Nos
áureos tempos do arranque do Instituo Universitário da Beira Interior, depois
UBI, Universidade da beira Interior, na longeva década de 80 do século passado,
pois é, somos desses tempos, do século passado! O tempo despenha-se como flocos
de neve nos nossos cabelos mas transporta-nos num voo delicioso não pela
encosta da serra mas pelas nossas memórias, desses tempos, sim, de tempos em
que nada era como agora. A Covilhã, terra dos lanifícios, interior de gente de
trabalho que a revolução de Abril do mesmo século passado tornou
reivindicativas, mas que ainda não tinha perdido o típico estilo do interior
onde todos se conhecem. É nesse contexto que muita gente jovem, muita para
aqueles tempos, sem nada que possa extrapolar-se para os dias de hoje, iniciava
uma vida nova e uma nova vida. Vindos de muitos pontos do país mas muitos do
próprio interior que a vida ainda era de um país francamente atrasado e
conservador e onde ter um filho a estudar em Lisboa, Porto era difícil e
Coimbra era para os “doutores”. Não era despicienda a questão “notas” de
entrada. Um verdadeiro caldo onde nem sempre se vinha de boa vontade, porque
esta é a verdade! Mas não cabe neste meu contributo desvio maior que o do
interior de cada um e o momento actual. Juntavam-se, portanto pessoas fora das
suas zonas de conforto, longe dos seus amigos, distantes de tudo o que eram as
suas regiões, com os medos próprios de uma idade fantástica e desafiadora mas
de enormes descobertas, mais que não fosse, dos limites de cada um, dos valores
de cada, da capacidade de adaptabilidade, resistência até. Tal como em
ambientes a anteriori hostis, o ser humano estabelece prioridades,
pontes, ligações para, em grupo, estar mais apto a defender-se. Não esqueçamos
que “lutar” ou “fugir” nos comanda desde sempre. De meros interesses de
sobrevivência as pontes foram-se fortalecendo, os suportes reforçados, as
“lutas”, os grupos, as propinas, as precedências, as saudades, tudo empurrou
aquilo que antes seria, na génese, o cérebro reptiliano a comandar, a outros
valores mais fortes. Conheciam-se pessoas e experiências, faziam-se amizades,
ensaiavam-se namoriscos, alguns ainda hoje perduram, imaginem só. Como um todo,
eram romarias a jogos de futebol, a garraiadas, sempre com a dimensão própria
de uma Universidade nova, diferente, feita por gente com esses valores, que se
unia e vestia a camisola da sua Universidade. Perante o próprio destrato em
eventos desportivos nacionais pelo desconhecimento de que, mais que um nome, uma
camisola, uma terra, há pessoas, gente, e quando essa gente se junta num corpo
sólido onde os valores se revelam fortes, os limites podem surpreender. Assim
foi quando ilustres desconhecidos foram, no Porto, Campeões nacionais
universitários pela 1ª vez na história. Foi a raiva das gentes, dessas
gentes, a incutir temeridade, e energia
porque embora dotados de valores, tratava-se de um grupo de amigos sem os meios
dos grandes emblemas. Foram os valores da união, do envolvimento numa causa
comum, foi o colectivo, onde todos tinham o seu lugar. Foram momentos de
efusividade, abraços, copos, muitos copos, festa e comemoração. Foram memórias
fantásticas que hoje continuamos a partilhar.
Hoje,
tudo mudou e instalou-se o paradoxo. Aquilo que nos distingue, a proximidade, o
calor humano, o abraço, o “aperto do bacalhau”, o “give me 5”, o beijo, o
“selinho” como dizem os brasileiros, tudo isso mudou, embalado num medo tornado
pânico que esses gestos nos contaminem. Quem antes não se pautava pela amizade
rejubila, nós, aqueles que fomos desses momentos, andamos acabrunhados, a
precisar dos afectos, da proximidade. Todos se tornaram tóxicos. Como é isto
possível? Pior, como será o futuro? Estes tempos vão tornar-nos mais perigosos
uns para os outros. Se sobrevivermos a este vírus do confinamento e
distanciamento social, sobreviverão os nossos valores? Haja o que houver,
voltaremos a, sim, isso mesmo, a ser humanos, mas sejamos humanos melhores. Não
nos lembremos só do mais fraquinho da equipa, mas do papel que ele também teve,
porque teve, não valorizemos apenas o brilhantismo dos melhores dos nossos
pares, festejemos mesmo aqueles que atingiram o final dos seus cursos “mesmo à
rasca”! É esse o espírito que nos uniu, todos tem lugar, todos. Porque, afinal,
basta cultivarmos valores como generosidade, amizade, genuinidade, para termos
a tal alavanca que, como no século passado mudou TUDO!
26/04/2020
1 comentário:
Que bom, neste texto do Oliveira, como eu o tratava, sempre,revêr alguns momentos históricos, da UBI, relembrar como era fácil sonhar, como era importante contribuir, para um esforço de crescimento, de prestigio, de reconhecimento e de orgulho na UBI. Como era fácil soltar ideias, projectar feitos, motivar pessoas, criar tradições, elevar a UBI aos mais altos desígnios das Universidades nacionais e, agora, quase 40 anos passados, viver dessas recordações, desses feitos, dessas loucuras. Obrigado, Oliveira, Brandão, Gondri, Nuno, Gil, Moura e muitos outros que, infelizmente, a vida profissional afastou, por esses momentos. Obrigado ...
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