quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Desconstruindo o Jet-Set

 

 

Detesto gente que se acha superior. Reparem, queridos leitores, ter dito "achar" e não ter apenas escrito a frase sem essa conjugação verbal. Reconheço excelência quando a vejo, não quando ma querem impingir. Nada mais me revolve os nervos que gentalha dessa espécie, de postura emproada e semblantes vascosos a darem-se a ares. O simples facto de se considerarem diferentes ou pertencentes a uma seita que não se mistura com os demais, transforma aquela grupeta em algo tão ridículo quão execrável é a sua razão de ser. Escondem as suas práticas intocáveis de uma forma tão estúpida quanto inconsequente. Normalmente deambulam em manada. Mais habitualmente socializam de forma contida, julgadora e sempre com o semblante vultoso de quem não se mistura com qualquer um. Para eles, os outros são menos que símios. Reles escarros da sociedade que os sustenta nas suas manias e os apascenta nas suas necessidades mais básicas. Trajam e adquirem tudo quanto é bom e rico e tratam-se por você. 

A raia miúda vê-se, normalmente, como cobaia no que toca à adopção dos seus nomes próprios com a introdução dos que fogem ao vulgo. Adoptam nomes já em desuso como forma de os tornar ainda mais diferenciados dos demais mortais. Aquilo que para o comum habitante do planeta é tido como normal, não servirá senão para preencher a árvore genealógica da criadagem e demais ralé que lhes atura as manias. Num cenário onde todos os nomes se esgotarão, imagino-os a serem baptizados de Manuel Berbequim e Maria Gadanha, como forma de tornear a questão de se ser diferente. Também é muito comum adoptarem a hifenização dos apelidos paternos como forma de reforçar a raça e demonstrar diferença, status e sobranceria.

São useiros e vezeiros em bailes e outras manifestações pífias de poder social. Comportam-se com ar distinto e introverso. Não se permitem fugir ao instituído pelos ditames da casta em que se inserem senão quando em grupos menores, da sua faixa etária. Os mais novos têm de ascender a um nirvana especial no meio da sua juventude púbere em bailes de debutância, que é uma espécie de feira de gado onde predomina o tule, os tafetás e os cetins. Orbitam em torno dos seus progenitores muito ao género dos bailes no Palácio de Versailles no tempo do Luís e da Maria, antes desta perder a cabeça.

A corja masculina traja normalmente com motivos marítimos, sem no entanto, terem tido qualquer experiência marítima que não ao leme de um iate vistoso ou de um barquinho à vela qualquer. Normalmente, estudam nos melhores colégios, sem que isso signifique um aumento considerável nos seus QI's. Aliás, os temas de conversa, versam maioritariamente sobre temas banais, porém tido como excelsos. Temas que passam ao lado do normal dos mortais mas que para eles, são de suma importância na sua trajectória de ascensão social. Não dizem asneiras nem lêem nada com palavreado porco, que isso faz mal às vistinhas. São escabrosamente polidos. Não praticam desportos que promovam o contacto físico, pois isso pode provocar lesões e isso é coisa inferior. São autênticos betinhos e candidatos por natureza a altos cargos na banca, no sistema judicial ou na vida política e são sempre membros mais activos nas "jotas" de direita. Ou isso ou são acérrimos defensores do ideal monárquico. Lutam toda a vida com unhas e dentes contra o papão do socialismo que é aquela coisa que come crianças ao pequeno almoço. Vão todos os domingos à missa porque é bem. Não porque lhes faça falta. Nem sequer sabem para o que isso serve. Podia ser a missa ou dançarem um fandango em tanga, que, desde que tal prática fosse institucionalmente aceite, seria costumeira e comummente aceite. 

Já o zoo feminino é outra coisa. São formadas para serem coisa nenhuma. Meros adereços da parte masculina e com graus de preocupações mínimos. Troféus para troca entre as diversas castas, de forma eugénica, educadas a rigor para a continuidade da raça durante longos períodos da história. Não se lhes é atribuído nenhum cargo importante que não o de estarem sempre predispostas à procriação e marcação de chás e outros eventos dedicados à cáfila predominante. Sempre que podem ou lhes é permitido, aventuram-se no exterior sob a forma de Madres Teresas, dispostas a ajudar os ímpios a fim de alcançarem um nirvana pessoal que apenas lhes preenche o currículo. Encabeçam movimentos solidários, sem, no entanto, arregaçarem as mangas para tocar seja no que for, que está sujo e é horrível. É vê-las, vezes sem conta, demonstrarem o seu desagrado e repulsa quando na presença de um indigente, sujeito que as faz fugir dali como quem foge da peste. Ao mais pequeno miasma de podridão os seus ADN's sofrerão mutações irreparáveis. Mais do que a ala masculina, a feminina faz uma triagem aprofundada ao LOP dos seus potenciais parceiros, quebrando algumas vezes o hermetismo nacionalista e cruzando-se com candidatos provenientes de outras casas, sempre europeias. 
 
Em tempos, houve um caso de perfeita adaptação por parte de um caloiro da UBI que pouco tempo depois de ter chegado e se ter desconfiado da sua proveniência aristocrática, foi incumbido de conduzir a burra na latada. O moço achou tanta piada ao acontecimento que jurou a pés juntos conduzir a burra sempre que pudesse em latadas futuras. Mal as fotografias do evento começaram a circular nos meandros familiares, levou uma reprimenda tal, que foi proibido de frequentar o clube de vela do qual fazia parte em Cascais e para castigo, o pai providenciou que ele fosse o caddy de um novo rico qualquer, nos campos de golfe da zona. 
 
Também existem relatos de uma caloira ubiana que tão depressa passou de "tia" a "enteada", tal a forma como deixou de vez a fonética típica de tal raça, pondo de parte o "p'cebe" e o "oh rica" e dando liberdade ao calão mais normal de uma rapariga daquela idade. O facto de andar sempre com um "cão a pilhas" enfiado na sua valise, também não ajudou à missa, tendo sida interpelada várias vezes pelo conselho pedagógico com um rotundo "Ou a menina ou o cão! Só recebemos o pagamento de propinas de um!". Tais ocorrências não passaram despercebidas à progenitura que assim que pôde, enviou-a para um colégio interno nos arredores da Merdaleja com o intuito de lhe aplacar tais vociferações. Debalde, já que, de volta à Covilhã, a sonoridade vigente rapidamente se apoderou das suas cordas vocais, trazendo-a à normalidade. Hoje, é formada em Gestão e é dona de uma grande central de camionagem. É tida como uma mulher que sabe comunicar com os funcionários porque não têm manias de "gente riquérrima, sei lá...".
 
Os progenitores são um misto de inexperiência com vaidades, trafulhice e desdém. Dormem em quartos separados porque isto de dar uma bufa debaixo dos lençóis é pratica que só se vê nas classes inferiores. O socielite não se peida; alivia-se timidamente. O jet-set, não caga; defeca. A aristocracia não arrota. Permite abrir a válvula do ar com comedimento e dissimulação. Normalmente gozam de uma fortuna que nem é assim tão avultada quanto isso. Porém é gerida religiosamente através de um gestor de fundos, aparentado e com jeito para alta finança, que lhes permite usufruir de uns pés de meia relativamente generosos para, quanto mais não seja, poderem cortar as unhas. São habitués nos centros de estética e plástica, já que há uma grande tendência para que as avós se pareçam da idade das netas. Não rogam pragas, porém adoram uma coscuvilhice qualquer gerada por um vidente da alta, que lhes propicia mais delicias que o Zandinga a apregoar que a Ponte D. Luis tinha os dias contados. Há muito que deixaram de procriar. Porém aliviam-se com elementos do sexo oposto amiúde desde que o dito parceiro não dê com a língua nos dentes. Para isto, qualquer um servirá para lhes proporcionar momentos de êxtase, desde que previamente lavado. Normalmente são pessoas descartáveis e de estatuto inferior. A maior parte deles, acredita facilmente no conto do vigário, como foi com o caso de Ricardo Salgado e companhia.

Sobrevivem, ninguém sabe como nem porquê, e é estranho ainda não terem dado em maluquinhos à custa das misturadas que fazem dentro da espécie. Até um cão tem um registo de pedigree mais cuidado. Além de que, por ser cão, estabelece melhor comunicação com os seus donos.


4 comentários:

Nuno Ramos disse...

Estimádo António, já estava com saudades do privilégio da leitura do teu infindável manancial.
Nota - se que dizendo verdades, acordaste hoje mal disposto.
Parabéns.

António Matias disse...

LOL

Ehpá... esta "má disposição" é habitual ;)
Abraço.

Gondri disse...

Continuo a ser um ávido aluno das tuas lições de vocabulário. Mais um texto à campeão. Parabéns.

João Leonardo disse...

Noto que estás mais nervoso desde o teste anti-virus!Terá havido manipulação do resultado e será efeito do bicho??Ou isso ou esqueceste-te de pôr açúcar hoje no café!!😂😂Estás mesmo aborrecido com a aristocracia!