Covilhã, Jogos Olímpicos de Verão de 2668
Todo o país prepara-se com afã para mais uma edição dos Jogos Olímpicos da Era Tecnológica. Já longe vão os tempos em que as modalidades separavam géneros e, principalmente, no período pós pandémico (lembram-se do Covid19 no XXI?) toda a sociedade evoluiu no sentido de tornar todos os eventos desportivos assexuais, por forma a que todos os géneros e convicções individuais pudessem participar nas mesmas provas. O mundo fartou-se de polémicas. Fartou-se de imposições. Fartou-se de guerras. Fartou-se de conflitos gerados pela intolerância e decidiu reformular a prova.
Hoje, androides, humanoides e outros especímoides participam ombro a ombro com os (já poucos) homens e mulheres ainda existentes.
As provas, por consequência, foram alteradas e adaptadas. Chegou-se a um marasmo competitivo. Os antigos recordes não foram mais batidos durante décadas, estabelecendo assim, marcas que jamais se ultrapassariam. Chegaram a haver olimpíadas com menos share nas tv's do que as novelas turcas da SIC Mulher. Estações chegaram a encerrar portas por falta de audiência e era um perigo arriscar-se a transmissão do evento.
A antiga humanidade tinha atingido todos os limites possíveis e imaginários. Num esforço concertado, conseguiu-se que o espírito de Coubertain não fosse esquecido e revolucionou-se o evento. Foram repensadas as modalidades antigas e adaptadas a novos estímulos e desafios. Foram criadas novas provas por forma a que todos, sem excepção, pudessem participar.
No entanto, os festivais desportivos deixaram de necessitar de estádios novos a cada quatro anos, podendo ser transmitidos em qualquer lugar, fosse na rua, armazéns ou até casas próprias. A sociedade não se compadeceu com esbanjamentos fúteis de dinheiros que acabaram sempre por prejudicar o povo. E mesmo que se saiba que os Chineses continuam a dominar o que quer que seja, (também são exponencialmente mais do que os outros), o ligeiramente maior mas ainda assim - pequeno Portugal continuou a dar provas de resistência e é, neste evento, um dos países mais respeitados e consagrados mundialmente.
A anexação da Galiza e retomada de Olivença aumentou-nos o território, a população e o número de participantes. A prova deixou de ser exclusiva dos atletas. Qualquer cidadão, maior de idade, ao entregar as declarações de IRS recebe uma senha com um código que estará sujeito a sorteio. Nunca se viu tamanha ligação de afecto entre contribuintes e repartições de finanças.
Desapareceram provas que, já de si, criavam um fosso enorme entre os géneros predominantes.
- A Halterofilia, foi banida. Chegou-se à conclusão que a prova apontaria em sentido único e nem mesmo com a participação de transgéneros nas provas femininas a coisa corria bem. Chegou a haver motins por causa disso e o impacto social teve consequências graves.
- O lançamento do disco, foi substituído pelo arremesso do boomerangue, onde todos os participantes concorrem ao mesmo tempo, lado a lado. Ganha quem conseguir (apanhar com) mais boomerangues.
- As corridas de obstáculos, saíram do tartan para grandes pavilhões com muito móveis carregados de pechisbeque, bugigangas e tralha cerâmica, onde o objectivo é cumprir um percurso traçado no chão, no menor tempo e se possível sem derrubar a dita tralha decorativa que os nossos antepassados usavam em casa e que os seus sucessores iam herdando, nunca sabendo o que fazer áquilo. Ainda hoje se nota algo de catártico no decorrer da prova, sempre que alguma peça é derrubada. Ainda para mais porque a prova é efectuada com humanos e humanoides com mais de 250Kgs. Pode durar mais de 4 horas. E os corredores só têm 60cm de largura. Quem boicota esta prova constantemente são os chineses porque consideram que esta prática destrutiva é uma afronta ao passado cultural e ao nascer de uma antiga economia de mercado que os sustentou durante largas décadas durante os séculos XX e XXI. Portugal sugeriu que o pó recolhido dos cacos partidos fosse reutilizado na construção de vias e autoestradas e revelou-se uma grande mais valia a nível mundial. Hoje temos mais autoestradas que qualquer outro país do mundo. A A963 entre a Arrifana e S. João da Madeira e e o IP 1315 entre a cantina de Sto. António e o Tortosendo são os troços mais movimentados.
- A prova do lançamento do dardo foi substituída pelo lançamento de um objecto de uso diário e extremamente útil que é o palito dos dentes.
- O lançamento do peso é feito nas repartições públicas numa alusão clara ao peso da burocracia. O objectivo é transportar uma pilha de processos desde a entrada do edifício até uma divisão escolhida pelo júri a fim de obter-se um carimbo de aprovação. Os concorrentes não sabem que divisão é essa. Às vezes nem os próprios juízes têm a certeza absoluta de onde fica a tal divisão. Os concorrentes além de irem sem saber por onde começar, vão com os olhos vendados e terão de responder a inquéritos sem fim ou serem transferidos para outras divisões antes de obterem o tão desejado carimbo. Cada prova, normalmente tem uma duração aproximada de mês a mês e meio porque a maior parte do tempo, é passada a dormir. Logo que um participante descobre qual a divisão certa, arremessa o processo para o centro da mesma.
- Os 100m foram substituídos por uma prova de 60m de passeio à trela de animais que não se possam ver. Cães e gatos, mais lebres, ratazanas e outros, concorrem no mesmo pé de igualdade, a bem da inclusão. Para estimular a competitividade, os concorrentes têm uma perna atada a uma das patas dos animais. Os animais devem jejuar durante 3 dias a fim de obterem os mínimos olímpicos requeridos. O concorrentes também. Se possível no mesmo espaço. Exíguo e às escuras como mandam os trâmites.
- As provas de natação foram abolidas. Muitos robôs queixavam-se que não conseguiam manter-se à tona da água. Concordaram em participar nas provas de saltos para a água com a condição de alguém os ir buscar ao fundo da piscina. Acabou por se tornar algo infrutífero, porque em muitos casos, a organização via-se na necessidade de esvaziar a piscina para os ir recolher.
À excepção da prova dos 60m de trela, todas as outras provas que envolvessem animais foram extinguidas.
- O hipismo acabou e optou-se pelo "aboborismo". No princípio só os gajos do PAN acharam que aquilo era decadente para os cavalos e depois vieram os vegetarianos a afins, dizer que brincar com a comida era indecente. No meio da história, salvaram-se os jóqueis que do alto dos seus 1,30m continuaram a conseguir ser incluídos em provas decentes. As provas agora são feitas com aquelas bolas gigantes que há nos ginásios. Sim, daquelas com dois corninhos. Para evitar mais confusões. É atada uma mecha acesa à bola é o objectivo é cumprir um percurso com obstáculos de hipismo. A prova termina quando acontece uma de duas coisa: ou a bola explode, ou se pega fogo ao jóquei. Em ambos os casos, mede-se sempre a distância percorrida e ganha quem tiver mais. Tivemos um aluno da UBI tetraneto do Marques Mendes, campeão olímpico nesta modalidade durante 20 anos.
- Na esgrima, sabres e floretes foram substituídos por mata-moscas. Transformou-se algo monótono cujas regras nunca ninguém percebeu por algo mais divertido. A meta é atingir 30 chapadas. Ou provocar a desistência do adversário. (O Record mundial é português. O recordista é aparentado de uma figura mítica da história que era a Padeira de Aljubarrota e conseguiu 31 pancadas porque a última ressaltou). Substitui-se o "touché" por um "chupé".
- As provas físicas de contacto são o prato forte. Todas as quezílias a nível mundial são resolvidas no ringue. Aos vencedores, a glória. Aos vencidos, o rosto desfeito e um pedido público de desculpas. Só se poderão voltar a defrontar duas nações, passados 20 anos. Tem resultado. O mundo tem vivido anos de paz. De vinte em vinte anos. O que já não é mau.
- As provas de ciclismo são efectuadas em vias urbanas durante as horas de ponta. É possível pedalar tanto em estrada como nos passeios e passadeiras. A regra do metro e meio não existe. O percurso tem 200m de comprimento e é raro ser terminado. Também é possível os concorrentes verem a reacção do público. Por forma a que haja mais interacção e espectacularidade, o público é incentivado a "enviar com decência" os ciclistas para as pistas que menos estorvem o passeio pedonal. As bicicletas já não são de fibra de vidro nem materiais leves. Parecem-se tractores mas com duas rodas. Os ciclistas vestem a mesma coisa de há quinhentos ou mais anos.
- Continua a ser na Maratona que focam todas as atenções e é a última prova do calendário. A populaça acorre às ruas para incentivar e torcer pelos corredores, de uma forma só vista quando o Sporting ganhava campeonatos. Há uma curiosidade quase mórbida em se saber quem é que, no meio daquela multiplicidade de género, identidade ou forma, levará para casa uma estatueta dessa lenda do desporto mundial que foi a Jarmila Kratochvilova. Uma beldade checa com grandes tomates que brilhou nas longínquas olimpíadas do final do século XX. É correr até cair para o lado. O recordista em título é um etíope que começou a correr há 30 anos atrás e nunca mais ninguém o viu...