terça-feira, 28 de abril de 2020

Ode ao Ânus - a obra que mais prazer me deu obrar na UBI.

ABC Margarida: Abril 2015


Quando entrei no bar da residência universitária aquilo era um pivete que não se podia estar, era óbvio que alguém se tinha largado…
Não tive meias palavras e exclamei:
- cheira aqui mal que fede, é pior que um burro morto, irra!!!
Os olhares correram-me de alto a baixo, incomodados, e eu percebi logo que tinha falado demais.
A seguir chegou um colega meu de curso e também lhe cheirou à pestilência de um bom jato de sulfato de intestino grosso. Mas o meu colega era mais refinado, sabia dizê-las. Ao invés de mim, teve outra doçura no dizer, e exclamou:
- credo, cheira aqui menos bem...
Ninguém se incomodou e até acharam graça.
Tanto eu como ele sentimos o fedor, tanto eu como ele o exprimimos em público, no fundo dissemos exatamente o mesmo. Mas se o fizemos igual no conteúdo, fizemo-lo diferente na forma.
Saí nesse dia do bar sensibilizado com o modo hábil, sábio e sereno, com que o meu colega tinha enfrentado o odor insuportável que alguém mal educado lançara no ar. Isso deu-me vontade de o imitar em engenho e em arte, e foi assim que me surgiu de repente a ideia de sublimar em verso o ânus desse javardo incógnito que me deixara o nariz a arder. E a Ode ao Ânus aconteceu.
 .....
 Ode ao Ânus 

Adversa caverna nadegal
Do fabrico de explosivos, ilegal
Gasosa, sonora e fecal
Imunda, anticonstitucional.
Porque exalas esse odor letal
Porque disparas essa bala anti-nasal
Porquê, eterna fronteira intestinal
Sem vergonha social?...

Orgão de som alternativo ao vocal
Nauseabundo batuque instrumental
Discrepância ruidosa, anti-musical
Caos estético, destrambelho sensorial
Sem a mínima componente emocional
Sem alma, sem prazer, sem riqueza espiritual
Sem pauta, sem solfejo, sem dom natural
Sem Mozart, sem Bethoven, sem toque genial.

Princípio da conjuntura vertical
Denominada coluna vertebral
Chamam-lhe “cu” , por via oral
Os badalhocos do calão nacional…
Sujeito à peregrinação eventual
Dos oxiúros da comichão animal
E ao imundo ataque ano-rectal
Do famigerado surto hemorroidal.

Obsceno retro-olho invisual
Metáfora da missão residual
Das lixeiras da câmara municipal
Alienado na expulsão de material
(que em diarreia é pico laboral
E em prisão de ventre ócio total…)
Surgindo depois do reto é, afinal,
O maior atentado ao pudor e à moral.

Gondri

5 comentários:

Unknown disse...

António Rocha
Gonçalves Rodrigues-Gondry

Vasco Silva disse...

Brilhante e perfumada poesia

Mada disse...

Gondri que versos, cheira bem ou mal não sei , mas que gostei gostei

José T. de Sousa disse...

Diria mesmo arrebatador!

Gondri disse...

Agradecido, Vasco.