é que de facto fica o Céu. De uma forma ou de outra, seja qual for o desfecho, o que a história guardará é uma UBI que, certo dia, alcançou gloriosamente a imortalidade…
Gondri
Gondri
1 comentário:
esqueceste-te de referir o limbo. que é uma coisa a modos que para o esquisita com muitas algas e musgo... :P
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