quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Covilhã, Jogos Olímpicos 2668


Covilhã, Jogos Olímpicos de Verão de 2668

Todo o país prepara-se com afã para mais uma edição dos Jogos Olímpicos da Era Tecnológica. Já longe vão os tempos em que as modalidades separavam géneros e, principalmente, no período pós pandémico (lembram-se do Covid19 no XXI?) toda a sociedade evoluiu no sentido de tornar todos os eventos desportivos assexuais, por forma a que todos os géneros e convicções individuais pudessem participar nas mesmas provas. O mundo fartou-se de polémicas. Fartou-se de imposições. Fartou-se de guerras. Fartou-se de conflitos gerados pela intolerância e decidiu reformular a prova.

Hoje, androides, humanoides e outros especímoides participam ombro a ombro com os (já poucos) homens e mulheres ainda existentes.

As provas, por consequência, foram alteradas e adaptadas. Chegou-se a um marasmo competitivo. Os antigos recordes não foram mais batidos durante décadas, estabelecendo assim, marcas que jamais se ultrapassariam. Chegaram a haver olimpíadas com menos share nas tv's do que as novelas turcas da SIC Mulher. Estações chegaram a encerrar portas por falta de audiência e era um perigo arriscar-se a transmissão do evento. 

A antiga humanidade tinha atingido todos os limites possíveis e imaginários. Num esforço concertado, conseguiu-se que o espírito de Coubertain não fosse esquecido e revolucionou-se o evento. Foram repensadas as modalidades antigas e adaptadas a novos estímulos e desafios. Foram criadas novas provas por forma a que todos, sem excepção, pudessem participar.

No entanto, os festivais desportivos deixaram de necessitar de estádios novos a cada quatro anos, podendo ser transmitidos em qualquer lugar, fosse na rua, armazéns ou até casas próprias. A sociedade não se compadeceu com esbanjamentos fúteis de dinheiros que acabaram sempre por prejudicar o povo. E mesmo que se saiba que os Chineses continuam a dominar o que quer que seja, (também são exponencialmente mais do que os outros), o ligeiramente maior mas ainda assim - pequeno Portugal continuou a dar provas de resistência e é, neste evento, um dos países mais respeitados e consagrados mundialmente.

A anexação da Galiza e retomada de Olivença aumentou-nos o território, a população e o número de  participantes. A prova deixou de ser exclusiva dos atletas. Qualquer cidadão, maior de idade, ao entregar as declarações de IRS recebe uma senha com um código que estará sujeito a sorteio. Nunca se viu tamanha ligação de afecto entre contribuintes e repartições de finanças.

Desapareceram provas que, já de si, criavam um fosso enorme entre os géneros predominantes.

- A Halterofilia, foi banida. Chegou-se à conclusão que a prova apontaria em sentido único e nem mesmo com a participação de transgéneros nas provas femininas a coisa corria bem. Chegou a haver motins por causa disso e o impacto social teve consequências graves.

- O lançamento do disco, foi substituído pelo arremesso do boomerangue, onde todos os participantes concorrem ao mesmo tempo, lado a lado. Ganha quem conseguir (apanhar com) mais boomerangues.

- As corridas de obstáculos, saíram do tartan para grandes pavilhões com muito móveis carregados de pechisbeque, bugigangas e tralha cerâmica, onde o objectivo é cumprir um percurso traçado no chão, no menor tempo e se possível sem derrubar a dita tralha decorativa que os nossos antepassados usavam em casa e que os seus sucessores iam herdando, nunca sabendo o que fazer áquilo. Ainda hoje se nota algo de catártico no decorrer da prova, sempre que alguma peça é derrubada. Ainda para mais porque a prova é efectuada com humanos e humanoides com mais de 250Kgs. Pode durar mais de 4 horas. E os corredores só têm 60cm de largura. Quem boicota esta prova constantemente são os chineses porque consideram que esta prática destrutiva é uma afronta ao passado cultural e ao nascer de uma antiga economia de mercado que os sustentou durante largas décadas durante os séculos XX e XXI. Portugal sugeriu que o pó recolhido dos cacos partidos fosse reutilizado na construção de vias e autoestradas e revelou-se uma grande mais valia a nível mundial. Hoje temos mais autoestradas que qualquer outro país do mundo. A A963  entre a Arrifana e S. João da Madeira e e o IP 1315 entre a cantina de Sto. António e o Tortosendo são os troços mais movimentados.

- A prova do lançamento do dardo foi substituída pelo lançamento de um objecto de uso diário e extremamente útil que é o palito dos dentes.

- O lançamento do peso é feito nas repartições públicas numa alusão clara ao peso da burocracia. O objectivo é transportar uma pilha de processos desde a entrada do edifício até uma divisão escolhida pelo júri a fim de obter-se um carimbo de aprovação. Os concorrentes não sabem que divisão é essa. Às vezes nem os próprios juízes têm a certeza absoluta de onde fica a tal divisão. Os concorrentes além de irem sem saber por onde começar, vão com os olhos vendados e terão de responder a inquéritos sem fim ou serem transferidos para outras divisões antes de obterem o tão desejado carimbo. Cada prova, normalmente tem uma duração aproximada de mês a mês e meio porque a maior parte do tempo, é passada a dormir. Logo que um participante descobre qual a divisão certa, arremessa o processo para o centro da mesma.

- Os 100m foram substituídos por uma prova de 60m de passeio à trela de animais que não se possam ver. Cães e gatos, mais lebres, ratazanas e outros, concorrem no mesmo pé de igualdade, a bem da inclusão. Para estimular a competitividade, os concorrentes têm uma perna atada a uma das patas dos animais. Os animais devem jejuar durante 3 dias a fim de obterem os mínimos olímpicos requeridos. O concorrentes também. Se possível no mesmo espaço. Exíguo e às escuras como mandam os trâmites.

- As provas de natação foram abolidas. Muitos robôs queixavam-se que não conseguiam manter-se à tona da água. Concordaram em participar nas provas de saltos para a água com a condição de alguém os ir buscar ao fundo da piscina. Acabou por se tornar algo infrutífero, porque em muitos casos, a organização via-se na necessidade de esvaziar a piscina para os ir recolher.

À excepção da prova dos 60m de trela, todas as outras provas que envolvessem animais foram extinguidas.

- O hipismo acabou e optou-se pelo "aboborismo". No princípio só os gajos do PAN acharam que aquilo era decadente para os cavalos e depois vieram os vegetarianos a afins, dizer que brincar com a comida era indecente. No meio da história, salvaram-se os jóqueis que do alto dos seus 1,30m continuaram a conseguir ser incluídos em provas decentes. As provas agora são feitas com aquelas bolas gigantes que há nos ginásios. Sim, daquelas com dois corninhos. Para evitar mais confusões. É atada uma mecha acesa à bola é o objectivo é cumprir um percurso com obstáculos de hipismo. A prova termina quando acontece uma de duas coisa: ou a bola explode, ou se pega fogo ao jóquei. Em ambos os casos, mede-se sempre a distância percorrida e ganha quem tiver mais. Tivemos um aluno da UBI tetraneto do Marques Mendes, campeão olímpico nesta modalidade durante 20 anos.

- Na esgrima, sabres e floretes foram substituídos por mata-moscas. Transformou-se algo monótono cujas regras nunca ninguém percebeu por algo mais divertido. A meta é atingir 30 chapadas. Ou provocar a desistência do adversário. (O Record mundial é português. O recordista é aparentado de uma figura mítica da história que era a Padeira de Aljubarrota e conseguiu 31 pancadas porque a última ressaltou). Substitui-se o "touché" por um "chupé".

- As provas físicas de contacto são o prato forte. Todas as quezílias a nível mundial são resolvidas no ringue. Aos vencedores, a glória. Aos vencidos, o rosto desfeito e um pedido público de desculpas. Só se poderão voltar a defrontar duas nações, passados 20 anos. Tem resultado. O mundo tem vivido anos de paz. De vinte em vinte anos. O que já não é mau.

- As provas de ciclismo são efectuadas em vias urbanas durante as horas de ponta. É possível pedalar tanto em estrada como nos passeios e passadeiras. A regra do metro e meio não existe. O percurso tem 200m de comprimento e é raro ser terminado. Também é possível os concorrentes verem a reacção do público. Por forma  a que haja mais interacção e espectacularidade, o público é incentivado a "enviar com decência" os ciclistas para as pistas que menos estorvem o passeio pedonal. As bicicletas já não são de fibra de vidro nem materiais leves. Parecem-se tractores mas com duas rodas. Os ciclistas vestem a mesma coisa de há quinhentos ou mais anos.

- Continua a ser na Maratona que focam todas as atenções e é a última prova do calendário. A populaça acorre às ruas para incentivar e torcer pelos corredores, de uma forma só vista quando o Sporting ganhava campeonatos. Há uma curiosidade quase mórbida em se saber quem é que, no meio daquela multiplicidade de género, identidade ou forma, levará para casa uma estatueta dessa lenda do desporto mundial que foi a Jarmila Kratochvilova. Uma beldade checa com grandes tomates que brilhou nas longínquas olimpíadas do final do século XX. É correr até cair para o lado. O recordista em título é um etíope que começou a correr há 30 anos atrás e nunca mais ninguém o viu...

sábado, 9 de setembro de 2023

DOIS ESTUDANTES FIZERAM A PONTE LINGUÍSTICA NA UBI

O Teodósio era um puto recém chegado à UBI, tímido como o raio, muito ensimesmado e que não era visto propriamente como aquele colega que, mesmo que passasse pelos pingos da chuva, poderia haver aqui ou ali algum nerd que lhe fosse mais chegado. Não era mal formado ou mal educado mas também não era necessariamente um íman social. A rotina diária, sempre solitária, tinha apenas três pontos no seu GPS interno: casa, Universidade e cantina.

Certo dia, um daqueles cuja meteorologia metia medo ao susto, conheceu Minerva, uma moça que vinha em Erasmus proveniente do Instituto Politécnico de Vaduz, onde, apenas por um alinhamento astral improvável, era a versão dele em feminino. Quis o acaso que tivessem de comer juntos nas cantinas de Sto. António uma vez que todos os lugares estavam ocupados. Por pessoas, por mochilas ou amigos invisíveis. E eles eram tímidos demais para pedirem para se sentar junto de outros colegas. 

Ficaram portanto ali especados um em frente ao outro e, aos poucos, foram desenvolvendo um dialecto próprio - ela não pescava uma de português e ele via-se da cor da abelha para perceber liechtensteiniano - bastante satisfatório a nível auditivo porém muito vago ao nível cognitivo. E essa interacção apenas se produzia através de onomatopeias consoante o que iam achando da comida. Em certa medida, dois alunos com evidentes problemas relacionais e comportamentais por resolver, interagiam como dois Neandertais em volta de um javali no espeto. Isto provocou uma onda de indignação e espanto perante os demais colegas que ao longo dos tempos iam-se apercebendo que afinal de contas aqueles dois tinham quebrado uma barreira linguística de uma forma que poderia servir de base para uma tese de doutoramento qualquer. Não era de estranhar  portanto, que a malta de Sociologia fosse aquela que se sentava ao redor, a fim de ir captando aqui e ali algum motivo para aprofundar. 

Não pensem no entanto que era sempre uma conversa cordial. Minerva era vegan e Teodósio era carnívoro. O que provocava grandes altercações entre os dois por falta de acordo e por, cada um e à vez, irem derrimindo os argumentos do outro. A conversa ficava feia quando ela argumentava em modo grunhido insatisfação por ele estar a mastigar um peru ou quando ele queria à força toda que ela experimentasse salpicão. Mas em contraponto era um deleite para os sentidos vê-los quase orgásticos a degustar um bróculo envolvido numa folha de alface. O êxtase era tal que numa vez foram chamados à reitoria para dar explicações. Não por o reitor ser meio tã-tã (todos sabemos que alguns reitores parecem sê-lo mas ninguém se atreve a dizê-lo) mas porque tinham decidido fazer uma table dance em bottomless depois de espalharem paté de grão de bico no alho francês de um auxiliar que ia a passar.

O pouco que se sabe deles é que ela voltou a Erasmar em Nice, Fucking e Bro (França, Áustria e Suécia) enquanto ele voltou para a Coina onde é professor de Álgebra. Encontram-se todos os anos em Kagar na Alemanha para pôr a conversa em dia.

sábado, 24 de julho de 2021

Library or gymnasium, that’s the question…

 




Este aqui da foto é o Asdrubal. O sonho dos seus pais sempre foi que tirasse um curso na melhor universidade do país – a UBI, claro – mas ele resolveu desenvolver os músculos. O pior é que enganou-se nos músculos, em vez de desenvolver os músculos do cérebro andou mas é a desenvolver tudo o que era músculo à volta da carcaça. Andou a bater ferro nos ginásios forte e feio, a meter para o bucho esteroides anabolizantes e outras merdas, e agora é muita parra e pouca uva no que respeita à inteligência. Aliás, de uva só vestígios, é burro que nem um carro de bois. 
O Asdrubal até já está arrependido de não se ter agarrado aos livros, apesar de não o admitir. O seu melhor amigo de infância, o Tílio, anda a estudar na UBI e de vez em quando manda-lhe umas fotografias da biblioteca só para o picar, “estás a ver, se te dedicasses mais aos livros em vez de só andares metido nos alteres, agora estavas aqui comigo na Covilhã e era uma curtição”. O Ardrubal no fundo até concorda com ele, mas para não dar parte de fraco manda-lhe de resposta umas fotos à Schwarzenegger, com a legenda, “mete aqui os olhos, ó lingrinhas”.
Se não fosse tão vaidoso e não fizesse sucesso com as pequenas desde tenra idade, provavelmente o Asdrúbal não se teria dedicado só ao corpo. Mas as miúdas eram como moscas de volta dele, e, não resistindo ao narcisismo, acabou viciado no espelho. Quando envelhecer, as peles flácidas que antes eram músculos vão-lhe andar a abanar no esqueleto, e não será nem bonito nem interessante. E aí é que vai lamentar a sério nunca ter posto os pés numa biblioteca, e ter passado a vida metido num ginásio… 

É o maior entre os demais
uáu, ninguém o segura…
um sonho de abdominais
e bíceps em curvatura

estiloso como os pavões
assim c’um ar de Las Vegas
desaperta no peito uns botões
e as miúdas ficam cegas!

é um verdadeiro machão
ginásio é que não dispensa
um corpinho à campeão
o pior é quando pensa…

quando pensa é só asneira
ideias de intestino grosso
ó que asno de primeira
tem burrice até ao osso…

sempre foi impressão minha
que o mal dos nossos dias
é estarem os ginásios à pinha
e as bibliotecas vazias...

Gondri

sábado, 10 de julho de 2021

Ai de nós se o cão – esse ser fofinho e amado - fica como nós…

 


O cão antes era um animal doméstico, agora faz parte da família. Mas nunca é pai, tio ou avô, é sempre filho, sobrinho, ou neto. O pai é o dono, o tio e o avô são respetivamente o irmão e o pai do dono. O cão nunca é pai, não consegue ter essa responsabilidade. Tem descendência, cachorrinhos, mas não lhes dá banho, não os leva a passear nem ao veterinário, não lhes compra um bolo de anos no dia do aniversário, não lhes dá comida nem roupa lavada, nada. O cão se não tem carraças é porque o pai previne o aparecimento delas, se não está doente é porque o pai o levou à vacina, o cão é mais sortudo do que o frango, o porco, ou o coelho. E não precisa de ter vergôntea na árvore genealógica para ser parente, está isento. Os testes de DNA também não dão para ver se o atual dono é que é de facto o pai, há uma série de coisas que não funcionam com o cão. Também não consegue tirar a primeira classe, quanto mais a quarta, o liceu népias, e a faculdade nem se fala. O cão no fundo é como seja um homem a quem tiraram a inteligência. E se lhe tiraram a inteligência também lhe tiraram a maldade. As pessoas burrinhas são as mais puras e as que não têm instintos malévolos. Deixem o cão continuar a ser assim, a não aprender a ler nem a escrever, como as pessoas acéfalas. Se o cão evoluísse para outro patamar deixava automaticamente de ser amoroso e de devotar aos donos um amor incondicional. Deixem-no ser dependente: se deixar de o ser fará frente aos donos e desejará o poder deles. O cão é o que é, esse ser fofinho e amado, porque tem um cérebro limitado, porque, coitadinho, não dá mais do que aquilo. Por isso não desejem que lhe cresça o cérebro, deixem que a sua natureza o mantenha como está. Ai de nós se o cão fica como nós… 
Aliás, assim como há quem diga que o homem nunca pôs os pés na lua, ou, pior ainda, que a terra é plana, também há quem pense que o cão tende a ficar como nós. Dizem os seguidores dessa corrente de pensamento que a gradual humanização e partilha de espaços e momentos, o contacto com a inteligência e com o esplendor linguístico que carateriza a comunicação entre humanos, está a produzir uma expansão fisiológica do cérebro dos caninos de tal forma explosiva que, mais cedo do que se imagina, as aptidões do cão equiparar-se-ão às dos humanos. Com o passar do tempo o desnível abissal entre as faculdades mentais dos dois ir-se-á encurtando, os QI ir-se-ão igualando, e aquilo que hoje não passaria de um milagre há de ser um dia algo tão normal e previsível como ir à janela de manhã para ver o sol que desponta no horizonte. E quando isso acontecer o cão deixará de ser aquela doçura mimosa que todos adoram e passará a ser uma ameaça de quatro patas. Queira por isso Deus que os que acreditam que o cão atual evoluirá para o “canis sapiens sapiens” estejam errados. Os homens só protegerão e amarão os cães enquanto eles continuarem a ser criaturas básicas e previsíveis. Ai de nós se o cão fica como nós…

Gondri



domingo, 27 de junho de 2021

Eu gosto de panquecas...

Eu não sou muito de fundamentalismos no que diz respeito ao decoro na linguagem, mas reconheço que vir para o pé das crianças dizer que se gosta de panquecas, quecas quecas, ultrapassa os limites do razoável. Por muito que eu não queira tenho que dar razão ao bronco do diácono Remédios, de facto não havia nechechidade. Mas as panquecas e suas derivações não são caso único. Um murcão do Porto se quiser ser decente jamais poderá adaptar à sua realidade a máxima de que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher, sob pena de lhe sair, sem querer, que por trás de um grande murcão está sempre uma grande murcona. Embora seja uma alteração rebuscada e pouco natural, mandaria o bom senso, digo eu, que o murcão se referisse à sua donzela como sendo uma murcã, evitando assim a fonética vaginal de rima indecorosa que não fica bem a ninguém. Felizmente a língua portuguesa não é malcriada e reservou para a fêmea do falcão a designação de “falcão-fêmea” poupando-nos a todos a mais uma pouca vergonha. O furacão tem mais sorte porque vive solteiro, não se lhe conhece mulher, tal como o beliscão. Já o buracão tem que se preocupar com as senhoras da freguesia da Buraca porque há quem seja tentado a chamar-lhes buraconas sem medir as consequências. Um roubo por esticão é sempre por esticão, não está escrito em lado nenhum que se em vez de ser um ladrão for uma ladra o roubo passe a ser por esticona. Já relativamente ao macacão a coisa varia: se o macacão peça de vestuário se mantém macacão quando veste uma donzela, já o macacão de símio não se livra de passar a macacona quando se inverte o sexo. Aquelas duas sílabas de sufixo conspurcam a linguagem, caem mal no ouvido, aludem a uma conhecida asneira que é das piores e que à custa dela já muitos petizes foram castigados com pimenta na língua. A chaputa, peixe do mar, também não se livra do estigma, nem ela nem o aprendiz de computadores que já computa, ou o cirurgião que amputa. E muitos mais casos povoam a língua, casos que devem ser evitados a todo o custo, caso contrário cai-se na prevaricação oral. Claro que as ambiguidades tipo sexo horal, de hora a hora, também carregam o risco de confusão, isso e outros casos não tão óbvios como por exemplo o dos coelhos de tamanho XXL, a que se chama coelhões, e que beneficiam daquele "e" entalado entre o “o” e o “l” para  acalmar os púdicos…. Outra coisa que não se pode ter é falta de um punho. Se for de uma perna ou de uma mão a coisa resolve-se com perneta e maneta, agora um punho é mais complicado. Palavras há, no entanto, que não sendo palavrões proibidos são pelo menos palavras feias, como por exemplo o símbolo que representa o cobre na tabela periódica. O próprio Mário Soares, que tinha umas bochechas assemelhadas a nádegas, era designado pelos seus detratores por “cara de cu”, apesar de não haver qualquer dúvida de que o cu era mais abaixo. Até o cuco no seu cu-cu se porta mal, o cu anda na boca de muita gente e não devia. Há também um problema com aqueles que não têm herdeiros, e que, não sabendo quem os herdará, não hesitam em proferir, onde calha e em voz alta, “afinal quem é que m’herda?! A lista de irregularidades é vasta mas não vale a pena sujar mais esta crónica com palavrões e afins. Nem tentar tirar o “n” de uma pinça com outra pinça porque sem “n” a coisa fica feia. Até o bacalhau que é bem comportado se inibe de querer alho, sem perceber que o esforço é em vão. Afinal, passar de “o bacalhau quer alho” para “o bacalhau não quer alho” não muda nada nos termos da indecência cacofónica. Os cidadãos mais respeitosos contornam a asneirice com recurso à semelhança fónica, e então lançam interjeições tipo “fosga-se!” em lugar das genuínas, que são imorais, ou mandam alguém para o carvalho aproveitando a presença do “v” para se purificarem. Em alternativa também se pode mandar para o Ramalho, desde que não seja o Eanes, óbvio, que esse é um dos homens mais íntegros deste país e com a grandeza não se brinca. Eh pah, há tanta coisa para dizer sobre isto que se me desse para ser exaustivo nunca mais daqui saía, e também não quero ser chato e sujeitar-me a que me mandem para o lugar dos chatos, se é que me entendem…
Muitos estarão a pensar, “mas o gajo ainda não falou da UBI”, e de facto não falei, mas vou falar. Na UBI dizem-se asneiras, cacofonias e sufixos indecentes como em qualquer outro lugar, é certo que sim. Mas não se debitam impropérios à frente de crianças. Quem cantasse essa indecorosa cantilena do “eu gosto de panquecas, quecas, quecas”, à frente de crianças, na nossa querida e impoluta UBI, seria liminarmente saneado da instituição e jamais voltaria a pisar solo ubiano. Ainda se fosse tipo “eu gosto muito de copular, lar, lar”, aí tudo bem. Ensinar crianças a gostar do seu lar, da sua casinha, da sua família, esse sim, é um ensinamento muito são e muito digno. Que é como quem diz, um ensinamento muito ubiano.

Gondri



segunda-feira, 14 de junho de 2021

um primo afastado do coronavírus...


O Leonardo, carioca de gema, desde petiz que ia de carona do Rio para São Paulo, e vice-versa. E chegou a uma altura que já ia de carona p’ra todo o lado, correu o Brasil de lés a lés, um infindável “caronista”, como ele se próprio se intitulava.
Era um génio a pedir carona. Um aspeto limpo e cordial, braço estendido de polegar virado ao céu, e aquilo era matemático, à primeira cavadela minhoca, o primeiro carro que passasse parava. Ele próprio estranhava aquela mestria a pedir carona…
Um dia não foi só ele a estranhar. Com base nos seus relatos, o Prof Neymar, um cientista de nomeada, resolveu tomar conta da ocorrência e lançou a bomba na comunidade científica. Numa primeira fase confirmou com os seus próprios olhos a incrível veracidade dos factos: o Leonardo, mal estendia o braço, era tiro e queda, o primeiro carro que passasse parava, era carona certa, não falhava. Começou a pôr hipóteses em direção a uma teoria que tardava muito mais do que as caronas do Leonardo. À falta de melhor hipótese chegou ao absurdo de pensar que seria sorte, mas depressa abandonou esse disparate que colidia frontalmente com a teoria das probabilidades. A sorte tinha-se uma vez ou outra, pensou, a sorte, a felicidade, ou aquilo que se lhe quisesse chamar, mas jogar cem vezes na sorte grande e ganhar as cem não era uma coisa deste mundo. Milagre também não seria, a mente científica do Prof Neymar era impermeável ao sobrenatural, tudo tinha que ter uma explicação racional e de acordo com a experiência. Colocando a magia e o esotérico de parte não era fácil engendrar teorias, mas o prof Neymar não desistia, andou à procura de respostas nas mais variadas disciplinas da ciência, desde a psicologia á mecânica quântica, passando pela medicina, pelo eletromagnetismo, por imensos ramos do saber científico, nem a teoria da relatividade escapou à sua curiosidade..., mas nada.  Até que um belo dia, quando analisava o sangue do Leonardo ao microscópico, lhe surgiu triunfantemente a resposta que há tanto ansiava: o Leonardo tinha o caronavírus. (Mais tarde diria que aquele foi o momento mais intenso de toda a sua vida, e não era para menos…). 

Hoje sabe-se que o caronavírus ainda é da família do coronavírus, um primo afastado, digamos assim. Trata-se de uma variante que resulta de uma mutação na primeira vogal, a que os cientistas chamaram “substituição o-a”. Ao contrário do coronavírus, que se transmite por via aérea, não há registos de transmissão do caronavírus nos aviões, apenas em veículos automóveis, ou seja, por via terrestre. Estudos posteriores à sua descoberta permitiram concluir que é um vírus benigno, ou seja, só traz benefícios a quem o transporta dentro de si. Atua edificando uma aura telepática no córtex do feliz infectado, de modo que, sempre que pede carona, cria em seu redor um campo telepático que compele os condutores a parar e a dar carona, mesmo os mais avessos a isso. De facto é caso virgem na ciência que as vítimas de um vírus sejam pessoas que não o contraíram e não estão infetadas, mas é isso mesmo que acontece com os condutores que são contra dar carona e se vêm “obrigados” a agir contra a sua própria vontade. Mas as dificuldades não se ficam por aqui, como é que se vai criar uma vacina para proteger esses condutores “não-carona”, como é que o sistema imunitário vai reagir contra um vírus que não existe no organismo?! De facto, criar uma vacina para proteger quem não está infetado parece-me uma impossibilidade, e é o que pareceu também à equipa de investigadores da UBI que entretanto assumiu a liderança da investigação a nível mundial. Segundo os investigadores ubianos  a solução passa, não por uma vacina, mas por desenvolver uma espécie de "escudo defensivo" no cérebro dos condutores que os imunize contra os ataque telepáticos dos infetados pelo caronavírus. Os estudos estão muito avançados e prevê-se que, no prazo de seis meses, a UBI brilhe mais uma vez a ouro no pódio científico. Concretizando, trata-se do lançamento de um medicamento, o "Caronaprazol", em forma de comprimidos, que protege dos efeitos nefastos induzidos pelo caronavírus alheio. É muito bom ser ubiano. Uma vez ubiano, para sempre ubiano. Orgulho!

Gondri

sábado, 12 de junho de 2021

Bem-haja, o cafezinho estava uma maravilha… (a educação beirã é outra coisa…).

 


Gosto da gente da Beira Baixa, é gente mais transparente, mais pura. Vai-se para Lisboa, Cascais à vista, e é só finesse e ostentação, gente muito fina e cheia de manhas e manias. As gentes da aldeia ainda estão cruas, sem a cozedura da hipocrisia e da falsidade, não têm a mesma competição e não dão nem um décimo da importância ao corpo, à maneira de vestir, à forma do sorriso, ao melhor ângulo do olhar, estão-se pouco importando com a pose. Dão-se com as vacas e com as ovelhas, com os campos floridos e o sol nascente, respiram a natureza com os pulmões limpos e agradecidos. São simples, e muito bem-educadas. Quando oiço, nesta Beira profunda, agradecer com “bem-haja”, fico deliciado. “Bem-haja” é bonito, soa-me a um coração de oiro, a boa pessoa. Há uma delicadeza nesta gente que me cativa, não é aquela simpatia de plástico dos vendedores cheios de treta que mostram a cremalheira toda num sorriso estudado, é uma simpatia natural, sem estratégia.
O mundo urbano é feio por dentro, tem dinheiro e tem poder, mas não tem o céu límpido e estrelado das aldeias da Beira Interior, à noite. Muito tijolo e muito betão, motores e buzinas, fumo de poluir as ruas e as vísceras humanas, muita economia e muita finança. Os urbanos, de convencimento e sobranceria, chamam grunhos e matarruanos aos do país profundo. Falta-lhes em casa espelhos. É muita gravata e muita peneira, tudo para um dia se esfumar no último suspiro…
Ouvir um “obrigado” cai sempre bem, mas um “bem-haja” tem outro alcance, é de uma delicadeza floral, tem o cheirinho da rosa e o coaxar da rã em cima dos limos dos poços. E tem o chilreio do passarinho, e o gri-gri do grilo, o vento no feno e a sombra fresca do carvalho,…, um bem-haja tem um sabor a campo e a coisas belas, e, principalmente, a coisas simples que se mostram como são, transparentes como a água limpa.
Quando mais envelheço mais me sinto unido à terra e à alma das coisas, mais poético. A poesia é uma espécie de fusão com a profundidade. Num tempo de Big Brothers, e outras superficialidades de consumo imediato, a poesia é uma fuga para dentro, um desinteresse pela futilidade em detrimento da importância. O que um bem-haja tem de diferente é a poesia. Dizer obrigado é banal, ainda que louvável e educado. Mas “bem-haja” é beirão, é do coração.
Dir-me-ão que também há gente educada, simpática e de bom coração na cidade grande. Obviamente que sim, tal como também haverá nas aldeias do país profundo gente polida e cheia de salamaleques, armada aos cucos, que não presta para nada. Como em tudo na vida é tudo uma questão de probabilidades e improbabilidades, é mais fácil encontrar um chinês na China do que em Alhos Vedros.
Na aldeia ninguém passa uma vida sem conhecer o vizinho do lado, o mesmo não se pode dizer das grandes urbes. Na aldeia são poucos, é verdade, quanto mais não seja cruzam-se na missa ou no café, não há como não se conhecerem. Mas, caramba, o vizinho do lado é o vizinho do lado, seja na aldeia mais remota, seja na cidade mais cosmopolita. A azáfama e o stress da cidade não justificam tudo. A razão maior é a impessoalidade e o egoísmo de uma sociedade que só tens olhos para o seu umbigo. A sofisticação tecnológica está a desumanizar as pessoas, quanto mais artificial e evoluído é o lugar mais longe fica da pureza de uma terra do interior.
A nossa universidade está plantada na Beira Interior, num lugar de bem. Não é uma terra rica mas é honrada. De gente respeitadora e educada. Diz-se que há um tempo atrás chegou à Covilhã um empresário de cafetaria.  A sua filosofia de negócio assentava na ideia de que a simpatia dava desconto, ou seja, quando mais simpático fosse o cliente, menos pagava. Basicamente, as regras eram as seguintes (de acordo com a figura anexa):

se entrar na cafetaria e disser assim a seco, sem a mínima gentileza, "um café", são 2€;
Mas se evoluir para "um café, por favor", já só lhe fica por 1,5€;
Se no entanto se esmerar com "bom dia, dá-me um café por favor?" então a conta encolhe para uns simpáticos 0,80€;
Mas se quiser ser um verdadeiro "ás" da simpatia e engrenar uma frase tipo "bem haja pelo excelente atendimento, trazia-me por obséquio um cafezinho, vós que sois a alma desta ilustre cafetaria? " então tem direito a café de borla e ainda um bagacinho a acompanhar, tudo rigorosamente grátis!... 

Escusado será dizer que a cafetaria não durou seis meses. Dava prejuízo. Ele devia ter feito um estudo de mercado em condições antes de se estabelecer numa terra de gente tão simpática e educada. Não cuidou convenientemente do negócio, e, quando deu por ele, estava a servir cafés e bagaços de borla, a torto e a direito. Agora já diz que não volta a cometer o mesmo erro, e já anda à procura de uma terra de broncos e matarruanos para dar continuidade ao negócio. “Aqui são educados demais para a minha bolsa, nem ganhava para os impostos…”, disse, lamentando o sucedido.

Gondri


sábado, 29 de maio de 2021

Carlos Dolbeth na Sporting TV, destilando o seu habitual veneno contra o então diretor de comunicação do Benfica, Carlos Gabriel.


 
Coitado do Carlos Dolbeth. Passa por ser um cabr** de merda, quando, no fundo, a culpa não é dele. Aquele aspeto bonacheirão de tez rosada dá para perceber que a culpa não é dele. Aquele aspeto etílico inocenta-o, a culpa é do vinho. Quem tem que se sentar no banco dos réus não é o Carlos Dolbeth, que até é uma joia de pessoa, quem tem que pagar pela malvadez é o néctar do deus Baco. A água é inócua, e então se for benta é divina. Agora o vinho, esse é um irremissível malfeitor. Dirão que o Dolbeth não é de todo inocente porque se não sabe beber beba merda. Mas, na minha humilde opinião, não resistir a uma boa pinga não é pecado, é fraqueza. Não vamos crucificar o homem por gostar de uma boa pinga, andar a água é p’rós peixinhos… 
Não é no entanto consensual que a culpa seja do vinho. Há quem diga que o homem snifa e injeta bué, que a culpa é das drogas. A pulsão que o leva a consumir apodera-se dele e paralisa-lhe a vontade, é um pobre inimputável. Começou novinho com a brandura de uns charritos de cannabis, que até é uma coisa medicinal, e daí foi de aventura em aventura até chegar à heroína. Se fosse a Joana D’Arc era pacífico, o pior é que não é. O transtorno das drogas assaltou-lhe a mente, o infeliz do Dolbeth ficou preso na sua própria carcaça sem voto em nenhuma matéria. Quem o vê cão raivoso contra tudo o que não é verde, especialmente contra os “lampiões”, não compreende que ele não é aquilo. Sem os grilhões da droga ele é um santo, um doce. Com os grilhões dela é um monstro.
Mas há mais teorias acerca do comportamento dolbethico. Dizem os mais inclinados para o esoterismo e o oculto que o homem está possuído pelo demónio. Nada do que diz se lhe pode imputar porque não é ele que fala, é o diabo que fala por ele. Esse diabo insano que se lhe entranhou no corpo. Por isso, o que este homem inocente precisa é de um exorcista. Na catedral da Luz diz que há um, o grande chefe Águia Real, que apesar do nome não é apache, sioux, nem de outra tribo qualquer. Não anda a cavalo nem tem um chapéu de penas na cabeça, só tem em comum com os peles vermelhas o facto de ser vermelho. O problema é que o Dolbeth tem horror ao vermelho, é pior que um touro. Exorcizado por um vermelho?!...isso nem com uma pistola apontada à cabeça. 
Se quiserem testemunhar a rejeição de uma prenda de Natal ponham um Ferrari vermelho no sapatinho do Dolbeth, o homem vai aos arames. Pintem o Ferrari de verde e vejam a diferença, vira o ser mais feliz e agradecido do mundo. Não sei se os vermelhos de foice e martelo se safam com ele, mas se for o caso imagino a sua dificuldade em convencer o mundo de que é daltónico, que aquele vermelho para ele é verde. O arco-íris do Dolbeth não é multicor, é monocromaticamente verde. A bandeira é igual, é só esperança. Com ele o verde impera onde menos se espera. 
Sempre que revejo o vídeo que acompanha esta crónica consolido a tese da possessão demoníaca. O homem exala raiva e maldição, ninguém é assim tão mau. Palavras assim eivadas de cólera só podem ser palavras de Belzebu. Liberto do mal, o Carlos Dolbeth tem a pureza e a candura das flores, é uma pessoa adorável. Não fosse possuído pelo demónio e era um anjo. Todos os anos Vilar de Perdizes é uma chusma de exorcistas e bruxos, de mestres do oculto. Pode ser que lá arranjem um que sirva, que seja verde como a Greta Thunberg, a menina do barco à vela que monta as ondas do mar salgado. E se não for verde que seja maduro, mas sempre branco, nunca tinto. 
Uns dizem que a culpa é do vinho, outros das drogas, e outros ainda do diabo que o possui. Todos confiam na sua inocência, a culpa não é dele. Mas as hipóteses sobre a mesa não ficam por aqui: uns advogam que a culpa é de um salmão estragado que ele comeu que estava cheio de salmonelas. Outros dizem que cheio de salmonelas estava mas é o salmo que ele leu na primeira leitura da missa de domingo. Outros que lhe deram gato por lebre dando-lhe mauzão no lugar de faisão, aliás hipótese que me parece bastante crível porque mauzão come mauzão. Os animalistas, que nunca faltam nestas ocasiões, vieram a terreiro dizer que aquele leitãozinho que ele comeu ontem ao jantar foi um ato de canibalismo infantil, o que foi, obviamente, uma maneira subtil de lhe chamarem porco. Os animalistas gays, por seu lado, foram mais longe e disseram que o problema foi ele ter comido o Zé Cabra. Se comer cabra já é um atentado à moral vegan, comer o Zé é uma violação grave, que o Zé é casto e dá exclusividade ao supositório. Há também quem diga que a culpa é do Eusébio, esse grande ícone vermelho, que lá do outro mundo lhe manda mensagens por intermédio de uma melga. Cada vez que a melga o pica isso provoca-lhe alucinações, e o coitado é obrigado a ver todos os golos que o pantera negra marcou ao Sporting. 
Enfim, teorias não faltam, e todas convergem num ponto: a culpa não é do Dolbeth, ele é apenas uma marionete ao sabor de forças perversas que o impelem para o mal. Um grupo de investigadores do departamento de psicologia da UBI propôs-lhe uma psicanálise e ele aceitou. Vasculharam-lhe o subconsciente de uma ponta à outra e não encontraram nada, a não ser um leão moribundo e um lagarto hibernado há quase duas décadas. Não encontraram maldade, nem ódio, nem ira. O Carlos Dolbeth parece um cão raivoso, mas, no fundo, é um querido. A culpa não é dele.

Gondri

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Vá... Dissertem para aí!

 


Fez ontem um ano que caiu a dura pena da censura neste espaço, coisa que para qualquer pessoa com dois dedos de testa, seria à partida impensável no "muito pós vinte e cinco do quatro".

As redes sociais estupidificam o indivíduo que, desprovido de qualquer pudor ou prurido, se considera uma "puta pidesca" em potência, bastando para isso que ou quem, se desloque a velocidade considerável contra os seus princípios e hipocrisias. Cada sujeito, por detrás de um monitor e com as patas num teclado, consegue recriar-se, desenvolvendo tanto o seu lado melhor como potenciando o pior. No pior, conseguem ser, de forma estupidificante, uma autêntica besta valentona de uma pseudo moralidade só existente no mais recôndito canto do seu ser mas que não são de todo, professadas no seu dia-a-dia.

A coberto de falsos-moralismos ou adaptações à realidade, estes energúmenos, não raras vezes escrevinham e gatafunham consoante lhes soa, brandem o punho da convicção e certeza, sem que delas tenham alguma e que se formaram no gado que lhes alimenta as fantasias e pensamentos. Agrupam-se de acordo com correntes pensantes de fundamentação tão barata quanto pueril e desafiam tudo quanto corra contra o seu egoísmo e facilidade pensante, a modos que à "deixa ver no que isto dá".

Caiu a pena num texto humorístico como poderia cair num texto mais sério. Prova séria que uma coisa levada a brincar também pode ser objecto de desdém e de recriminação, com consequências gravosas para quem a proferiu. Calhou a fava a um nosso mui nobre e bem disposto colega quando alguém se sentiu das entranhas pensantes e projectou naqueles parágrafos uma afronta para uma qualquer condição subjacente.

A partir do dia em que o humor, concorde-se ou não com o seu conteúdo, é limitado por uma acção castradora individual, escudada em preconceitos subjectivos, estamos a dar uma valente machadada no simples acto de se poder fazer rir o outro. Começaremos a castrar toda e qualquer chalaça, vedar o acesso ao riso, e voltaremos ao tempo em que se considerava que o riso era próprio do macaco. 

Há que saber distinguir as coisas para se evitar cair no ridículo. E pior ainda, no rídiculo disfarçado com um grau académico.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Trinados à moda da serra

 


Nunca fiz grande questão de usar o traje académico por muitas razões mas uma delas era meramente ambiental: assim que equacionava adquirir um, ficava a pensar na trabalheira que o alfaiate iria ter para moldar quase quatro metros de pano. Imaginava-o a fazer sessões forçadas de "step" nos bancos de prova só para me tirar as medidas (e todos sabemos que os alfaiates, por norma, são baixinhos), mais o problema de ter de matar não sei quantos animais para me fazerem o dito traje, ainda por cima tinham de ser todos pretos por causa da cor, e que, como se sabe, nos tempos que correm, seria motivo mais que suficiente para termos o PAN à perna, mais a malta politicamente correcta que acha que dizer-se preto é racismo e que colocaria em causa as razões do traje ser escuro e não amarelo às riscas com nuances de fucsia - ou o diabo que carregue lá o nome da cor. 

Bem... na altura a malta não tinha tendência para complicar. Não tínhamos tempo para pensar em mariquices dessas (bolas... lá estou eu a ser uma besta! - sem desprimor para com as bestas) mas eu já achava mau ter de matar uma vaca para me fazer uns cento e cinquenta moldes para os sapatos até que um par me servisse, quanto mais andar a jogar paintball com balas a sério com a carneirada. E tudo por um traje académico? Ná... passo!

Posso afirmar com algum grau de erro... (superior a 50% de certeza) que nos primeiros dois anos de UBI não se ouvia falar em Tunas. Na Covilhã. A Jab'UBI só ouvi falar dela no último ano que lá estive e muito por causa de um sucesso que passou fronteiras que era o "Don't wanna a short dick man" (ou se calhar estou a confundir com outra cantilena qualquer). 

A malta era pouco dada a trinados. Qualquer cântico tirado do mais recôndito do nosso ser, de goela bem aberta, provocava uma algazarra canina entre o Tinhoso  e o Carcanhoso (ou lá como se chamavam) além de coalhar o leite "in úbere" a qualquer membro respeitável daquele aglomerado animalesco chamado gado. A mole académica era mais gregária. Gregava muito. Se houvesse alguma tuna de Trash Metal, qualquer um era candidato. A caloirada, era dada portanto, ao canto gregoriano e ao gargarejo. Até ver...

Mas a malta cantava. Lá isso cantava. Havia a malta mais atinada que preferia puxar pelas cordas vocais nos corais polifónicos e/ou no coro da missa das onze. Mas estes, não contam porque cantavam movidos a fé. As tunas normalmente são movidas a álcool e outros aditivos. Há coisas que devem ser separadas, cada macaco no seu galho e tanto não faria sentido ter-se alguma primadonna numa tuna, de peitaça espetada para a lua, permanente imaculada e a boca em formato de "O" maiúsculo no meio de uma turba de estudantes desgrenhados e de calças pelas canelas a cantarem como se não houvesse amanhã, da mesma forma que seria motivo de falatório no Centro Cívico e outros poisos geriátricos, aparecer um gandim, com uma jarda descomunal cantar o "Hossana nas Alturas" em pleno púlpito da Igreja da Misericórdia.

Mas o que é certo é que a Jáb'UBI foi a primeira que ouvi falar e cantar. E era uma moca ouvir aquilo. E a malta curtia e curtia... e curtia.

Os anos foram passando e foram aparecendo mais tunas dentro de cada academia, porque lá está! Há que complicar as coisas e "se é porque há uma de gajos, tem de haver uma de gajas" e é natural que hoje haja para aí umas vinte ou lá quantas são, devido à infinidade de géneros que pululam por aí. Mas, a nível patrimonial, acho que sim, que cada Universidade deve primar pela diversidade e como tal, há que dar à goela e cantar.

Acho que o que ninguém poderá pôr em causa é o espírito de abnegação a que todos se propõem por se ter a honra de se pertencer a uma Tuna. 

Abnegação por parte dos alunos, pois, a par de outras figuras de renome, como professores e doutores que representam uma academia, estes têm o condão de elevar o nível cultural da instituição que representam, demonstrando que uma universidade não pode ser estanque a marranço puro e duro. Culturalmente falando, uma instituição universitária sai mais engrandecida quando demonstra que até o mais boémio dos alunos a pode representar dignamente lá fora, levando o seu nome bem alto e mais longe. É uma forma de dizer que não se formam só doutores. É uma forma de dizer que até o mais calhau dos alunos tem uma palavra a dizer. Ou neste caso, dotes vocais para questionar a própria vocação.

Abnegação por parte dos encarregados de educação, pois apercebem-se que o dinheiro gasto em propinas é bem empregue pois o seu educando dá mostras que aquele investimento é bem aplicado. "Antes isso que para a droga!" ou "Já que o gajo não dá para a bola, ao menos que se aplique em algo que o possa trazer para outros vôos, como o "The Voice".

Abnegação por parte das próprias instituições académicas, que invariavelmente patrocinam estes grupos polifónicos pois sabem que "a mal ou a bem" há sempre retorno e projecção.

Portanto, pelo exposto, uma Tuna Académica foi, é e sempre será uma mais-valia de peso num meio universitário. Em última análise, é à conta destas que se engrandece uma cidade ou região. É o estandarte cultural do meio onde está instalada. É quem mais dá a cara pelo bom nome e distinção do meio académico, social, cultural e até económico da área que lhe pertence. 

Daí que, por mais contras que consigamos encontrar e enumerar descaradamente, às tunas devemos não só aqueles momentos insanes de loucura como da mesma forma vamos às lágrimas com as baladas e trovas que tão atenta e calmamente apreciamos. E que nos marcam para a vida. Ou que ainda trauteamos de quando em vez, quando a saudade académica bate à porta.  



Uma vez Ubiano, Ubiano sempre!

  

sexta-feira, 5 de março de 2021

O vinho, a cóvide19, (e uma marca de fertilizantes...)

 


O Asdrúbal é um enólogo beirão que sonha criar nas suas vinhas do Tortosendo o melhor vinho do mundo. À falta de curso de Enologia na Universidade da Beira Interior, com muita pena sua teve que ir licenciar-se para a UTAD, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, mas nunca deixou de sonhar com a introdução das Ciências Agrárias na oferta formativa da UBI. Ultimamente tem tentado por todos os meios, e recorrendo às pessoas e instituições mais influentes, a introdução da Agronomia na Covilhã, até porque, desde que iniciou um importante projeto de investigação vitivinícola na sua herdade, precisa de massa cinzenta que o apoie. Um projeto assim tão ambicioso requer o suporte multidisciplinar de uma grande universidade, desde a bioquímica dos fertilizantes e dos pesticidas à seleção e manipulação genética das vides, passando pelos processos físico-químicos do vinho, pela mecânica e eletrónica dos dispositivos de controle de produção, dos sistemas de rega, etc, etc… O empirismo e o conhecimento ancestral passado de boca a boca, quantas vezes analfabeto, ficou parado no tempo. O futuro é uma cátedra, a ciência no seu expoente máximo. É nesta linha que passa o comboio onde o Asdrúbal viaja.
Faz hoje uma semana o Asdrúbal passou pelo André, o gago, e, estando os dois de máscara, nem o conheceu. São amigos de infância, do Tortosendo, onde ambos nasceram, mas há muito que não se viam. O André, o gago, foi mais perspicaz e reconheceu logo o amigo, saudando-o gaga e efusivamente. O Asdrúbal correspondeu com animação e falaram as palavras normais de um reencontro, e depois mais sobre a vida de cada um, o Asdrúbal sobre o seu projeto vitivinícola, o André sobre um zoo de animais exóticos que explorava em Alcains, que tinha desde búfalos a cangurus, passando por girafas, zebras, elefantes, diabos da tasmânia, etc…, e às duas por três o André disse, na sua gaguez, que tinha cócóvide19. O Asdrúbal, que vivia vidrado na obtenção da vinha perfeita, ao soar-lhe o Cócóvide19 a uma marca comercial de estrume para adubar vinhas ficou super entusiasmado, imaginando que esse tal de cócóvide19 seria um fertilizante feito à base do esterco dos vários animais exóticos do zoo do André. Perguntou imediatamente quais eram exatamente os animais e quantos de cada espécie, e mais ou menos que quantidade de fezes é que cada um produzia, para tentar desse modo quantificar mentalmente a contribuição de cada um para o conjunto fecal. Enquanto o André ia respondendo e estranhando aquelas perguntas tão técnicas e inesperadas, o Asdrúbal formava mentalmente a composição do esterco na sua cabeça.
De repente o telemóvel do André tocou, era alguém a avisá-lo que já estava atrasado. Despediu-se prematuramente, sem abraço, por respeito às distâncias. A conversa acabou sem que o mal-entendido que enchia de merda a cabeça do Asdrúbal ficasse esclarecido. Se a conversa tivesse continuado não é crível que, mais tarde ou mais cedo, o Asdrúbal não se apercebesse da sua hilariante falha de interpretação. Mas tendo o André saído disparado na sequência do telefonema não houve mais conversa, e o mal-entendido continuou de pedra e cal na cabeça do Asdrúbal. O mal-entendido e dois ou três sacos de cócóvid 19, para experimentar. Só pensava nisso. Ia adormecer a pensar nisso, e, na manhã seguinte, mal abrisse o sol, pegaria no jipe e lá iria ele a correr para Alcains, para trazer os sacos.
A partida extemporânea do André depois de atender o telemóvel foi tão rápida que o Asdrúbal nem tempo teve de lhe pedir o número. Mas também não interessava, havia de se desenrascar. Depois de uma noite certamente mal dormida, de ansiedade, era só aparecer lá em Alcains, e, como diz o povo, quem tem boca vai a Roma. Não havia de faltar quem lhe indicasse onde é que ficava o zoo do André.
À medida que ia conjeturando e pensando nos passos a dar, completamente nas nuvens com tão inesperada oportunidade, o Asdrúbal começou lentamente a cair na real e a questionar-se, refreando gradualmente o entusiasmo. Estranho, pensou, nunca ouvira falar num zoo em Alcains. No Badoca Safari Park, sim, mas esse ficava no Alentejo e tinha uma variedade relativamente modesta de espécies. Elefantes, diabos da Tasmânia, em Alcains?! Lentamente começou a digerir essa coisa anormal do zoo em Alcains e começou finalmente a usar a cabeça que não fosse apenas para meter merda lá dentro. Como é que se consegue rentabilizar uma infraestrutura daquelas em Alcains?! Só os elefantes mamam comida e dinheiro que nem é bom…
Inquieto, foi ter com a mulher, a Laura, e contou-lhe tudo. Intrigada, ela perguntou:
- ele disse-te que tinha o quê?
- cócóvide19
- e tu achaste que isso era estrume para vinhas?
- claro, cócó mais vide, queres que pense o quê?!...
- cócó tens tu na cabeça, ó parolo, não vês que o gajo é gago, que duplica a sílaba?!
O Asdrúbal bateu com a palma da mão com toda a força na testa e sentiu-se tão burro que só lhe faltou zurrar. Ainda bem que não tinha ido a Alcains fazer figura de parvo…
A mulher continuou:
- gago e mentiroso, o filho da mãe, nem zoo nem cóvide, é tudo treta…
O Asdrúbal anuiu que sim com a cabeça, e não se falou mais nisso.
Mas, o que parecia ter sido um episódio para esquecer revelou-se afinal o princípio de uma história de sucesso. Inspirado no mal-entendido do cócóvide e no fertilizante do zoo de treta do André, o Asdrúbal decidiu focar-se na formação do estrume perfeito, para produzir uvas inigualáveis. Começou a pesquisar sobre as fezes de animais exóticos e a compor misturas teóricas, a estudar os componentes e proporções relativas na mistura, sempre na senda da melhor fórmula. Passando da teoria à prática, e porque não tinha como fazê-lo sozinho, solicitou o apoio do zoo de Lisboa que lhe forneceu toda a matéria fecal necessária às experiências. Só para o ano, na próxima vindima, é que terá resultados, mas já propôs ao zoo de Lisboa uma parceria comercial a iniciar quando atingir a composição definitiva do produto. O zoo agradece, obviamente, nunca pensou ganhar tanto com a evacuação dos bichos. É também uma oportunidade de ouro para a afirmação da UBI, que, através do seu departamento de marketing, ficou incumbida de publicitar a nova marca de fertilizantes para a vinha e de lançá-la no mercado. E já começou a preparar tudo com antecedência, até já tem slogan publicitário: “Cócóvide19, vinha mesmo a calhar”.

Gondri


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A tese de Leonel Tó


 Assim que soube que Jorge Jesus deixava o Flamengo e vinha para o Benfica, Leonel Tó, estudante do último ano do curso de Ciências do Desporto da UBI (e benfiquista como eu), ficou eufórico. Se até aí não imaginava qual seria o tema da sua tese final de curso, depressa se decidiu pela análise da época demolidora do Sport Lisboa e Benfica, com Jorge Jesus ao leme. 
Por azar Leonel Tó apanhou covid e ficou de quarentena, com tempo para tudo. Diz ele que um dos sintomas do vírus foi acometê-lo de uma onda camiliana de inspiração. Aliás, sendo fiel à matemática, esmerou-se na exatidão e disse que foi uma onda dois terços de camiliana, porque, se o Camilo precisou de quinze dias para escrever Amor de Perdição, ele só precisou de dez para escrever a tese. Aproveitou a estranha sintomatologia que o vírus lhe provocou e escreveu, em velocidade de foguetão, capítulo após capítulo, e só no fim é que decidiu o título: “A jogar o triplo”. A tese, que era uma abordagem técnico-tática dos métodos de treino, da psicologia motivacional, de todas as componentes da estratégia do mestre Jesus, era para entregar no fim do ano. No entanto, aproveitando o tempo livre e a oportunidade única que era aquela vertigem criativa, escreveu-a com grande antecedência. Usando métodos estatísticos - nada de premonições, tudo científico -, Leonel Tó, além das vitórias certas na final da supertaça, na taça da liga e na taça de Portugal, tinha já uma estimativa da diferença pontual que o Benfica cavaria relativamente ao segundo quando o campeonato terminasse. E no fim era só fazer os ajustes, porque, em boa verdade, só bruxo é que sabia números exatos. As competições internas eram um passeio, a sério só mesmo a Champions. Contra os tubarões da Europa era outra loiça. Aliás, esse capítulo da tese ficou apenas alinhavado, previu a chegada aos quartos de final e deixou grande parte por escrever. Não se aventurou além dos quartos porque, contra plantéis ultramilionários, as chances eram poucas ou pelo menos imprevisíveis. Os cem milhões que o Benfica gastou este ano em contratações garantiam sucesso nas lides domésticas, mas lá fora cem milhões eram uma bagatela, era lá que estavam os melhores e simultaneamente os jogadores mais caros do planeta. Por isso, ou a sorte do jogo se compadecia do glorioso ou não passava dos quartos. Apesar de tudo, a esperança de chegar mais longe era a última a morrer…
A primeira diarreia mental de Leonel Tó, e até intestinal (sim, porque os nervos metem-se em tudo…), foi quando o Benfica caiu prematuramente na Champions aos pés dos coxos do PAOK da Grécia. Vergonhosamente, nem à fase de grupos conseguiu chegar. Nem o prestígio nem o dinheiro da Champions, foi tudo à vida. Isto depois de um monumental investimento pensado para ser amortizado em grandes noites europeias. Leonel Tó passou dois dias com as nalgas sentadas na sanita, numa soltura medonha. Deprimido, percebeu logo que o capítulo sobre a Champions, apenas alinhavado a pensar na hipótese de o Benfica superar a meta dos quartos, ia afinal ser a vergonha da tese. Chorou lágrimas de águia ferida e engoliu em seco as piadas do costume vindas da concorrência verde e azul e branca, “chupa lampião”, “em que grupo é que vais jogar na fase de grupos, no grupo I da tabela periódica?!... atenção que o sódio e o potássio são fortíssimos!”. E outras piadolas para tirar o ânimo. Leonel Tó não teve outro remédio senão conformar-se. Escreveu na tese que a eliminação da Champions foi apenas um percalço, que a culpa tinha sido da aleatoriedade do futebol que permitia que nem sempre ganhasse o melhor. Nem a genialidade de Jorge Jesus conseguia sobrepor-se às vicissitudes do futebol, concluiu. 
Mas chegou Dezembro e outra disenteria, para não dizer caganeira. A fé que Leonel Tó tinha em Jesus levava outro rombo com a derrota do Benfica na supertaça, e ainda por cima aos pés do Porto. Mudava o ano, e, logo em Janeiro, meias finais da taça da liga e outro descalabro, o Benfica via Braga por um canudo. Já era o terceiro desastre, Leonel Tó teve finalmente um baque muito sério de desesperança. Como se isso não bastasse, estamos em Fevereiro e o campeonato parece um filme de terror, o glorioso vai em quarto, a uns impensáveis onze pontos do Sporting, e, da maneira como param as modas, a tendência é para aumentar o fosso. Leonel Tó tem cólicas e enjoos e só a sua grande consciência de género é que o impede de acreditar que está grávido. A tese já era. Vai ter que pensar noutro assunto ou então fazer uma errata geral e alterar o título cento e oitenta graus para “A jogar um terço”. Mal empregado tempo que passou a redigir o milagre benfiquista, lamenta-se. A indignação é tanta que até já se vira para Meca cinco vezes por dia, e pouco falta para se converter ao Islão. Mesmo com Jesus a treinador e Deus a adjunto não há cristianismo que resista. Mais valera ter lá o Maomé e o Alá. “Há lá paciência para tanta incompetência, há lá, há lá…”, grita o Leonel, qual muçulmano em oração. E não se cansa de rogar pragas ao Jesus, “aquele bandido arrasou-me a tese!”.
Leonel Tó não está bem, dizem os amigos mais próximos que está à beira de ser internado. Maldiz Jesus e os apóstolos, o apóstolo Pizzi, o apóstolo Otamendi, o apóstolo Rafa, o apóstolo Drawin Nuñez, enfim, todos, não escapa um. Cansado de ser gozado até já pensou fazer uma plástica para mudar de cara e ninguém o conhecer. E diz amiúde que quer ir para a ilha. O futebol é fértil em reviravoltas, dizem-lhe os psicólogos que o querem animar. Mas a onze pontos dos leões, e ainda por cima a jogar mal que fede, Leonel Tó já não acredita no Pai Natal. O campeonato já foi ao charco e Jesus já passou de bestial a besta. E esta crónica fica por aqui, porque, benfiquista como sou, estou farto de escrever tristezas…

Gondri


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O herbochorómetro e o advento do insetivorismo.

 


Aludi na crónica anterior (“A rir desde mil novecentos e trocópasso…”) à ideia, não tão estapafúrdia como parece, de que um dia se chegará à brilhante conclusão de que, afinal, as plantas também têm sentimentos. E hoje vou-vos apresentar o Tino Leonel, que, pelo que sei, é o maior entusiasta da ideia, além de que tem em curso importantes estudos e projetos experimentais que visam comprovar essa tese.
Segundo Tino Leonel as árvores choram quando são podadas. Dito de outro modo, choram quando levam uma poda. A comunidade científica optou por rir de Tino Leonel, dizem que ele é maluco. Mas ele insiste que é verdade e já pôs a comunidade vegan em sobressalto. Se as árvores choram é porque tem sentimentos, e não apenas sentimentos leves e superficiais, é porque têm sentimentos profundos. E quem diz as árvores diz as plantas em geral, os vegetais, tudo o que nasce e morre como os animais. A casa de Tino Leonel parece um jardim botânico, tem plantas em todos os cantos, e até tem à beira da cama uma camedórea-elegante que lhe acompanha os sonhos. E diz com palavras certas que as suas plantas são todas sentimentalonas, sabe-lhes o nome, uma a uma, faz-lhes festas e beija-as a cada passo, e sente da parte delas o mesmo carinho e o mesmo amor. Os seus críticos dizem que ele é um caso psiquiátrico mas ele garante que consegue captar a reacção psico-fisiológica das plantas, não sabe como, mas consegue. Diz ele que a informação lhe chega por intermédio de cãibras nos testículos complementadas com um sabor específico nas glândulas gustativas. Quando as plantas choram de dor diz que as cãibras são fortes e agudas e a boca sabe-lhe a tons picantes e apimentados, quando choram de felicidade são umas cãibras suaves e tons florais na boca. O Leonel diz que só consegue captar o choro, mas insiste que o choro é a prova mais concludente de que as plantas são seres sencientes. Nada demonstra mais a intensidade de um sentimento do que o derrame de uma lágrima, diz.
O Leonel é biólogo e investigador na UBI, e não é propriamente um asno, é um homem reconhecidamente muito inteligente e com uma vasta obra escrita na área da Botânica. É certo que esta sua nova teoria causou perplexidade e, como já disse, a maior parte dos seus pares acham que ele pirou de todo. Mas ele não desiste e já está a trabalhar afincadamente num instrumento que consiga captar, de uma forma objetiva e mensurável, aquilo a que ele chama “ondas herbo”. Já tem uma equipa de engenheiros eletrotécnicos ubianos consigo a tentar compreender a natureza dessas ondas, o espectro em que elas se movimentam, tudo o que permita construir um recetor. Ainda não conseguiram, mas, segundo dizem, estão bem lançados. As experiências sucedem-se na UBI, em meio propício ao estudo, que, no caso, é um canteiro de hortaliças às quais se infligem vários tipos de agressões, como sejam pulverização com herbicidas, introdução de lagartas, caracóis, lesmas, etc... O choro sofrido das plantas é comovente, afirma perentoriamente o Leonel, que jura que o sente nos testículos e no palato, “tenho fortes cãibras nos tomates e bué de piri-piri na boca…”, confirma. A máquina (que já foi pré-baptizada de “herbochorómetro”) ainda não detetou choro nenhum porque ainda não foi inventada. Mas para lá caminha, dizem os engenheiros que hão de inventá-la. Por enquanto as hortaliças choram e ninguém as ouve. Ninguém a não ser Tino Leonel que nasceu com esse dom inexplicável, a todos os títulos sobrenatural. Choram convulsivamente mas ninguém sabe. E também ninguém acredita nas cãibras testiculares de Tino Leonel. É por isso que a máquina faz muita falta, para tornar a verdade do Tino uma verdade universal. E é por isso também que os engenheiros se esfalfam a tentar inventá-la, debruçados sobre o canteiro de hortaliças de Tino Leonel.
Mesmo com a negação da comunidade científica, que acha que Tino Leonel se deixou vencer pelo delírio, o mundo vegan vive momentos de angústia. E se é mesmo verdade, e se de facto as plantas também têm sentimentos?! Alguns já andam a tentar perceber até que ponto é possível colher nutrientes a partir dos minerais, e até já foi reportado o caso de um vegan que, sabendo que o granito é constituído por quartzo, feldspato e mica, perguntou se não podia pelo menos comer o pato do feldspato. Claro que levou logo nas orelhas dos outros vegans que acharam uma ignomínia comer o pato.
Quando o herbochorómetro for finalmente inventado na UBI, comercializado e espalhado pelo mundo, o choro lancinante das plantas vai partir muitos corações, e ser herbívoro vai ser tão condenável como ser carnívoro. O império vegan vai-se desmoronar. Os mais convictos e irredutíveis morrerão de fome porque se recusarão a comer inocentes sofredores; outros renunciarão, para sobreviver. E não ficará pedra sobre pedra.
No entanto, se houver inteligência e sensatez, o veganismo ainda pode ressuscitar das cinzas sob uma forma light, permitindo a ingestão de insetos e outros animais inferiores. Eu próprio matei e comi gafanhotos na tropa, eu que não seria capaz de matar uma galinha. Sou capaz de a comer, é certo, se alguém a matar e cozinhar por mim. Mas matá-la, eu?!..., zero. Até confesso que, apesar desta minha pose de durão carnívoro amesquinhador de vegans, no fundo eu próprio sou um vegan não praticante. E, deixem-me dizer baixinho, até os gafanhotos me custou matar. Se fossem melgas não me custava nada, confesso. Talvez por o gafanhoto ser maior, não sei, ou por não me atacar como me ataca a melga. Seja como for, matar um inseto fere sempre infinitamente menos a sensibilidade do que matar uma galinha. Inseto mato, galinha não.
Quando o herbachorómetro matar o veganismo os antigos vegans vão ter que se reciclar e pressupor que é um exagero tratar os insetos como seres sencientes. Mesmo assim não é fácil matá-los, um ser vivo é um ser vivo, por muito rudimentar que seja (nem p’ra mim foi fácil matar os gafanhotos…). Mas, para sobreviverem fiéis à regra de não comer seres sencientes, os antigos vegans vão ter que aceitar a ideia de passar a ter insetos dentro de si. E é dessa forma que o insetivorismo sucederá ao veganismo…

Gondri

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A rir desde mil novecentos e trocópasso…

 

Quando eu era puto tinha um jardim perto de casa onde se juntava a miudagem toda da minha rua e das ruas vizinhas. Era uma farra pegada, naquele tempo a única coisa que nos prendia a casa era a voz de comando dos nossos pais, se dependesse de nós andávamos sempre no laréu. Agora os putos ficam grudados nos jogos de computador, na net, no telemóvel, se for preciso ficam o dia todo entrincheirados em casa como se estivessem presos. Naquela altura não, enchíamos o jardim e nunca faltavam coisas com que nos entretecemos. Uma das brincadeiras favoritas era o fazer rir. Ficava um a fazer rir os outros e o primeiro que se deixasse rir era o próximo a ir fazer rir. Eu tanto era forte a fazer rir como era fraco a deixar-me rir, e isso permitia-me brilhar porque estava permanentemente na posição de fazer rir, e com grande sucesso.
Sei que me saía bem no jogo mas já não me lembro que tipo de palhaçadas fazia. Naturalmente contava piadas, fazia caretas, coisas do género. Um dos putos, disso lembro-me bem, usava sempre a mesma estratégia: tirava a pila de fora e era risada certa. Estranhamente conseguia ser sempre bem sucedido apesar de ser tão previsível e repetitivo. E demorou tempo até que a tática da pila de fora deixasse de fazer efeito e ele tivesse que diversificar os seus métodos. À parte esse puto que atiçava o riso com a genitália, se bem me lembro a maior parte da malta recorria, tal como eu, aos métodos tradicionais, e sem bolinha vermelha. 
As minhas recordações são vagas e distantes, mas há uma que ainda está muito fresca. Um dos putos, não me perguntem o nome, ficava furioso consigo próprio por não resistir às minhas performances e andava sempre à minha procura para me convencer, e se convencer a ele próprio, de que eu não era capaz de o fazer rir. Nas sessões do jardim era sempre dos primeiros a desmanchar-se, mas não se conformava. Quando não estávamos em grupo e me apanhava a jeito lá vinha ele com o desafio: “faz-me lá rir!”. Virava-me as costas, afastava-se um bocado, e ficava a concentrar-se algum tempo. Depois regressava, muito sério, como se já tivesse tomado a pílula anti-riso, olhava-me tenso e firme, com cara de pedra, “faz-me lá rir agora”. Eu sabia que com aquela pressão toda em cima dele bastava-me um piscar de olho e a muralha dele desabava. “Faz-me lá rir agora”. Eu batia uma palma, uma simples palma que em condições normais não fazia rir ninguém, e ele esbardalhava-se todo a rir. Cerrava os punhos, voltava a virar-me as costas e a concentrar-se, e lá vinha ele para a segunda demão, com todos os músculos da cara tesos que nem barras de ferro, “agora é que não me fazes rir”. Eu olhava para ele, olhos nos olhos, ele naquela camisa de forças quase a rebentar, e eu outra vez uma palma, e ele outra vez a deixar-se rir que nem um perdido. Eu nem precisava de bater a palma, bastava esperar que ele desabasse por geração espontânea. No fundo era ele que se fazia rir a ele próprio, quando me enfrentava já vinha derrotado. Andava sempre naquilo, sempre que me apanhava na rua, só eu e ele, era a receita de sempre “faz-me lá rir agora!”. Um dia e outro, e outro e outro. A insistência foi tanta, e tanta a paranóia e o insólito da situação, que nunca mais me esqueci. É das poucas memórias que tenho dos meus, sei lá, treze ou catorze anos, ou até menos.
Naqueles tempos a internet não nos fazia falta nenhuma, éramos alegres e passávamos o tempo a rir. Costumo dizer que o que levamos desta vida são as gargalhadas que damos, e se no fim se concluir que demos mais do que aquelas a que tínhamos direito não creio que Deus nos cobre o excesso. Os tempos eram outros, a alegria era espontânea e natural, sem máquinas e sem eletrónica. Estávamos irmanados com o universo, ao sol ou à lua, éramos rebeldes e malucos, batíamos às portas e fugíamos, no verão enchíamos sacos de besouros e atirávamo-los pelas janelas que estavam abertas para entrar o fresco da noite, fazíamos guerras contra outros bairros, com espadas de pau e muita coragem, íamos aos pássaros, e ás vezes até íamos aos gambuzinos sem nunca sabermos o que isso era. E ríamos, riamos muito, não só no jogo do fazer rir mas em tudo o que fazíamos.
Talvez por ter conseguido sobressair nessas sessões de riso dos meus tenros anos, nunca mais larguei esta minha vontade de fazer rir os outros. Passar uma vida a tirar piadas da cartola, a fazer pequenas sessões de stand up aqui e ali, agora e depois, e ter de retorno o riso dos outros, nunca me deu dinheiro nem poder, mas sempre me deu muito prazer. Agora que estou velho já não sou o mesmo, as ideias já não chegam em catadupa, o improviso já anda ao pé-coxinho, são as agruras do tempo. Era bom que esse tão impensável chá de hiena não fosse apenas um puro exercício de ficção, que eu o pudesse tomar e regressar aos verdes anos do riso convulsivo. Que o pudesse tomar, sim, mas na condição de que se limitasse a fazer-me rir, que não me transformasse num necrófago comedor de carne morta e putrefacta. P’ra ter que comer a carne dos defuntos mais valera tomar um chá de abutre, que esse ao menos dava-me asas. Arriscava-me era a ter os gajos da Red Bull à perna a dizer que isso de o chá de abutre dar asas era uma apropriação indevida de slogan alheio. É claro que o ruído dos gajos da Red Bull chateia, mas, valha a verdade, pior são os animalistas para os quais todo o chá é uma infâmia se não for de origem vegetal. Se algum dia alguém descobre que as plantas também têm sentimentos estou p’ra ver como é que resolvem o imbróglio. Se calhar vamos ter todos que tomar chá de pedra, quem sabe. Nem que seja para fazer companhia à sopa de pedra nos cardápios da alimentação mineral…

Gondri


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Dietas Ubianas e seus Quid pro Quos

 

Longe vão os tempos em que as refeições na cantina de Sto. António não ofereciam grande margem de escolha nas refeições diárias. Ou era carne ou era peixe. Mais a sopa, a sobremesa, o sumo e o papo seco. Se quiséssemos refinar o palato, tínhamos que desembolsar mais uns cobres e ir para outras paragens que isto de comer sempre a mesma coisa, acabava por habituar a boca a ponto de se chegar àquela situação em que um Bacalhau à Brás sabia ao mesmo que uma Feijoada à Transmontana, mudando apenas a consistência e aspecto das mesmas. In ilo tempore, não havia cá mariquices millenials de vegetarianismos, veganismos e outras deficiências e modas que pululam na sociedade actual. 

Se era para apanharmos uma ténia, era para apanharmos a ténia e ponto final. Cagássemo-la depois! Há malta que ainda é do tempo em que se desconfiava quando víamos cogumelos no prato. A menos que fossem míscaros e aí ninguém se atrevia a olhar de soslaio para aquilo. Tudo marchava. Também havia outras iguarias que nos faziam pensar duas vezes antes de as levar à boca, mas tudo era deglutido com a mesma voracidade e apetites, que isto de se subir a Santo António, fizesse chuva ou fizesse sol, não dava espaço a esquisitices. 

Ora, sendo um menu diário parco em opções, seria natural que fossem igualmente parcos em variedade semanal. Menus havia em que diziam que em tal dia "era Bacalhau com batatas" e apenas víamos batatas a cheirar a bacalhau; noutros, a famosa "carne de porco à alentejana" em que - novamente - a batata fazia missa de corpo presente - bem como as omnipresentes conchas vazias das ameijoas - e a carne tinha um aspecto dúbio, polissaturada de lípidos, nervuras e rija como solas. Uma vez trouxe um desses nacos de "carne" lá para casa para dar ao cão e este olhou para mim de lado, com ar de quem estava a pôr em causa o meu bom nome e a mostrar-me os caninos.

Mas coisa que não escasseava naquelas cantinas (desconfio que havia viveiros algures no Jardim de Nª Sra da Conceição) era a Maruca. A Maruca estava para a UBI como o queijo está para a Serra. O que sempre me meteu muita confusão, pois ficávamos com a sensação que aquela coisa dos "gostos e pratos regionais" era apenas "areia para os olhos" da ingenuidade académica. Que sentido fazia, estarmos a estudar numa localidade onde havia queijo, ovelhas, carqueija, míscaros, trutas, tudo ao pontapé, e darem-nos maruca e outras coisas não autóctones para comermos? Era só para nos chatear! Sei que na UA, por exemplo, havia sempre um ovinho mole à sobremesa ou Enguias de escabeche como "amuse bouche". No Porto, a cantina abria ao lanche para servir uns mini pratos de tripas à moda local. Em Lisboa não te serviam nada. Eram uns agarrados e uns sem ideias porque não é região que se preze para definir um prato típico pois tudo o que comem é proveniente do resto do país. Nas primeiras aqui citadas, posteriormente, despejavam-te a lavagem que entendessem no prato e tu nem davas conta nem te queixavas! Mas nunca termos tido direito a um queijinho da serra às refeições ubianas, é coisa que não lembrava ao diabo. Ou uma chanfaninha. Ou trutas do Paúl, sequer!

Tínhamos uma dieta constantemente bombardeada com maruca e nem mais um pio! Era "maruca recheada com maruca", "maruca salteada com maruca", "filetes de maruca com batatas confitadas em óleo de maruca" e sabe-se lá mais o quê. "Estrogonoff de maruca", "Mousse de maruca" ou "baba de maruca" eram pratos mais raros e sinal que o cozinheiro tinha mudado e serviam apenas para desenjoar.

É sobejamente sabido que o peixe estimula a inteligência e que a carne embrutece o indivíduo. Mas tinha de ser mesmo carne e não os sucedâneos que nos davam, que com aquilo que tínhamos na frente não havia efeito placebo que resultasse. Certo dia houve um engano na redacção do menu do dia e em vez de "maruca" alguém escreveu "peixe espada" e quase provocou um motim.

Portanto, seria natural pensar que o mar estava sobrelotado de maruca, mas não. Quando vinha a casa, perguntava à minha mãe - meio a medo não estivesse a dar-lhe ideias tristes - se não havia maruca nas peixarias, ao que esta me dizia que era raro encontrar e quando aparecia era um peixe assim a modos que para o "carote". Isto deixava-me a pensar ainda um pouco mais. "Ora... um peixe assim a "modos que para o carote" não é peixe para dar-se aos índios que estudam na UBI! A menos que haja um mercado negro da maruca que eu desconheça.". E, a menos que alguém nos serviços adjudicadores da paparoca ubiana estivesse a ser enganado à força toda, julgando que estava a comprar maruca e afinal recebia toneladas de peixe-porco disfarçado, havia qualquer coisa que não batia certo.

Devo dizer que por manifesta falta de tempo, nunca me dei ao trabalho de aprofundar a questão como seria - quiçá - merecedora. Sei que ainda é cedo aferir se a quantidade de maruca ingerida provocou efeitos a longo prazo ou não. Sei é que o prazo já vai adiantado e tirando as maleitas próprias da idade, nada aponta para que a culpa seja imputada directamente ao consumo de tal bicheza nadadora. E igualmente o que sei é que, ainda hoje, quando me cruzo com maruca nos hipermercados, vêm-me à ideia aqueles pratos gourmet que nos eram dados na cantina de Sto. António. E como sou daqueles que acha que "Em Roma, sê romano", acho que a voltar a comer maruca na vida, será apenas na cantina da UBI. É como ir a Trás-os-Montes comer uma caldeirada de enguias: é estúpido porque lá não há enguias, quanto mais caldeiradas em condições...!

sábado, 23 de janeiro de 2021

Covilhã, the city of hyena tea.

 


Tal como noticiei na minha última crónica, uma equipa de investigadores ubianos descobriu a cura para a covid 19: o chá de hiena. Como não podia deixar de ser, foi a melhor notícia que o mundo podia ter em tempo de pandemia. A fama do chá de hiena já extravasou fronteiras e todos os países o solicitaram às autoridades portuguesas, que, em colaboração com a UBI, estão a tratar de o produzir em grande escala e de proceder à sua distribuição, não só no espaço nacional mas também no âmbito planetário. As notícias sobre a extraordinária descoberta da equipa de cientistas da UBI correm céleres por todo o mundo, na internet, nas redes sociais, nos meios de comunicação social, em todo o lado onde a informação flui. O mundo está doido por conhecer a UBI. A Covilhã tornou-se um local de peregrinação, é só jornalistas por todo o lado, dos quatro cantos do mundo, um movimento desusado de gente a andar p’ra cima e p’ra baixo nos declives da cidade. As reportagens de exteriores sucedem-se, equipas de filmagem filmam as encostas graníticas da serra e a longa planície que lhe nasce no sopé, dissecam-se os usos e costumes da terra, momentos históricos, a virtuosa industria de lanifícios, a neve que pinta de branco as vertentes e os planaltos, tudo o que é suscetível de fazer notícia.
A Universidade da Beira Interior foi forçada a limitar o acesso à comunicação social, senão ficava tudo tão empanturrado de gente que não se podia dar passo sem andar aos encontrões. Mesmo assim é uma enchente, o que vale é que com a vacina e o chá de hiena a pandemia ficou sob controlo e o distanciamento social passou a ser uma medida do passado. Ainda bem que assim é, senão era o fim da macacada…
A Covilhã está a abrir os noticiários das televisões de todo o mundo, a começar pela CNN e a acabar nas televisões mais modestas dos países do terceiro mundo, não se fala noutra coisa, o mundo está parado a admirar a Covilhã e a sua UBI. Ninguém diria que, à semelhança dos tempos épicos do Infante Dom Henrique, Portugal voltaria a ter o mundo a seus pés…
Mas há sempre vozes críticas, é fatal como o destino. Esperava-se que a censura viesse de outras universidades, por inveja. Que viesse dos ambientalistas que sempre combateram o turismo de massas e os seus efeitos perversos. Que viesse das farmacêuticas que perdem de vender uma série de fármacos tidos como bons para o covid. Que viesse dos curandeiros charlatães que deixam de ter incautos para enganar. Enfim, que viesse de todos os lados menos do lado de que de facto veio: do lado vegan. O problema está obviamente na hiena, porque, segundo o evangelho vegan, não se pode consumir nada que tenha origem animal.
Há coisas de origem animal que eu também não consumo, como por exemplo o cheiro pestilento de um porco acabado de sair de um banho de esterco. Ou o palrar de um papagaio malcriado que me manda à merda quando passo. Ou mesmo o encosto da enguia elétrica que me deixa em estado de choque. Mas não dispenso o canto do rouxinol ou o leque do pavão, o amor incondicional do cão, a elegância do cavalo, não dispenso nenhuma das coisas belas e inacreditáveis do reino animal, nem dispenso, e aqui é que está o meu crime, um bom bife. Ou seja, na ótica vegan sou um criminoso, assim como o são também os investigadores ubianos que, com a descoberta dos poderes curativos do chá de hiena, livraram a humanidade do coronavírus.
O mundo vegan levanta-se em protesto contra o chá de hiena. Se fosse de tília ou de limão nada disto acontecia, eram tudo rosas. Mas a hiena é um animal e os animais não se usam em benefício dos homens. Um vegan quando vê um filme de cowboys passa bem com a matança dos índios, o que não suporta é que andem todos em cima dos cavalos, tanto os índios como os cowboys. Se andassem em cima de abóboras era ótimo, o pior é que as abóboras não têm pernas e não saem do mesmo sítio. Não se pode ter tudo…
A hiena é colocada num caldeirão com água a ferver, chá é chá. De facto é horroroso, mas é o crime que a humanidade tem que cometer para se salvar. O vegan fanático, no entanto, não comete esse crime, dá a vida pela causa, prefere morrer aos pés do covid do que desgraçar a hiena. Se for vegan e testemunha de Geová, então deixa-se morrer tanto pelo sangue como pelo chá, rejeita a transfusão e a infusão.
Os ativistas vegan unem-se empenhadamente contra mais este atentado à felicidade animal. Considerando que o exemplo vem de cima já têm preparada uma avioneta que sobrevoará a cidade da Covilhã lançando folhetos como fotos de hienas em sofrimento e frases como “os animais também sentem, tenham compaixão”. O movimento vegan não se fica por este rectangulozinho da península ibérica, alastra a todo o mundo e toma cada vez mais visibilidade. Nas cidades mais importantes e mediáticas do planeta sucedem-se as manifestações de rua, com os cartazes e os gritos de ordem do costume.
Nova York prepara-se para receber a marcha do Orgulho GAY e a marcha vegan do Orgulho CA (Couves&Alfaces). No entanto, para aumentar significativamente o número de participantes e dar dessa forma maior destaque ao protesto, em vez da marcha do Orgulho CA e da marcha do Orgulho GAY, os movimento LGBT e vegan resolveram juntar-se na marcha do Orgulho CAGAY (o que, convenhamos, não soa lá muito bem…). Será certamente a maior marcha de que há memória na cidade, com um impacto incomparavelmente maior do que seria se gays e animalistas desfilassem em eventos separados. 
Ou seja, agora que a Covilhã se tornou o centro do mundo podia esperar-se um ataque à bomba dos terroristas do Islão, uma invasão de infetados desesperados pela cura, uma onda de fake news com base em teorias da conspiração, uma investida de negacionistas a negar tudo…, enfim, tudo menos uma insurreição vegan. Mas, surpreendentemente, é isso mesmo que está a acontecer. Assim vai o mundo…

Gondri

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Chá de quê?...


Um grupo de investigadores da faculdade de medicina da Universidade da Beira Interior acaba de confirmar, após um longo trabalho de investigação, que, tal como diz a sabedoria popular, rir é o melhor remédio. Apesar de amplamente difundida e passada de boca em boca, a tese de que rir é o melhor remédio nunca passou de uma convicção empírica sem qualquer sustentação científica. É por isso que a UBI acaba de fazer história ao confirmar, cientificamente, após teste contra o placebo, que assim é. Numa amostra de mil voluntários infetados com o novo coronavírus, a quinhentos foi contada uma anedota de alentejanos com piada e aos outros quinhentos uma sem piada, sendo que, no grupo da anedota com piada 96% dos indivíduos ficaram curados contra 5% do grupo da anedota sem piada. Uma tão gigantesca diferença no número de curas não deixou qualquer margem para especulações ou exercício do contraditório, foi imediatamente reconhecida por unanimidade pela comunidade científica, e até os indefetíveis negacionistas se reduziram a zero perante a evidência dos números. 
Passada a fase inicial e bombástica da descoberta, era agora necessário aferir as condições da aplicação da terapêutica à população. E foi aí que começaram a surgir as dificuldades. Em pessoas cultas e relativamente inteligentes o riso provocado pelas anedotas curava com abundância, mas, quando o nível cognitivo baixava, o remédio deixava de fazer efeito porque as pessoas não percebiam as anedotas e por isso não se riam. Pior se passava com os imigrantes estrangeiros que, face às dificuldades da língua, menos aptos estavam para compreender as piadas. Ou com a minoria surda que, sem a faculdade de ouvir, ficava inconstitucional e imoralmente excluída. 
Perante as dificuldades da comunicação oral, tentou-se a mímica que era universal e ultrapassava as barreiras da língua. Mas não contemplava os invisuais, o que, só por si, abolia logo a priori qualquer possibilidade de ser implementada. Além disso, tirando os surdos que se entendiam perfeitamente na linguagem gestual, constatou-se que a comunicação por mímica era um autêntico bicho de sete cabeças, que na maior parte das vezes ninguém se entendia. E a hipótese da mímica também não vingou.
Face ao falhanço das hipóteses anteriormente descritas, tentou-se a técnica das cócegas. Quem é que nunca se desmanchou a rir com cócegas, especialmente na sola dos pés?! Em criança eu fugia delas a sete pés, mas, quando me apanhavam, destrambelhava-me todo à gargalhada e havia poucas coisas que me provocassem um riso tão convulsivo. Mas não demorou muito até que se percebesse que o método das cócegas também não era solução. Primeiro porque havia pessoas que pura e simplesmente não tinham cócegas, depois porque para alguns a fuga às cócegas era mais mobilizadora do que a própria fuga aos impostos, e ainda, entre outras razões, porque havia pessoas de temperamento sério e circunspecto para quem as cócegas eram coisa de criança. Nada feito, portanto.
O passo seguinte foi um completo disparate. Um dos investigadores ubianos lembrou-se de propor o uso de gás hilariante para despoletar o riso sem ter em conta que se trata de uma droga psicoativa. Inconsciente do perigo decidiu experimentar em si próprio o óxido nitroso, a chamada droga do riso, e, depois de muito gargalhar, sentiu-se mal e teve que ser assistido no hospital. De facto o óxido nitroso não é inofensivo, como muitos pensam. Quando é inalado em grandes quantidades pode levar à anoxia cerebral (falta de oxigénio no cérebro), e, nos casos mais críticos, pode provocar a morte. Uma morte falsamente divertida, diga-se, as vítimas morrem literalmente a rir. E eis que ainda não era desta que se descobria a melhor forma de administrar o riso, que era, já se sabia, o melhor remédio. 
Como se sabe a palavra “desistir” não consta do vocabulário da UBI. As experiências continuaram, as tentativas sucederam-se, e a cada tropeção seguia-se sempre uma nova vaga de entusiasmo. Tentaram-se outras substâncias que induzissem o riso e fossem facilmente aplicáveis. De preferência naturais. Experimentaram-se plantas exóticas, muitas da Amazónia, muitas das florestas húmidas do Congo, muitas de todo o lado, mas nenhuma fazia rir. Chás e mais chás, e nada. Ainda se falou em cannabis que, como se sabe, faz rir bué. Mas era hipótese abortada à partida porque a cannabis não é permitida por lei. Aliás, mesmo que o fosse, ninguém estava a ver o país inteiro a fumar a dita cuja. Não estava fácil. Não se mediam esforços para encontrar uma solução, mas não estava fácil.
Até que, num dia épico, a solução chegou, pode dizer-se, pela televisão. O Dr. Norberto, um dos investigadores ubianos, teve um assomo de génio quando estava refastelado em casa a ver um documentário da National Geografic, sobre hienas. Claro que ele sabia que as hienas riem, toda a gente sabe, mas nem sempre lembra. E a partir daí iniciou mais uma levada de experiências até que chegou ao medicamento prometido, ao melhor remédio, à sentença de morte do coronavírus. Levanto só uma pontinha do véu: é uma bebida. Podia manter o suspense por mais umas linhas mas estou deserto por revelar o remédio, que é, tan tan tan tan, que é, tan tan tan tan, que é, tan tan tan tan, o chá de hiena!!! Esqueçam a vacina, se apanharem covid é só um chazinho de hiena e está feito. Muito simples. Agradeçam à UBI. Agradeçam-lhe, tal como a academia sueca se prepara para lhe agradecer atribuindo-lhe o Nobel da Medicina pela descoberta do chá de hiena na cura do covid19. 
Aposto que, quando o Nobel chegar, António Rolo Duarte, esse elitista de meia tijela, vai alterar radicalmente o discurso para “passa pela cabeça de alguém ir estudar para uma universidade que não seja a Universidade da Beira Interior?”. Agora pergunto: a qualidade do ensino que é ministrado na UBI muda com a atribuição do Nobel, assim por artes mágicas?! Certamente que não. O que muda é o status, esse sim, muda e de que maneira. Na cabeça do Rolo Duarte a UBI passa de carrito baratucho a Ferrari, e isso é que conta. Bem digo eu que um trapo encharcado ainda era pouco…

Gondri