segunda-feira, 27 de abril de 2020

O Início e o tempo actual COVID O PARADOXO


Nos áureos tempos do arranque do Instituo Universitário da Beira Interior, depois UBI, Universidade da beira Interior, na longeva década de 80 do século passado, pois é, somos desses tempos, do século passado! O tempo despenha-se como flocos de neve nos nossos cabelos mas transporta-nos num voo delicioso não pela encosta da serra mas pelas nossas memórias, desses tempos, sim, de tempos em que nada era como agora. A Covilhã, terra dos lanifícios, interior de gente de trabalho que a revolução de Abril do mesmo século passado tornou reivindicativas, mas que ainda não tinha perdido o típico estilo do interior onde todos se conhecem. É nesse contexto que muita gente jovem, muita para aqueles tempos, sem nada que possa extrapolar-se para os dias de hoje, iniciava uma vida nova e uma nova vida. Vindos de muitos pontos do país mas muitos do próprio interior que a vida ainda era de um país francamente atrasado e conservador e onde ter um filho a estudar em Lisboa, Porto era difícil e Coimbra era para os “doutores”. Não era despicienda a questão “notas” de entrada. Um verdadeiro caldo onde nem sempre se vinha de boa vontade, porque esta é a verdade! Mas não cabe neste meu contributo desvio maior que o do interior de cada um e o momento actual. Juntavam-se, portanto pessoas fora das suas zonas de conforto, longe dos seus amigos, distantes de tudo o que eram as suas regiões, com os medos próprios de uma idade fantástica e desafiadora mas de enormes descobertas, mais que não fosse, dos limites de cada um, dos valores de cada, da capacidade de adaptabilidade, resistência até. Tal como em ambientes a anteriori hostis, o ser humano estabelece prioridades, pontes, ligações para, em grupo, estar mais apto a defender-se. Não esqueçamos que “lutar” ou “fugir” nos comanda desde sempre. De meros interesses de sobrevivência as pontes foram-se fortalecendo, os suportes reforçados, as “lutas”, os grupos, as propinas, as precedências, as saudades, tudo empurrou aquilo que antes seria, na génese, o cérebro reptiliano a comandar, a outros valores mais fortes. Conheciam-se pessoas e experiências, faziam-se amizades, ensaiavam-se namoriscos, alguns ainda hoje perduram, imaginem só. Como um todo, eram romarias a jogos de futebol, a garraiadas, sempre com a dimensão própria de uma Universidade nova, diferente, feita por gente com esses valores, que se unia e vestia a camisola da sua Universidade. Perante o próprio destrato em eventos desportivos nacionais pelo desconhecimento de que, mais que um nome, uma camisola, uma terra, há pessoas, gente, e quando essa gente se junta num corpo sólido onde os valores se revelam fortes, os limites podem surpreender. Assim foi quando ilustres desconhecidos foram, no Porto, Campeões nacionais universitários pela 1ª vez na história. Foi a raiva das gentes, dessas gentes,  a incutir temeridade, e energia porque embora dotados de valores, tratava-se de um grupo de amigos sem os meios dos grandes emblemas. Foram os valores da união, do envolvimento numa causa comum, foi o colectivo, onde todos tinham o seu lugar. Foram momentos de efusividade, abraços, copos, muitos copos, festa e comemoração. Foram memórias fantásticas que hoje continuamos a partilhar.
Hoje, tudo mudou e instalou-se o paradoxo. Aquilo que nos distingue, a proximidade, o calor humano, o abraço, o “aperto do bacalhau”, o “give me 5”, o beijo, o “selinho” como dizem os brasileiros, tudo isso mudou, embalado num medo tornado pânico que esses gestos nos contaminem. Quem antes não se pautava pela amizade rejubila, nós, aqueles que fomos desses momentos, andamos acabrunhados, a precisar dos afectos, da proximidade. Todos se tornaram tóxicos. Como é isto possível? Pior, como será o futuro? Estes tempos vão tornar-nos mais perigosos uns para os outros. Se sobrevivermos a este vírus do confinamento e distanciamento social, sobreviverão os nossos valores? Haja o que houver, voltaremos a, sim, isso mesmo, a ser humanos, mas sejamos humanos melhores. Não nos lembremos só do mais fraquinho da equipa, mas do papel que ele também teve, porque teve, não valorizemos apenas o brilhantismo dos melhores dos nossos pares, festejemos mesmo aqueles que atingiram o final dos seus cursos “mesmo à rasca”! É esse o espírito que nos uniu, todos tem lugar, todos. Porque, afinal, basta cultivarmos valores como generosidade, amizade, genuinidade, para termos a tal alavanca que, como no século passado mudou TUDO!
    J. HENRIQUES OLIVEIRA
26/04/2020

1 comentário:

Vasco Silva disse...

Que bom, neste texto do Oliveira, como eu o tratava, sempre,revêr alguns momentos históricos, da UBI, relembrar como era fácil sonhar, como era importante contribuir, para um esforço de crescimento, de prestigio, de reconhecimento e de orgulho na UBI. Como era fácil soltar ideias, projectar feitos, motivar pessoas, criar tradições, elevar a UBI aos mais altos desígnios das Universidades nacionais e, agora, quase 40 anos passados, viver dessas recordações, desses feitos, dessas loucuras. Obrigado, Oliveira, Brandão, Gondri, Nuno, Gil, Moura e muitos outros que, infelizmente, a vida profissional afastou, por esses momentos. Obrigado ...