Globalização,
a
pandemia anunciada ao mundo ocidental?
Alguns
se poderão lembrar de que fui o primeiro aluno a entrar no IUBI. Invulgarmente
naqueles anos de 1979, candidatei-me como primeira e única opção à Licenciatura
em Engenharia Têxtil. Fi-lo contra a vontade de meu pai e de quem me rodeava
pois, residindo em Lisboa e com elevada média de candidatura, entraria em
qualquer área de engenharia do Instituto Superior Técnico. Quando em Maio de
1979 anunciei esta intensão a meu pai, recebi como resposta: “Estás parvo, isto
é um país de malucos e um dia destes ditam o fim da indústria!” Estava muito
longe de imaginar que hoje iria dizer e pensar tudo o que abaixo vos escrevo.
Quando
em 1986 Portugal foi, com os restantes países da comunidade europeia, assinando
primeiros acordos comerciais relativos aos diversos sectores da economia – agricultura,
pescas e indústria – estariam os nossos políticos sem noção do que era a
verdadeira estrutura da economia a nível global. Menos ainda estiveram preparados para a
assinatura, em 1994, dos acordos do GATT, também conhecidos pelos acordos do
Uruguai Round. Nesse tempo, quando foram alertados para todos os riscos que
tais acordos representavam para as economias do mundo ocidental desenvolvido face
à capacidade industrial instalada na China – e na que se estava a instalar na
India e Paquistão –, vieram dizer-nos que a China não integrava a WTO pelo que
não representava risco, esqueceram-se de que a adesão da China era inevitável e
que se avizinhava a breve prazo, o que ocorreu em 1998.
Se me
centrar no sector que melhor conheço, a indústria têxtil – excluo daqui o
vestuário que desconheço nem tão pouco percebi porque razão se têm “misturado” ambos
no mesmo “saco” pois, um sector de capital intensivo como o têxtil não pode
nunca ser “misturado” com um sector de mão de obra intensiva como o vestuário,
é, direi, o mesmo que querer misturar o azeite e a água – lembro-me bem,
ainda nos finais da década de setenta, das indisposições de meu pai quando os
telexes relatório dos leilões de lãs da Austrália mostravam a presença da China
comprando logo no arranque de cada sessão uma parte substancial do stock em
negociação, deixando uma pequena parte para o Ocidente comprar a preço bem mais
alto. Até por aqui se pode facilmente concluir que a China era desde há muito
uma ameaça séria à indústria têxtil ocidental. De facto, nem na assinatura do
último acordo Multifibras de 1986 nem dos acordos do GATT de 1994 o Ocidente
soube proteger a sua indústria.
Olhando
apenas para Portugal, o descalabro provoca mesmo um imenso sentimento de
revolta que, com tantos avisos dados pela indústria, os políticos tivessem
feito ouvidos mocos e cerrado os olhos. Depois do disparate da assinatura do
último acordo Multifibras, em Março de 1986, que permitiu a abertura pela
comunidade europeia a importações nada controladas – a partir daí, a Turquia
e a Indonésia por exemplo, exportaram para a comunidade europeia tudo o que
quiseram com praticas inaceitáveis de dumping comercial. Os subsídios à
exportação chegaram, na Turquia por exemplo, a atingir 25% sobre o valor de
fatura. O efeito imediato foi de destruição dos sectores de malhas e confecção
em Inglaterra, Bélgica, França, Dinamarca, Suécia, etc. o que representou para
a indústria têxtil portuguesa a perda dos seus clientes de exportação num
efeito em jeito de boomerang dada a leviandade com que o nosso governo assinou
esse acordo. Certamente desconheciam os nossos políticos a importância de um
sector exportador – Portugal foi sempre uma pequena economia com um mercado
interno sem grande capacidade de compra – para a economia do país. Foi assim
que, quase determinando a extinção de um sector com uma história que se
confunde com a fundação da nacionalidade, entre 1987 e 1992 com as fronteiras
da europa já abertas à importação, os políticos portugueses decidiram reduzir o
número de horas de trabalho da indústria de 45 para 40, fixaram o câmbio do
escudo eliminado os ganhos da indústria nas taxas cambiais, subiram as taxas de
juro a valores que atingiram 30% ao ano logo após terem incentivado a indústria
a investir ao abrigo do famoso PEDIP I. Ora, apenas por via da redução do
número de horas de trabalho, o aumento dos custos salariais foi da ordem dos
10%, com taxas de juro insuportáveis por qualquer negócio lícito, sem ganhos
cambiais e com concorrência desleal legalizada pela política é naturalmente
impossível manter viva uma indústria que era vital à economia do país e que
vinha a conhecer forte crescimento após a intervenção do FMI em Portugal no
início dos anos 80. Diziam-nos então os políticos que a indústria têxtil só
criava trabalho precário e que iriamos ser um país rico de prestação de
serviços. Na indústria um operador de máquinas leva sempre 6 a 12 meses para
estar formado enquanto que para se trabalhar nos “call centers”, de que tanto
se orgulham os políticos, os contractos de trabalho são à quinzena e mal pagos.
Onde está então a precariedade? Estava num sector industrial criador de valor
ou na modernidade instável dos “call centers”? Julgo que está mais que provado
que a têxtil era afinal criadora de emprego estável quase sempre justamente
pago quando comparado com o resto da economia e criadora de valor fundamental
ao crescimento da economia nacional.
Com a
China já integrada na WTO e os grandes retalhistas já com larga experiência de
produção naquela zona da Ásia, chegámos a 1 de Janeiro de 2005, data da entrada
em vigor dos Acordos do GATT. Como provam as estatísticas a produção industrial
caiu de forma abrupta no mundo Ocidental. Mas nem necessitaríamos de recorrer
às estatísticas para entender o efeito devastador da liberalização na Europa pois,
bastar-nos-á passear, pela Covilhã, por Castanheira de Pera, Guimarães ou Riba
d’Ave, em Portugal e também por Terrassa ou Sabadell, em Espanha, por Mulhouse,
Tourcoing, Roubaix ou Roanne, em França, por Herning na Dinamarca, por Boras,
na Suécia, por Bradford, Leeds, Harrogate ou Leicester, em Inglaterra, para se
observar a imensa quantidade de edifícios industriais em ruinas. Podemos a isto
juntar outras indústrias como a metalurgia, olhar para Newcastle em Inglaterra,
ou sector automóvel e olhar para Detroit ou Minneapolis, nos EUA. A
consequência não foi apenas a do desaparecimento singelo de indústria, foi
também a desertificação das cidades de interior, uma inevitável concentração da
população nas zonas litorais ou em volta das grandes capitais, crescimento de
emprego precário e, muito mais que isso, perda de capacidade de criação de
valor do mundo Ocidental. Tudo se deve à inépcia e incapacidade dos políticos
que se deixaram pressionar pelas grandes cadeias de retalho mas se esqueceram
que, a abertura descontrolada às importações com origem na China levaria
inevitavelmente à perda de capacidade competitiva da indústria e ao seu
desaparecimento, atirando as economias para um triangulo verdadeiramente suicida:
“Perda de Competitividade => Quebra
de Receitas dos Estados e Aumento das Prestações Sociais => Aumento
de Impostos e da Dívida Externa (= Perda de Competitividade)”.
Com as economias
estado de franca debilidade – o que ficou bem patente em 2008 – , o mundo
Ocidental veio “vergar-se” ainda mais perante a China. Para espanto de todos,
quem mais se vergou perante a China comunista foi a direita política
entregando-lhes, a troco de “meia dúzia de moedas”, sectores vitais à
competitividade das economias como a distribuição e a produção energética. Não
me é possível esquecer os brindes com champanhe entre os nossos governantes e
os chineses transmitidos em directo pela televisão, celebrando a venda da
participação na EDP! Claro que para estas famílias políticas tal opção
revelou-se vantajosa pois, enquanto aliviavam muito ligeira e falsamente os défices
orçamentais garantiam bons lugares profissionais aos seus “companheiros de
luta” e mentores intelectuais desde os “bancos de escola”. A tudo a esquerda
política assistiu muda e calada, com vontade até de aplaudir, às opções da
governança pois, para além de se dar todo o poder a um país comunista, já antes
tinha dado como bom o argumento de que, em termos globais, o número de pobres
no mundo seria menor graças à globalização da economia. Nada disso foi verdade,
pelo contrário, aquilo a que de facto se assiste hoje é a uma economia dominada
por poucas “mãos” e que concentrou excessivamente a riqueza em apenas 1% da
população mundial. Não foi deste modo que o mundo Ocidental se desenvolveu nos
últimos duzentos anos e ultrapassou a Ásia na liderança económica, foi com
democracia e mais redistribuição da riqueza, foi com economia criadora de
valor, mais direitos às mulheres, mais serviços de saúde, mais formação e mais
investigação.
É também verdade
que houve no Ocidente quem muito beneficiasse destas opções e até tudo fizesse
para que fosse este o caminho. Refiro-me particularmente à Alemanha e à
Holanda. A Alemanha que sabia bem que iria beneficiar da exportação de
equipamentos – máquinas e automóveis - para a Ásia, salvando assim as
indústrias que suportam a sua economia. A Holanda porque, como país mercador
por excelência – bastam trinta minutos em cima de uma ponte à entrada do porto
de Roterdão para se constatar a dimensão do movimento de carga marítima que por
ali passa –, pôde fazer crescer o comércio por si promovido mesmo dando suporte
a graves práticas de dumping económico.
Tudo isto foi
possível por falta de verdadeira liderança do mundo Ocidental desenvolvido e um
total desprezo pelas estruturas económicas que por cá criavam valor. A chamada “teoria
da escola de Chicago” passou a dominar o mundo ocidental. Considera que o
importante é fabricar mais barato ainda que com práticas de concorrência desleal
que levaram à asfixia de uma grande parte das nossas indústrias obrigadas ao
cumprimento de toda a espécie de regras sem que fossem igualmente replicadas e
exigidas à Ásia.
O mundo ocidental
vive hoje com uma pandemia inaceitável para os dias de hoje dados os avanços da
medicina no nosso tempo. Esta pandemia irá provocar um nível de destruição nas
economias que ninguém de bom senso poderá agora prever com exatidão a dimensão
do desastre. Sabemos todos que a origem esteve na China, sabemos também que os
números que a China transmite ao mundo só podem ser falsos. Basta fazermos uma
comparação com o número de habitantes de Itália, Espanha e Estados Unidos da
América para percebermos. Ora, o país de origem deste grave surto viral, com
1,3 mil milhões de habitantes dizia hoje, 29 de Abril, ter cerca de 90.000
pessoas infectadas e 4.600 óbitos. A China esteve calada e quis negar ao mundo a
realidade atempadamente o que impediu de confinar o problema à sua zona
geográfica. Para além de criar um gravíssimo problema à escala mundial, a China
está a disto a tirar largos benefícios económicos. De repente o mundo ocidental
precisou de ventiladores, líquido desinfectante, equipamento de protecção médica,
máscaras, luvas, etc. e percebemos que só a China domina a produção, só a China
está preparada para fornecer.
Disse que as
consequências que esta pandemia trará para as economias do Ocidente são
imprevisíveis, mas espero que a realidade de hoje mude muito o mundo e nos
traga de volta a criação de valor. Esperamos todos que o mundo Ocidental, em
particular a União Europeia, saiba estar à altura, que encontre líderes à altura
de enfrentar os interesses nocivos que se instalaram ao longo das últimas três
décadas e com coragem de “emendar a mão”. Não sou, nem nunca fui, favorável ao
fecho das economias, mas sou exigente com o cumprimento de regras e elas têm
que ser iguais para todos. É pouco relevante se o capital de um banco ou de uma
seguradora que opera entre nós tem maior ou menor participação chinesa, mas é
muito relevante quando lhes entregamos toda a capacidade produtiva e de criação
de valor e, ainda lhes entregamos o controlo nos nossos países de sectores
vitais para a competitividade das nossas indústrias. Só
connosco pode competir quem tiver o mesmo nível de respeito pelo ser humano e
pelo ambiente, que temos no mundo ocidental desenvolvido. A grande distribuição
tem que entender isto!
António Aguilar
30 de Abril de
2020
4 comentários:
Parabéns Aguilar
Parabéns por uma cronologia precisa e clara.
Como expressei no Linkedin, está-se a assistir a algum esforço, por parte de alguns Países Europeus e não só, no sentido de criar políticas proteccionistas ás suas Industrias bem como, algum sentimento de retaliação face á China.
Aguardemos que a situação económica, pós COVID19, possibilite, ao tecido Industrial Português um salutar reinício.
Esperemos ...
Abraço
Vasco
Muito bem descrito Toninho o sarilho em que os politicos incompetentes dos últimos anos colocaram o mundo ocidental nesta situação.
Emendar a mão vai ser difícil pois quase todos vivem para a próxima eleição.
A minha experiência internacional permitiu-me viver en vários países (Espanha, Alemanha e Brasil) e trabalhar intensamente noutros (toda a América Latina, Estados Unidos, França e Itália entre outros mais) só me veio confirmando as razões pelas quais saí de Portugal em 1997.
Com uma grande vontade de fazer as coisas melhor e aprender fui conhecendo ao longo dos anos as diferentes maneiras de ver o mundo em cad um destes países e testemunhei como a Alemanha foi capaz de gerar um governo de coligação ente SPD e a direita que estabilizou o pais mas também no Brasil onde o impeachment da Dilma só trouxe mais instabilidade e que dizer da eleição de Trump que quem a seguiu lá podia prever o que veio a acontecer.
Todos estes acontecimentos bem diversos sempre me confirmavam que em cada pais a toma de decisão foi+se tornando mais e mais dependente do futuro imediato de cada pais e a sua relação com os vizinhos ou maiores competidores passou a ser de uma guerra encoberta de mata ou morre.
Nesta pandemia está só a vir ao cimo tudo isto.
Infelizmente uma maior coordenação só virá com acontecimentos mais contundentes.
Esperemos que surjam personagens á altura pois de momento a qualidade é baixa.
Um abraço do amigo Brandão
Vasco,
Obrigado pelo teu comentário.
Ficamos entretanto na expectativa de que o ocidente saiba impor os ajustes necessários para que retome Prosperidade.
Forte abraço!
António Aguilar
Brandão,
Agradeço igualmente o teu comentário.
A tua experiência internacional é seguramente uma mais valia. A tua opção em 1997 foi a opção certa.
Um forte abraço.
António Aguilar
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